Desenvolvimento científico justo só é possível com respeito aos Direitos Humanos, opinam pesquisadores

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Discutir direitos humanos na ciência é também falar sobre as barreiras que as mulheres enfrentam nesse ambiente. Márcia Barbosa, física e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) conhece bem essa situação: há pelo menos 20 anos, ela leva esse debate adiante.

Foi ainda nos tempos da Guerra Fria que Barbosa começou a abordar entre cientistas a visão preconceituosa dominante. Numa ilustração que acompanhou um artigo da pesquisadora naquela ocasião, em preto e branco, via-se uma cientista dividindo a atenção entre microscópio, fogão, filhos. Em 2020, durante a pandemia, uma figura bastante semelhante voltou a ser impressa numa revista ilustrando a mulher cientista.

“A visão misógina é de que mulher cientista tem que cuidar da casa, dos filhos, fazer todas essas tarefas. Ainda é assim”, afirmou Barbosa comparando as duas imagens separadas por décadas. “Isso pra mim demonstra que apesar de estarmos tão preocupados com regras de direitos humanos, a nossa leitura não tem nos ajudado neste assunto de mulheres na ciência”, conclui.

Barbosa foi a palestrante que abriu o sétimo webinário da Diretoria Executiva de Direitos Humanos da Unicamp, DeDH, que debateu o tema Ciência, Tecnologia e Direitos Humanos, sob mediação de Néri de Barros Almeida, diretora da DeDH, realizado em 12/11.

Para Barbosa, fortalecer o papel das mulheres é fortalecer os direitos humanos. Evidências não faltariam de que a participação delas em todos os níveis de tomadas de decisão só traz benefício. Uma das pesquisas citadas durante a apresentação concluiu que empresas com mais diversidade na sua gestão são mais lucrativas. “Diversidade significa mais eficiência”, resumiu.

Ao refletir sobre direitos humanos e ciência, Barbosa defendeu que a interdisciplinaridade, a comunicação e a tecnologia são fundamentais para a produção de ciência a favor dos direitos humanos. “Precisamos incorporar como um direito fundamental de cada cidadão o conhecimento”, pontuou.

Num momento em que ciência e universidade estão sob ataques e que evidências científicas são vistas como inconvenientes por governos, é preciso cada vez mais buscar o apoio da sociedade, afirmou Barbosa.

Dando sequência ao debate, Ricardo Galvão, físico e ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que tem defendido a instituição e seus cientistas de ataques, acredita no poder da educação básica para aproximar ciência, tecnologia e direitos humanos.

Por outro lado, ele reconheceu que essa questão nunca foi uma preocupação nas estratégias de desenvolvimento científico até mais recentemente. O pouco acesso à ciência pela população pobre, as falhas no processo de educação de disciplinas como Física e Química ainda são alarmantes. Estima-se que o déficit de professores de Física no país seja de 70 mil, citou como exemplo.

“A comunidade científica tem que se preocupar cada vez mais com a educação, para que as crianças aprendam a admirar a ciência. Não há maneira de conscientizar a população sobre a questão dos direitos humanos sem educação”, afirmou Galvão.

Durante sua fala, ele relembrou a experiência com um aluno do ensino médio interessado em Física, da favela de Paraisópolis, que visitou, por intermédio de uma professora da escola, laboratórios da Universidade de São Paulo (USP).

“Ele tinha 14 anos e fazia perguntas que os alunos de graduação não costumavam fazer”, falou Galvão sobre o conhecimento avançado do estudante. Filho de mãe solteira, o rapaz teve que se mudar de cidade após a morte do avô e Galvão não soube se ele chegou à universidade.

“Temos situação no país de uma população altamente empobrecida, mas com muita capacidade para se destacar e mudar a nossa sociedade. Nós não teremos um desenvolvimento sustentável, equânime e socialmente justo nesse século se não nos basearmos fortemente na ciência”, defendeu, adicionando a necessidade de uma política científica que faça uma oferta justa de oportunidades à população.

Físico e reitor da Unicamp, Marcelo Knobel afirmou que há muitas questões a serem tratadas quando se consideram direitos humanos e política científica, inclusive nas universidades públicas.

As ferramentas mais modernas de comunicação - mídias sociais, transmissões online, podcasts - têm um papel importante nessa interseção entre direitos humanos e ciência, opinou Knobel. “A ciência pode, por meio da divulgação científica ter esse lugar, ser voz entre as pessoas comuns a respeito daquilo que a ciência faz ou pode fazer pelos direitos que essas pessoas têm”, complementou.

Além dos meios tradicionais, como livros, museus, parques, é preciso ir além. “Como cientistas, temos que aprender e observar de que maneira os jovens estão consumindo informações, mídias sociais, mecanismos para poder transmitir boas informações por esses meios”, detalhou.

Foi sob a gestão de Knobel que a Diretoria Executiva de Direitos Humanos foi criada na Unicamp, em 2019. “Achamos que essa iniciativa seria copiada por universidade de outros lugares, o que não aconteceu, e que é preocupante também”, comentou sobre a dificuldade que ainda existe na integração do tema à gestão das universidades.

Atualmente, a DeDH é composta por seis comissões assessoras: Observatório de Direitos Humanos (ODH), Cátedra Sérgio Vieira de Mello, Comissão Assessora de Diversidade Étnico-Racial (Cader), Comissão Assessora de Política de Combate à Discriminação baseada em Gênero e/ou Sexualidade e à Violência Sexual, Comissão Assessora de Acessibilidade e Comissão Assessora para a Inclusão Acadêmica e Participação dos Povos Indígenas (Caiapi).

“Hoje eu penso: ‘como foi possível a universidade viver todos esses anos sem ter uma diretoria para tocar, discutir e cuidar de todos esses assuntos?’”, comentou Knobel sobre os mais de 50 anos de história da Unicamp, adicionando que o tema de justiça ambiental também ganhará em breve uma comissão assessora.

Sobre o papel dos direitos humanos no desenvolvimento científico e tecnológico, Knobel comentou que é preciso mais ciência para que as escolhas certas sejam feitas. “Precisamos de mais ciência para compreender a percepção pública desses fenômenos, trabalhar e mexer com políticas públicas adequadas e, nesse caso, é preciso muita ciência na área de Direitos Humanos”, opinou.

O próximo webinário do Agenda Direitos Humanos vai abordar o tema “Tráfico de pessoas e escravisão moderna”, em 26/11. A transmissão será pelo canal da DeDH no YouTube.

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Escritor e articulista, o sociólogo foi presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais no biênio 2003-2004