Os desdobramentos de um momento único na vida dos estudantes e professores de medicina em pelo menos um século estão deixando legados profundos no curso de Medicina da Unicamp. As mudanças ocorridas desde março, segundo Joana Fróes Bragança Bastos, coordenadora de Graduação em Medicina da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, vão melhorar a qualidade do curso. Para ela, uma característica positiva da pandemia, apesar da tragédia humanitária que se enfrenta, é ter despertado o engajamento dos alunos.
“A aplicação direta do conhecimento adquirido na faculdade em benefício da comunidade é uma forma relevante de vivenciar esta pandemia. Além da assistência à população, os estudantes tiveram encontros científicos semanais para ensino e atualização dos conhecimentos científicos produzidos de forma exponencial sobre a epidemiologia e o manejo clínico da doença”, afirma a coordenadora da graduação em medicina da Unicamp.
De acordo com Joana, apesar de toda a mudança na rotina da faculdade, existem comportamentos que devem ficar atrelados à vida profissional dos graduandos. “A postura pró-ativa em relação à pandemia e o pertencimento ao grupo estimulam a formação de jovens profissionais críticos, solidários e atuantes. Os alunos também demonstraram empatia e capacidade de organização para buscar formas de colaboração na assistência à saúde da população em um momento epidemiológico crítico do país”, explica a professora da Unicamp.
O uso maciço e compulsório da tecnologia e o isolamento social não impediram que os futuros médicos atuassem de forma real na crise sanitária. “Mesmo que de forma remota, os estudantes tiveram a oportunidade de praticar anamnese e raciocínio clínico, além de aprimorar habilidades de comunicação e discussão dos casos diários com os docentes da faculdade. Algumas iniciativas ainda permitiram trocas de informações sobre o enfrentamento da pandemia entre estudantes de todo o país. O trabalho voluntário de alunos e docentes no atendimento remoto da pandemia mostrou ser eficaz para colaboração na assistência e na manutenção da prática clínica dos estudantes”, afirma Joana, revelando também a importância que a pandemia teve para a transformação da vida dos próprios docentes da Unicamp.
Segundo ela, o fato de todo o material educativo usado nos cursos ter sido postado em plataformas virtuais está permitindo aos gestores da Medicina avaliar tanto a adequação quanto a integração dos conteúdos propostos. Dessas análises, segundo a docente, sairão estratégias para melhorar o ensino da graduação.
“A análise contínua de todo o material é de suma importância para verificar a adequação aos objetivos educacionais propostos. Esta mudança promoveu um olhar mais acurado dos conteúdos educacionais por parte dos gestores e professores, o que tem levado ao aprimoramento das disciplinas. Nós tivemos também uma maior integração curricular, porque objetivos não alcançados em alguma disciplina durante o período de suspensão das atividades presenciais precisaram ser acomodados em outro momento”, afirma Joana. No sentido mais macro, a pandemia teve uma contribuição decisiva para que várias reflexões acadêmicas emergissem. “As discussões se voltaram para as reais necessidades de formação do médico generalista”, diz.
Se os alunos e os professores se transformaram e o currículo e a integração entre as disciplinas também foram melhoradas, Joana não tem dúvida em afirmar que todo esse contexto já faz parte da realidade da graduação da Unicamp que já estava reavaliando o currículo mesmo antes da pandemia. “O ensino da Covid-19 está incorporado ao currículo até pela urgência de formação dos médicos para o tratamento desta nova doença. A maior pandemia dos últimos tempos é um momento único para a formação dos alunos. Eles puderam acompanhar como se faz a adequação do serviço de saúde para o atendimento, como treinar a equipe considerando as características da doença, os desafios do tratamento de uma patologia pouco conhecida e a evolução do conhecimento que ocorreu valorizando a pesquisa e a assistência.”
Vida real
Uma das mudanças importantes, ainda em relação ao dia a dia das aulas, deve ocorrer no comportamento dos alunos em relação às disciplinas onde o contato com a sociedade, seja no hospital ou na rua, tende a ser maior. “A pandemia aumentou o engajamento estudantil, a autonomia do estudante, a responsabilidade social e a reflexão sobre os campos de prática. Ou seja, os alunos têm agora um olhar de valorização dos campos práticos e buscam aproveitar de forma mais organizada e empenhada o contato que eles têm com os pacientes na parte clínica”, diz a docente.
A lista de situações que mostra essa maior atenção dos estudantes com o mundo prático tem alguns exemplos, segundo Joana. “A participação em projetos voluntários de extensão como o Telessaúde, o atendimento em tendas do Hospital de Clínicas e a colaboração na campanha de vacinação de gripe nas unidades básicas de saúde durante a pandemia são todas situações que motivaram o engajamento estudantil e promoveram o conhecimento e a assistência durante um momento novo da medicina”, segundo Joana.
Neste contexto, em conjunto com a coordenação do curso de Medicina da Unicamp, 150 alunos de medicina e de enfermagem elaboraram um programa de atendimento telefônico ao público para orientação sobre a Covid-19. Eles trabalham em três turnos diários, das 8h às 20h. “O contato remoto é realizado por acadêmicos com supervisão docente em 100% do tempo. Até o momento, o serviço realizou mais de 1.800 atendimentos predominantemente da área de Campinas e região, mas também, em menor escala, de todas as partes do país”, afirma Joana. Segundo ela, os alunos ainda decidiram colocar em ação um segundo tipo de projeto. “O Oriente Covid engloba também um programa de educação em saúde que conta, atualmente, com 14 faculdades em diferentes regiões do Brasil. Esta ação busca ser eficaz na redução da procura desnecessária por serviços de urgência e emergência porque auxilia a evitar a sobrecarga do sistema de saúde ao encaminhar o paciente, de acordo com o quadro clínico dele, ao local mais adequado.”
Na Unicamp, seguindo todos os protocolos de saúde, as aulas da medicina foram suspensas do 1o ao 4o ano no dia 13 de março. Os 5° e 6° anos continuaram em atividades de plantão até 29 de abril. O início do retorno, com as atividades práticas do 6° ano, ocorreu em 27 de julho. O 5° ano recomeçou em 8 de setembro e os 4o e 3o anos voltaram às atividades práticas nos dias 12 de setembro e 5 de outubro, respectivamente. As atividades teóricas permanecem em ensino remoto.
“As condições consideradas essenciais para o retorno foram a disponibilidade de EPIs suficientes para todos os alunos, pelo menos 50% dos campos de práticas necessários para a formação do médico generalista em funcionamento e recursos humanos disponíveis para a supervisão das atividades de ensino em 100% do tempo”, afirma Joana Bastos, coordenadora do curso de graduação da medicina da Unicamp e professora da área de oncologia ginecológica da Unicamp.