Na mitologia grega, Sísifo foi condenado a eternamente empurrar uma enorme pedra montanha acima, mas, ao se aproximar do cume, via a rocha descer ao ponto de partida, numa repetição sem fim. Ao estudar a formação da comunidade científica do Brasil, o cientista social Simon Schwartzman fez uso da metáfora do mito de Sísifo para se referir aos inúmeros avanços e recuos desse setor. A partir desse conceito, o físico e historiador da ciência Olival Freire Junior estudou o panorama brasileiro do século XX e elaborou um curso que oferecerá, em outubro, na Unicamp, dentro das atividades do Programa “Cesar Lattes” do Cientista Residente, organizado pelo Instituto de Estudos Avançados (IdEA).
O novo cientista residente do IdEA tem uma longa carreira na história da ciência, na pesquisa, docência e divulgação científica, sendo autor de mais de 70 artigos em periódicos especializados, mais de 40 capítulos de livros e quatro livros, entre eles “Teoria quântica: estudos históricos e implicações culturais” (Eduepb e Livraria da Física, 2011), coeditado com Osvaldo Pessoa Junior e Joan Lisa Bromberg e vencedor do Prêmio Jabuti.
Sua participação no Programa “Cesar Lattes” consistirá no minicurso “Ciência no Brasil - A metáfora do mito de Sísifo”, a partir de 6 de outubro e com foco principal no público de pós-graduandos e pesquisadores, e a palestra “A física quântica - Um gigante com os pés de barro”, no dia 23 de outubro, voltada a alunos de graduação e ensino médio, sobre os êxitos e incertezas desse ramo. A história da física quântica ocupa um lugar de destaque na produção científica de Freire, tendo publicado em 2019 uma biografia do norte-americano David Bohm (1917-1992), que viveu no Brasil nos anos 1950, intitulada “David Bohm - A Life Dedicated to Understanding the Quantum World” (Springer).
“As minhas expectativas são muito grandes porque falarei de um tema ao qual estou agora quase integralmente dedicado – história da ciência no Brasil no século XX – para um público de uma das maiores universidades do país. Minhas experiências anteriores de apresentações na Unicamp, em seminários, eventos ou mesmo bancas, sempre foram muito gratificantes intelectual e culturalmente; sempre aprendi muito em cada interação aqui mantida”, afirmou Olival Freire ao Portal da Unicamp.
Primeiro brasileiro indicado para o conselho da History of Science Society, sediada nos Estados Unidos, no período 2018-2020, Freire acaba de publicar um artigo sobre a história da ciência e tecnologia do Brasil no século XX para a Oxford Research Encyclopedia of Latin American History. Nascido em Jequié (BA), Freire graduou-se em física, em 1978, pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), com mestrado em ensino de física (1991) e doutorado em história social (1995), ambos pela Universidade de São Paulo (USP). Professor titular do Instituto de Física da UFBA, onde leciona desde 1979, foi também pró-reitor de Pesquisa, Criação e Inovação da instituição, entre 2014 e 2019.
Divulgação científica
Olival Freire Junior aponta que ainda há lacunas significativas sobre o conhecimento histórico da ciência brasileira, principalmente sobre o século XX, e que esses estudos precisam alcançar um público mais amplo por meio da divulgação científica, particularmente estudantes e professores. Segundo ele, é necessário avançar para não se repetir o que vem acontecendo nos últimos 120 anos, quando o Brasil esteve condenado a reviver o mito de Sísifo, como apontado por Schwartzman nos anos 1980.
“Para o desenvolvimento da ciência no Brasil se dissociar desta metáfora se faz necessária uma mudança de mentalidade na sociedade brasileira, para além de mudanças políticas governamentais. Ao longo de nossa história, por vezes, oscilamos entre fortalecimento e enfraquecimento do apoio à ciência nos marcos de um mesmo regime, democrático ou autoritário, ao sabor das oscilações da economia. A mudança de mentalidade necessária implica compreender as ciências como atividades que podem contribuir decisivamente para o desenvolvimento econômico, social, cultural e político de um país”, explica o físico.
Sobre as importantes conquistas da ciência brasileira com impactos socioeconômicos, consolidadas ao longo do século passado e que contradizem o espírito imediatista que muitas vezes guia os governos de plantão, o professor da UFBA cita a geofísica para exploração de petróleo, a engenharia aeroespacial e a pesquisa agropecuária.
“Certamente as agendas dos mandatos políticos são mais curtas que as agendas requeridas para o desenvolvimento científico, assim como as agendas requeridas pela melhoria das condições sociais e de infraestrutura”, pondera Freire. “Então, precisamos de mudanças políticas, sim, mas especialmente de mudanças de mentalidades quanto a quais valores a sociedade brasileira quer cultivar e perseguir.”
Atividades virtuais
O novo cientista residente do IdEA desenvolverá as atividades remotamente durante o mês de outubro na Unicamp, sendo o segundo pesquisador a ocupar o posto. Em setembro de 2019, o físico italiano Francesco Vissani inaugurou o Programa “Cesar Lattes” do Cientista Residente com palestras e um minicurso sobre neutrinos. As inscrições para o minicurso “Ciência no Brasil - A metáfora do mito de Sísifo” já estão abertas, com vagas limitadas, pelo site do IdEA.
O paranaense Cesar Lattes (1924-2005), que dá nome ao Programa do Cientista Residente do IdEA, gravou seu nome na história da ciência como um dos maiores físicos do Brasil. Graduado, em 1943, pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP), se interessou pela física experimental, dedicando-se ao estudo de raios cósmicos. Professor catedrático do Departamento de Física da USP desde 1959, Lattes ajudou a criar, em 1967, o Instituto de Física da Unicamp, onde se aposentou em 1986.
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