A manhã de sábado, 21 de março de 2020, está bem viva na mente do médico Maurício Wesley Perroud Júnior, diretor do Hospital Estadual de Sumaré (HES). Na noite anterior, ele havia recebido um email da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. A mensagem não deixava dúvidas. Com a pandemia causada pelo coronavírus já oficializada pela OMS desde o dia 11 de março, e os casos aumentando no Brasil, o plano de enfrentamento feito pelo hospital, que estava pronto, precisava entrar em ação imediatamente.
“Naquela manhã nos reunimos todos no hospital e em um intervalo de dez horas criamos 24 leitos para Covid. Foi um desafio enorme, mas aquilo era preciso porque quando chegassem os primeiros pacientes [o que ocorreu em questão de dias] não teríamos onde colocá-los”, afirma Perroud Júnior, que também atua como pneumologista no HC da Unicamp.
De forma retrospectiva, o Hospital Estadual de Sumaré, que é do Governo de São Paulo mas administrado pela Unicamp com profissionais todos contratados em regime de CLT, sempre esteve, até sem saber, se preparando para eventos de grande porte como a pandemia deflagrada em março. O que sempre fez da instituição, que está completando 20 anos neste mês, uma referência na região. Além de Sumaré, o hospital atende mais cinco municípios (as microrregiões de Americana, Hortolândia, Monte Mor, Nova Odessa e Santa Bárbara D’Oeste) e uma população total estimada em mais de 1 milhão de pessoas. “Uma coisa que sempre nos ajudou muito foram os vários treinamentos que fizemos ao longo dos anos para a obtenção das acreditações que nós conseguimos nestes 20 anos. Vamos completar duas décadas agora, neste dia 21 de setembro”, diz o diretor.
O Hospital Estadual Sumaré Dr. Leandro Franceschini, logo nos primeiros dois anos de vida, conseguiu obter a acreditação hospitalar nível 3, tornando-se o primeiro hospital público do país a atingir essa marca. Este é o nível máximo de acreditação hospitalar e indica que o local oferece um tratamento de excelência para os pacientes. “Em 2012, também conseguimos a acreditação internacional canadense CCHSA”, diz o diretor da instituição.
Segundo Perroud Júnior, toda essa memória de buscar sempre a excelência fez com que o hospital juntasse forças para combater com segurança o coronavírus. “É um hospital que sempre buscou aprender, que gera conhecimento, e tem muita experiência guardada.”
Aventais a toque de caixa
Por mais que o plano de enfrentamento estivesse pronto e fosse considerado exemplar pela Secretaria de Saúde que até pediu que ele fosse compartilhado com outras instituições estaduais, os desafios de enfrentar uma pandemia são muitos. Além dos leitos, ainda em março, as enfermarias também tiveram que ser remodeladas. Com as mudanças, mais 34 leitos foram reservados para os doentes da Covid-19. O pico da doença acabou sendo atingido em julho em Sumaré. Dos 399 casos de síndrome respiratória aguda atendidos no hospital durante a pandemia, 167 foram confirmados com a doença até o dia 8 de setembro.
Além de preparar a infraestrutura necessária, relata Perroud Júnior, administrar o aumento dos custos dos remédios e dos equipamentos de proteção individual para os profissionais de saúde também foi algo complexo. “Uma das coisas que nos ajudou muito, além de aditivos orçamentários do Estado, foi a doação de uma empresa de Sumaré. Ela nos deu um tecido usado em roupas de trabalhadores da lavoura do tabaco. Ou seja, elas são impermeáveis, porque o tabaco é tóxico, e ao mesmo tempo leves, porque todos atuam expostos ao Sol.” Com o tecido, segundo o diretor, foram feitos 600 aventais para os profissionais de saúde.
A pressão era constante, relembra o pneumologista da Unicamp. Segundo ele, com os insumos usados na sedação dos pacientes sob ventilação mecânica sempre sendo muito procurados em todo o mundo, havia o risco constante de que eles ficassem indisponíveis. “Nossas equipes clínicas precisavam estar sempre revendo os protocolos caso algo ocorresse”, afirma Perroud Júnior. Nenhum profissional do hospital ficou sem equipamentos de segurança e, também, todos os pacientes receberam a medicação adequada, informa a direção do Hospital de Sumaré.
Se a gestão de insumos e remédios seguia uma lógica inusitada até para os mais experientes em gestão hospitalar, a administração dos recursos humanos também passou a ser vista como um eventual gargalo. Ainda mais porque, em um primeiro momento, os testes diagnósticos demoravam semanas para ficar prontos. Com os testes realizados dentro do Hospital de Clínicas da Unicamp, entretanto, a realidade mudou bastante. “Com isso, a demora dos resultados caiu para, no máximo, 48 horas. Não houve, em nenhum momento, quebra de escalas no nosso hospital”, afirma o diretor. De um total de 1.300 funcionários, 540 tiveram que ser afastados por duas semanas e 221 foram contaminados pelo coronavírus. O Hospital Estadual de Sumaré virou referência durante a pandemia para o tratamento de casos graves da Covid-19, o que aumenta o risco de contaminação dos profissionais de saúde.
Partos e acidentes
Mesmo com uma pandemia em curso, e por ser uma referência na região, o hospital continuou atendendo os casos graves sem relação com o vírus. Pessoas vítimas de acidentes de trânsito ou atingidas por armas brancas ou de fogo continuaram chegando à emergência. “Esse fluxo continuou. Mas mesmo com a pandemia conseguimos dar conta desse atendimento. Assim como os partos que precisaram ser realizados”, afirma Perroud Júnior. “Tudo acabou sendo uma oportunidade para aprendermos e sairmos ainda melhor”, diz o médico, que espera que em setembro o hospital já bata todas as metas de atendimento que ele precisa cumprir para os casos não ligados à Covid-19.
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