Parte integrante da programação da série de webinários "Unicamp Afro - Ancestralidade do Saber", evento organizado pela Diretoria Executiva de Direitos Humanos (DeDH), por meio da Comissão Assessora de Diversidade Étnico-Racial (CADER), o longa-metragem M8-Quando a morte socorre a vida será exibido nos dias 21 e 28 de novembro, às 19 horas. Interessados em assistir devem se inscrever no endereço eletrônico. O longa é uma direção do cineasta Jeferson De e vencedor da categoria Melhor Filme de Ficção, por voto popular, do último Festival do Rio de Janeiro-RJ.
Após a exibição haverá bate-papo com a atriz Zezé Motta; Jeferson De, diretor do filme; e com Humberto Adami, da Ordem dos Advogados do Brasil (RJ). A mediação será de Noel dos Santos Carvalho, docente do Instituto de Artes (IA) da Unicamp. "M8-Quando a morte socorre a vida" será transmitido no Canal do Youtube Direitos Humanos Unicamp. O bate-papo virtual vai ao ar no Facebook da CADER e no Canal do Youtube Direitos Humanos Unicamp.
Acompanhe o teaser do evento e na sequência entrevista feita pelo professor Noel dos Santos Carvalho com o diretor do filme, Jeferson De.
Nos anos 1990 conheci o cineasta Jeferson De na Universidade de São Paulo enquanto labutava para me tornar um cientista social. Ele cursava cinema na Escola de Comunicação e Artes. Éramos poucos estudantes negros na USP naquele momento, então não estávamos dispersos e nos encontrávamos regularmente.
Nesses encontros com Jeferson, o cinema era, invariavelmente, o tema das nossas conversas e com o passar do tempo, se tornou o próprio idioma delas. Então me dei conta de que, como o personagem de Jean Cocteau em Le sang d'un poète, Jeferson encarara fixo o espelho e mergulhara fundo no sonho. Atravessou a fronteira que separa o homem comum do artista.
Pouco tempo depois vieram os primeiros filmes: Genesis 22 (1999), Distraída para a morte (2001), o premiado Carolina (2003) e Narciso Rap (2004) - devo estar esquecendo de algum outro. Faturou prêmios e obteve reconhecimento da crítica. Em 2010 estreou no longa-metragem com Bróder (2010). Em seguida vieram O amuleto (2015), Correndo atrás (2018) e séries para a televisão.
Este ano ele está lançando M-8 Quando a morte socorre a vida, um filme atualíssimo que toca em resíduos da vida brasileira que teimam em se atualizar e que teremos que superar para nos tornarmos uma sociedade democrática e civilizada. Mas, tranquilizo, não se trata de filme sobre a sociologia dos problemas brasileiros. M-8 habita o território imaginário do cinema, um espaço para o sonho, o desejo, o prazer e a esperança.
Noel Carvalho - Nos anos 1990 fizemos parte, com outros jovens cineastas, de um movimento de cinema negro, o Dogma Feijoada. Escrevi sobre o movimento após algum tempo e gostaria de saber qual a sua avaliação sobre. Você faz um balanço?
Jeferson De - Sim, faço. Em 1999 era difícil conseguir a mais básica informação sobre os realizadores negros que nos precederam. Naquele momento, estarmos juntos como grupo foi fundamental para pensar as relações entre negro e o cinema e, desde então, essa busca se tornou constante. O fato de cada um estar numa ponta do saber cinematográfico ajudou bastante para que essa troca fosse intensa. Enquanto um estava no documentário, o outro na academia, na realização de ficção e até na política cinematográfica. Em cada ponta do cinema havia um de nós. Neste sentido, deixamos de estar isolados para compartilhar aquele pequeno grupo com outros cineastas, críticos, estudiosos etc. Com o advento da internet essa reflexão se espalhou e vemos hoje diversos grupos construindo novas reflexões.
Noel Carvalho - Seu filme atual, M-8 Quando a morte socorre a vida, conta a história de um jovem negro cotista que entra para a universidade. Ela é parecida com a de muitos jovens brasileiros negros, nesse aspecto. Mas é também uma história que surpreende e nesse sentido remete aos seus outros trabalhos como Distraída para a morte (2001) e Brodér (2010), por exemplo. Fale-nos um pouco sobre a concepção do M-8.
Jeferson De - Embora seja um filme de ficção, o roteiro (inspirado no livro homônimo) é decorrência do desenvolvimento de meus trabalhos anteriores. Por exemplo, as escolhas das locações dos planos e movimentos permearam bastante a narrativa de “M-8” e era algo que eu desenvolvia menos intensamente. Agora, com este filme pude aprofundar elementos que estavam presentes em obras anteriores. Algumas situações vividas pelo Maurício (personagem principal) são baseadas em diversos relatos reais e, obviamente, modificados em razão da dramaturgia.
Noel Carvalho - Ele será projetado na Unicamp Afro em duas sessões. A Unicamp recentemente adotou o sistema de cotas étnico-raciais. O que você pode adiantar do filme para nós?
Jeferson De - É um filme sobre nós negros! Os grandes momentos não são estabelecidos na relação homem branco versus pessoa negra. O que está em jogo é nós por nós e, principalmente, como nos relacionamos com os nossos que já se foram. Neste sentido, propus muitos momentos de silêncio no decorrer da trajetória de Maurício.
Noel Carvalho - O filme disputa vaga de indicação brasileira ao Oscar. O cenário me parece promissor, o filme é bem produzido, tem atores excelentes, o ator principal, Juan Paiva, é ótimo, a trilha musical é cativante e foi muito bem dirigido. Ao mesmo tempo o tema da violência policial/racismo está na ordem do dia. Esteve no centro da decisão dos eleitores estadunidenses em mudar o destino do país, por lá. E é um problema estrutural nosso, também. Penso que o filme nos ajuda a pensar muitas questões atuais, não só no Brasil. No entanto, na conjuntura atual, tudo o que pode ajudar, atrapalha. Quais as suas expectativas quanto a indicação para concorrer ao Oscar? E quanto a carreira do filme?
Jeferson De - Minha felicidade é ter realizado M-8 e ver ele lançado nos cinemas neste de ano de resistência. Tenho consciência que é uma grande vitória. Não somente do cinema brasileiro, mas de nossa equipe negra e de todo o elenco majoritariamente preto. O filme está inscrito na Academia Brasileira de Cinema e tem as qualidades para representar o Brasil. Além disso, há algo extremamente importante nessa escolha, contamos com as maiores distribuidoras brasileiras (Paris Filmes e Downtown) e uma grande produtora (Migdal). Eles podem continuar este trabalho de marketing do filme nos Estados Unidos.
Noel Carvalho - E onde mais vocês pretendem distribuir e exibir o M-8?
Jeferson De - Em 2021, gostaria de exibir em festivais internacionais. Sobretudo nos “Black Film Festivals” e chegaremos bem rápido ao streaming aqui no Brasil.
Noel Carvalho - Quando ele entra em circuito comercial?
Jeferson De - Estreamos dia 03 de dezembro nos cinemas.
Noel Carvalho - Quais são os seus próximos projetos?
Jeferson De - Neste momento, junto com Cris Arenas, minha sócia na Buda Filmes, estamos finalizando o longa sobre Luís Gama e preparamos Narciso Rap, baseado no curta que dirigi em 2005. E para a Globo, escrevemos a série de comédia Correndo Atrás.