Movimentos sociais buscam resolver problemas nas comunidades e levam socorro na pandemia

Morador desde 1978 de Heliópolis, maior favela de São Paulo, Marcivan Barreto diz que a pandemia escancarou a situação vulnerável que muitas famílias vivem. “O poder público sempre abandonou a favela, agora, com a pandemia, só ficou mais nítido”, disse Barreto no webinário “O ‘novo normal’ e os Direitos Humanos: movimentos sociais e o futuro do planeta”, promovido pela Diretoria Executiva de Direitos Humanos da Unicamp nesta quinta-feira (27/08) e mediado por Néri de Barros Almeida, diretora do órgão.

Nesse segundo webinário da série da Agenda Direitos Humanos, Barreto, que preside no estado de São Paulo a Central Única de Favelas (Cufa), detalhou como a organização tem atuado em mais de 500 comunidades paulistas para socorrer famílias com cestas básicas, itens de limpeza e ajuda financeira às mães. “Mais de 50% dos moradores vivem do trabalho informal. Como é que eles vão ficar em casa?”, questionou a limitação das medidas de isolamento necessárias para contenção do novo coronavírus.

Diante do cenário imposto pela pandemia, Monika Dowbor, cientista social e pesquisadora da Unisinos, vê alguns elementos criados pelos movimentos sociais que podem levar a uma maior justiça social nesta “nova normalidade”.

“Na pandemia, os movimentos estão criando novas formas de resolver problemas que são públicos”, citou Dowbor durante a sua fala no webinário. Um outro ponto estaria no engajamento gerado. “Ele agora acontece de forma mais forte, na formação de narrativas sobre o mundo. Os movimentos mostram como as desigualdades são construídas e propõem um novo mundo”, complementou.

Sem a atuação de organizações como a Cufa, milhares de pessoas estariam em situação ainda mais crítica nesta pandemia. “Os movimentos sociais mobilizam as comunidades, ações solidárias, salvam vidas. Sistematizam informações e divulgam, organizam as comunidades para que elas possam lidar com problemas que acontecem”, analisou Dowbor.

Menos presentes nas ruas - devido à pandemia - e mais ativos nos bastidores, os movimentos sociais também encontram apoio na internet. De janeiro a julho de 2020, mais de 400 milhões de pessoas usaram a plataforma virtual change.org para preencher abaixo-assinados. Mais de 30 milhões delas estavam no Brasil.

“A Change é uma semente, uma primeira tentativa em escala global do que seria uma democracia direta”, explicou, de Barcelona, Lucas Pretti, diretor de novas tecnologias da Change, maior plataforma de abaixo-assinados do mundo.

Numa tentativa de fortalecer os movimentos sociais, a Change tem agregado petições sobre a mesma causa. “A ideia é que as pessoas que organizam essas petições possam conversar, se unir”, detalhou Pretti.

A onda conservadora em todo o mundo, inclusive no Brasil, tem provocado reações no universo online, que mobilizam globalmente de cidadãos comuns a ativistas. A internet, por outro lado, não está livre de crises nas esferas política, econômica e democrática.

“A solução certamente não é abandonar tudo, ficar sem celular, não ter contas. A solução é micropolítica. É tentar fazer algo dentro do seu microcosmo”, propôs Pretti durante o debate.

Sem deixar de reconhecer os limites do chamado ativismo online ou cliquetivismo, Pretti destacou o potencial das tecnologias digitais de informação e comunicação ao lembrar como viabilizaram a realização do próprio webinário.

Mercedes Bustamante, professora e pesquisadora da Universidade de Brasília, UnB, trouxe ainda um outro aspecto para a discussão durante o webinário. Pontuando que a pandemia de covid-19 está bastante associada ao desequilíbrio ambiental, ela lembrou que, além da crise sanitária no Brasil, a crise ambiental tem se acentuado.

“E a desigualdade está na raiz do problema”, ressaltou, mencionando a participação de movimentos sociais urbanos que chamam a atenção para a causa e para questões ligadas à justiça ambiental, direitos humanos, acesso à saneamento, moradia, etc.

Para Bustamante, o “novo normal” tem sido discutir como se adaptar à crise. “Temos que discutir, na verdade, como saímos da crise e resolvemos a desigualdade, como resolvemos o impacto diferente da degradação ambiental”, sugeriu.

Com uma janela de oportunidade para implementar soluções cada vez menor devido ao avanço das mudanças climáticas, a discussão em torno do tema não pode deixar de fora comunidades de base e movimentos sociais. “O combate à desigualdade é premissa da sustentabilidade”, defendeu.

No Brasil da atualidade, em que o espaço de representação política está se fechando, a retomada da economia e da vida política no pós-pandemia teria que ocorrer com bastante cautela. “Precisamos retomar os aspectos de acesso democrático aos espaços de poder”, pontou Bustamante.

O webinário está disponível online no canal da Diretoria Executiva de Direitos Humanos no YouTube.

A próxima edição da série "O 'novo normal' e os Direitos Humanos", com o tema o direito à saúde após a pandemia, será em 10 de setembro.

Matéria publicada originalmente no site da Diretoria Executiva dos Direitos Humanos.

 

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Escritor e articulista, o sociólogo foi presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais no biênio 2003-2004