Foi aprovada pelo Conselho Universitário (Consu) da Unicamp a Política Institucional de Boas Práticas e Integridade de Pesquisa. A medida tem o objetivo de promover a integridade ética das pesquisas feitas na Universidade por meio de ações educativas e pela definição de critérios técnicos para averiguação e julgamento de casos que não estiverem de acordo com os princípios éticos estabelecidos. A deliberação prevê também a criação da Comissão de Integridade em Pesquisa (CIP), que será responsável pelo recebimento de denúncias e procedimentos de apuração do ponto de vista estritamente técnico. A CIP também terá o papel de incentivar a cultura da integridade ética por meio de campanhas de conscientização e elaboração de materiais voltados aos pesquisadores da Universidade.
A adoção da política surge em um período de crescimento da visibilidade pública de pesquisas científicas, sobretudo as voltadas para o combate à pandemia do coronavírus. Em junho deste ano, o caso de um artigo com indícios de más condutas científicas publicado pela revista Lancet e depois retratado pelo periódico chamou a atenção para a necessidade as universidades e institutos de pesquisa tornarem claros seus mecanismos internos de controle desses problemas. Segundo Munir Skaf, Pró-Reitor de Pesquisa da Unicamp, a ciência é uma atividade humana que desperta nos pesquisadores a vontade de superar resultados já conquistados por outros estudos. A ciência é uma atividade global que envolve, ao mesmo tempo, competição e cooperação. Por isso, é necessário o desenvolvimento de uma cultura de pesquisa baseada em princípios éticos em todas as esferas do ambiente científico.
"Isso é fruto de um movimento que teve início na Europa e nos Estados Unidos há algumas décadas e que hoje permeiam o mundo todo. Toda a questão gira em torno da ideia de que as universidades, que utilizam dinheiro público, devem se esforçar para conduzir suas atividades de pesquisa de uma forma mais aberta e responsável. Não significa que as demais pesquisas são irresponsáveis, mas como são investidos recursos públicos, acredita-se que seria muito bom, como prática de 'compliance', a instituição de políticas que norteiem as pesquisas em termos éticos e de integridade", avalia o pró-reitor.
A política define conceitos e medidas relacionadas a boas práticas de pesquisa em três dimensões: as relações acadêmicas de produção de pesquisa, com referência aos ambientes laboratoriais e interações entre pesquisadores onde a ciência é produzida; os procedimentos teóricos, metodológicos e técnicos de pesquisa e sua publicização, pensados em relação ao cuidado necessário com dados e à prevenção de potenciais problemas; e as relações entre as esferas acadêmica e pública de produção de pesquisas, indo além das instâncias próprias da Universidade. Dentro das três dimensões, são apontadas formas de combater problemas típicos, como o plágio, a fabricação ou a falsificação de dados, até questões que envolvam as relações entre pesquisadores, como situações que vão desde conflitos de interesse até casos de assédio.
Munir pontua que, nesse aspecto, a política instituída pela Unicamp foi pensada justamente para contemplar todo o ecossistema de produção científica e ir além de apenas receber e apurar denúncias de más condutas. "Nós criamos uma política mais abrangente, muito bem estruturada, e dentro dessa política de boas práticas e integridade, também instituímos a política de gestão de dados e da produção intelectual", comenta.
"É uma maneira de tornar a ciência mais confiável"
Além da política de integridade e boas práticas, foi aprovada também a Política Institucional de Acesso Aberto à Produção Intelectual e Científica da Unicamp. Ela prevê ações que facilitam o acesso a artigos, teses, dissertações, monografias e outros tipos de pesquisas publicadas, de forma gratuita, por meio do Repositório da Produção Científica e Intelectual da Unicamp, ferramenta digital já em uso pela Universidade. Nele, as publicações são disponibilizadas na íntegra, ou em versão possibilitada pelos copyrights de periódicos, a qualquer usuário. "Isso torna nossa produção mais visível, você não precisa comprar a assinatura de uma revista para ler um trabalho produzido com recursos públicos. Isso é feito no mundo inteiro, pelo National Institutes of Health, dos Estados Unidos, pela União Europeia, pela Austrália e por vários outros locais", esclarece Munir Skaf.
A inovação trazida com a política de acesso aberto é a inclusão dos dados brutos de pesquisa nas informações que passam a ser disponibilizadas ao público. Usuários que desejarem poderão consultar software, dados digitais, gravações de áudio e vídeo, questionários, imagens, planilhas e outros insumos levantados para a realização de pesquisas por meio do Repositório de Dados de Pesquisa (REDU), plataforma digital também de acesso aberto.
Skaf explica que a preocupação com a gestão de dados durante a realização de pesquisas é uma demanda cada vez mais comum, exigida pelos principais periódicos científicos do mundo e pelas grandes agências de fomento. Por isso, a discussão sobre isso em São Paulo ocorreu por meio de um Grupo de Trabalho da Fapesp, coordenado pela professora Claudia Bauzer Medeiros, do Instituto de Computação (IC) da Unicamp, com a finalidade de se criar um repositório onde os dados pudessem ser armazenados e facilmente encontrados.
Os sistemas desenvolvidos nas universidades dialogam com um buscador desenvolvido pela Universidade de São Paulo (USP), o que facilita o intercâmbio de informações de pesquisa entre as instituições. Na Unicamp, o desenvolvimento e implementação do REDU está a cargo do professor Benilton de Sá Carvalho, do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (IMECC). Com o sistema, os pesquisadores contarão com um recurso que facilita a geração dos planos de gestão de dados de pesquisa exigidos para publicações, além de armazenarem os dados em nuvem.
De acordo com o Pró-Reitor de Pesquisa, além de dar mais transparência aos processos de produção de pesquisa e facilitar na averiguação de possíveis problemas, a disponibilização dos dados também aumenta a visibilidade conquistada pelos estudos feitos na Universidade. "Esses dados recebem um DOI, um Digital Object Identifier. Com isso, o Google Acadêmico pode encontrar esses dados e o pesquisador passa a ter citações pelos dados. Então você não tem apenas citações pelo artigo publicado, mas também pelos dados que forem disponibilizados, o que ajuda na visibilidade da pesquisa", ressalta Skaf.
Munir pontua ainda que as duas políticas adotadas, de boas práticas e integridade em pesquisa e de acesso aberto à produção intelectual e científica, têm em si a importância de reforçar nos pesquisadores a consciência de sua responsabilidade enquanto produtores de ciência, por meio do incentivo às boas práticas e de mecanismos de apuração técnica dos problemas. Segundo ele, essa é uma mudança cultural com efeitos positivos de longo prazo na ciência produzida pela Universidade. "As pessoas precisam se tornar conscientes aos poucos, particularmente os jovens pós-graduandos, que essa é uma prática salutar. Assim como, há um tempo, foi incorporada a prática de usar cinto de segurança. Ninguém questiona a importância disso hoje", finaliza.