Quando o jovem paulistano Rogério Rosenfeld era calouro no Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW) da Unicamp, no final da década de 1970, começou a amadurecer a ideia de direcionar sua carreira acadêmica para a física teórica de partículas elementares. A efervescência das discussões científicas do ambiente daquela nova universidade era contagiante, entre elas as aulas ao ar livre do renomado físico Cesar Lattes, que naquele momento questionava, equivocadamente, a teoria da relatividade restrita de Albert Einstein. Apesar da afinidade com o Departamento de Raios Cósmicos, Rosenfeld sentiu falta de professores com linhas de pesquisa mais próximas de sua área de interesse, levando-o a trocar o curso em Campinas pelo Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP).
Quarenta anos depois, com uma carreira reconhecida e consolidada na cosmologia, Rosenfeld volta à Unicamp em novembro como convidado do Programa “Cesar Lattes” do Cientista Residente, no Instituto de Estudos Avançados (IdEA), para desenvolver atividades remotas voltadas a alunos, pesquisadores e público interessado em divulgação científica e nas descobertas sobre o funcionamento do universo.
“Estou animado e apreensivo. Não sei ainda exatamente em que nível apresentar meu curso. Vou me adaptar com a interação com os alunos. Tenho um plano de escrever um livro de divulgação sobre cosmologia e certamente essa residência científica no IdEA será importante para esse projeto. Espero poder passar também minha experiência com a pesquisa nessa área”, explica Rosenfeld, docente do Instituto de Física Teórica (IFT) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e atual presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF).
Para o físico, as aulas online, apesar de quase sempre limitarem a interatividade, vão possibilitar a participação de mais alunos de várias partes do Brasil. Além disso, ele considera que as pessoas já estão mais habituadas com as ferramentas de interação online durante a pandemia, o que facilita a comunicação no ambiente virtual. Rosenfeld cita o exemplo das palestras de popularização da ciência organizadas pela SBF, “Física ao Vivo”, que começaram antes crise sanitária do covid-19 e agora atraem milhares de pessoas em busca de conhecimento sobre a área.
Durante a temporada no IdEA, o professor da Unesp fará uma palestra de divulgação científica, em 27 de novembro, às 16h, intitulada “Do que é feito o Universo?”, discorrendo sobre como os grandes avanços no estudo do universo levaram a um modelo que descreve como ele é dominado por matéria escura e energia escura. O conteúdo será transmitido ao vivo pela página do IdEA no YouTube e ficará disponível para visualizações posteriores.
“Estudando o universo, podemos responder perguntas fundamentais, como os seus componentes. Atualmente sabemos que não sabemos do que é feito cerca de 95% do universo. Apenas cerca de 5% dele é feito de átomos, do mesmo tipo de matéria de que nós somos feitos. Sabemos que 25% é matéria escura e cerca de 70% é feito de energia escura. Mas não temos ideia do que é matéria escura ou energia escura”, destaca o novo cientista residente do IdEA, autor de dois livros de divulgação, “Feynman e Gell-Mann: Luz, quarks, ação” (Editora Odysseus, 2003) e “O cerne da matéria” (Companhia das Letras, 2013), vencedor do Prêmio Jabuti.
Mesmo com os avanços recentes e as décadas acumuladas de estudo sobre esses componentes do universo, ainda há muitas perguntas fundamentais sem respostas. Segundo Rosenfeld, as únicas evidências da existência da matéria escura decorrem da atração gravitacional detectada em observações astronômicas e cosmológicas. Atualmente há diversos experimentos em operação na Terra e no espaço procurando por sinais além dos conhecidos, explica o físico da Unesp, mas a sua detecção é muito difícil, pois a interação de partículas de matéria escura é muito pequena. “Aceleradores de partículas, como o LHC [Grande Colisor de Hádrons, na fronteira franco-suíça], podem produzir essas partículas, mas até o momento isso não foi comprovado.”
Minicurso online
A residência científica também contemplará a realização do minicurso “Cosmologia – A ciência do Universo”, com tópicos sobre estrutura, evolução e composição do universo, entre os dias 10 de novembro e 3 de dezembro. Com mais de 160 inscritos, o ciclo de quatro semanas será voltado prioritariamente a alunos de pós-graduação em física, com foco em cosmologia, contemplando também estudantes de graduação, pesquisadores e docentes, inclusive do público externo à Unicamp.
Ocupando atualmente os cargos de vice-diretor do Instituto Sul-Americano para Pesquisa Fundamental (ICTP-SAIFR) e de presidente da União de Físicos de Países de Língua Portuguesa, Rosenfeld é membro do Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia (LIneA), vice-coordenador do INCT do e-Universo e integra a equipe de pesquisadores das colaborações internacionais Rubin Observatory Legacy Survey of Space and Time (LSST) e Dark Energy Survey (DES).
O progresso tecnológico tem proporcionado grandes possibilidades para a cosmologia, ao mesmo tempo em que gera uma imensa quantidade de dados à espera de análise. O LSST, onde Rosenfeld atua, vai produzir diariamente 15 terabytes de dados de observações cosmológicas. “O grande desafio é analisar esses dados e transformá-los em catálogos de imagens com os quais se possa fazer ciência. Além disso, essa grande quantidade de dados também trouxe uma maior precisão nas medidas. Assim, o desafio está em se fazer previsões teóricas com precisão semelhante às medidas”, afirma o físico paulistano, explicando que isso tem demandado muito dos teóricos, já que é necessário levar em consideração efeitos cada vez menores e mais difíceis de serem modelados.
Rogério Rosenfeld é o terceiro cientista residente convidado do Programa “Cesar Lattes” do IdEA. Criada em 2019, a iniciativa já trouxe para a Unicamp o físico italiano Francesco Vissani, especialista em física de neutrinos, e o historiador da ciência Olival Freire Junior, que desenvolveu atividades, em outubro de 2020, nas áreas de física quântica e história da ciência no Brasil no século XX. O paranaense Cesar Lattes (1924-2005) foi um dos maiores físicos do Brasil, sendo um dos fundadores, em 1967, do Instituto de Física da Unicamp, onde se aposentou em 1986.
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