O triângulo equilátero ou o olhar obtuso

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Teresa Dib Zambon Atvars, professora titular do Instituto de Química da Unicamp.

Um triângulo equilátero é, em geometria, “aquele em que os seus três lados são iguais e que também são equiangulares”. É assim que enxergo o desenvolvimento de um Estado progressista e justo, inteligente. Um Estado em seus três vértices são equilibrados e coerentes: o do governo, o do sistema de Educação, Ciência e Tecnologia e o do desenvolvimento sustentável (no qual todos os segmentos da sociedade são parte ativa e cooperativa). Estes três elementos geram a justiça social, missão inalienável e objetivo central de qualquer sociedade. A falta ou distorção de um destes elementos ou o sub-dimensionamento de um dos vértices resulta no descumprimento da missão do Estado. O falso argumento de que o Estado ideal é o mínimo esconde a real falta compreensão dos problemas. A dimensão do Estado deve ser aquela que equilibra o triângulo, tornando-o o mais equilátero possível. A dimensão do Estado não pode ser dada para ajustar contas públicas, porque este ajuste não ocorrerá em um país sem justiça social.

Por outro lado, um triângulo obtuso é um triângulo em que a dimensão de uma ou mais das suas faces é muito maior, gerando distorções profundas no necessário equilíbrio entre os três elementos, o do governo, o do sistema de Educação, Ciência e Tecnologia e o do desenvolvimento sustentável. Daí o termo Visão Obtusa, uma visão desfocada e limitada de um problema ou conjunto de problemas. Esta visão não leva ao desenvolvimento social. É o caso dos países governados pela visão liberal radical, ideólogos do Estado mínimo, que produz concentração de renda e exacerba a injustiça social. Exemplos não faltam.

O problema maior é que visão obtusa ganha adeptos pelo país, convencidos de que o problema é o tamanho do Estado e não a ausência de um potente sistema de ciência e tecnologia, tendo como lastro a Educação, sistema este capaz de alavancar o desenvolvimento. O lado obtuso vai se consolidando como cultura do estado mínimo tendo como pano de fundo a pós-verdade e não dados objetivos. Para aqueles que acreditam nesta pós-verdade dogmática, saibam que a presença do Estado como porcentual da população é: Noruega 30%, Dinamarca 29,1%, França 21,4%, Estados Unidos 15,3%, Coreia do Sul 7,6% e Brasil 1,6%, de acordo com censo do IBGE de 2012, divulgado recentemente pelo jornal Valor Econômico. Dados da OCDE mostram que o emprego público no Brasil está muito abaixo da média, algo em torno de 18% e que a taxa de crescimento é positiva para a maioria dos países desenvolvidos (Government at a Glance 2019). Vejam que a correlação entre o tamanho do Estado, potência científica, tecnológica e educacional e o desenvolvimento sustentável é inquestionável e que o problema do desenvolvimento, portanto, não é o tamanho do Estado, mas o sub-dimensionamento das outras duas faces do triângulo. Portanto, a reforma do Estado como requisito para o desenvolvimento, do crescimento e para a justiça social é, no mínimo uma tese questionável. Visão obtusa leva ao agravamento dos problemas nacionais, não às suas soluções.

Assim, da mesma forma que o dimensionamento do Estado não pode ser definido como parâmetro para descrever o Estado com justiça social, o desenvolvimento sustentável não é gerado por uma única condicionante e nem tampouco por um único agente (a reforma administrativa do Estado). O que os dados mostram é que países que conseguiram a condição de razoável bem-estar social e um nível aceitável de desenvolvimento sustentável, detêm um potente sistema educacional e de ciência e tecnologia. Portanto, a visão obtusa que parte do pressuposto equivocado da necessidade do Estado mínimo com destruição do sistema de Ciência e Tecnologia, não levará a um Estado com desenvolvimento social. Esta visão obtusa ignora exemplos e olha cifrões. Olha o posto ipiranga como a solução e não observa que na propaganda marqueteira o motorista passa pelo caboclo sentado, no meio do nada, tendo como pano de fundo o casebre pobre. O Brasil é assim, o país do caboclo pobre à margem da estrada do pseudo-desenvolvimento.

Este modelo de gestão pública tem um padrão: corte seletivo no orçamento com redistribuição à setores associados aos interesses dos governantes e de grupos corporativos. Foi assim na reforma da previdência, corte nos benefícios da maioria da população e preservação de segmentos específicos de aliados ao poder central. Está sendo assim na chamada reforma administrativa, com redução drástica de recursos para alguns setores, com preservação/ampliação de outros, sempre ligados aos interesses de corporações que sustentam o poder central. Não é diferente quando o assunto é cortes no sistema Educacional e de Ciência e Tecnologia. Ele é seletivo, corta no sistema nacional para premiar prioridades duvidosas nas áreas ligadas ao poder, não há um claro projeto de justiça social. E neste contexto o interesse obtuso da pauta eleitoreira predomina sobre os interesses nacionais.

Podemos contextualizar o assunto também olhando o que se passa no Estado de São Paulo, no qual o governo compactua cada vez mais explicitamente o modelo do liberalismo radical. São Paulo construiu ao longo de 70 anos o mais robusto sistema de Educação Superior e de Ciência e Tecnologia do Brasil. Visionários do passado compreenderam que o desenvolvimento do Estado dependia deste sistema. Deu resultado: São Paulo é um dos principais motores do desenvolvimento do país, como orgulhosamente governantes se referem, ou por convicção ou por oportunismo, difícil saber.

A recente ação do governo estadual de submeter à ALESP, o PL 529 é uma iniciativa que segundo o governo busca uma reforma administrativa para dar eficiência ao Estado com redução de despesas. Não se refere às mudanças para priorizar o desenvolvimento nem a justiça social. Embutida na proposta há dois “jabutis”, denominação cristalizada no domínio da política brasileira quando assuntos alheios ao projeto, não relacionados ao tema, se incrustam, oportunisticamente, na proposta para passar obscuramente pelos olhos da população.

Cito os casos específicos do confisco dos recursos das universidades públicas paulistas e da Fapesp. Envergonhado pela ação objetiva de cortar recursos na Educação e na Ciência, Tecnologia e Inovação como o faz o governo federal, mas seguindo a mesma visão obtusa, o governo traveste os jabutis de “reforma administrativa”. Entretanto, a proposta tem objetivo claro: criar um subterfúgio para emular o governo federal e cortar recursos de C&T. Visa desvincular despesas, sem a coragem de apresentar, explicitamente, um projeto de lei (no caso do confisco das universidades agredindo a autonomia universitária) e de projeto de reforma constitucional (no caso do confisco dos recursos da Fapesp). E, na forma como está postulado o parecer a ser discutido e votado, quer legitimar os atos acrescentando que “as medidas dispensam a aprovação dos respectivos conselhos superiores”, atuando decisivamente contra a autonomia universitária. Um projeto de Lei que explicita esta diretriz fere de morte a autonomia universitária e abre precedentes para intervenções outras das mais variadas formas. Ignora que foi a autonomia que alavancou o mais importante e qualificado sistema universitário e de Ciência e Tecnologia da América Latina.

Desta maneira o PL 529, no que diz respeito aos assuntos das universidades, coloca a ALESP em numa situação inusitada: aprovada a proposta a ALESP vai produzir a mais profunda crise da história do desenvolvimento científico e tecnológico do Estado desde os idos de 1989 quando a autonomia financeira e orçamentária foi estabelecida por Decreto, pelo então governador Orestes Quércia. A visão obtusa criou o impasse para o qual não haverá vencedores. A saída, neste caso, requer humildade dos governantes para retirar os “jabutis” do projeto e abrir um diálogo consequente com universidades e Fapesp, visando não a reforma administrativa pois não é disto que se trata, mas como se pode tornar o triângulo cada vez mais equilátero com vistas ao desenvolvimento social do Estado de São Paulo. Frente a este impasse, as universidades querem o diálogo, mas não abrem mão da autonomia universitária. A escolha do caminho mostrará a diferença entre governos com visões visionárias e governos com visão obtusa. Tudo é uma questão de escolhas.

Este texto é de exclusiva responsabilidade da autora e não expressa necessariamente a opinião institucional da Universidade.

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Laboratório CPQBA - Unicamp | Foto: Antonio Scarpinetti

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