Foi concluída na terça-feira (15), com a produção coletiva de uma peça sonora envolvendo alunos de Brasil, Argentina e França, a residência artística da compositora, musicóloga e radioartista Andrea Cohen. Convidada do Programa “Hilda Hilst” do Artista Residente do Instituto de Estudos Avançados (IdEA), a argentina radicada em Paris promoveu uma série de atividades à distância na Unicamp entre os dias 1º e 15 de dezembro, incluindo oficina, seminário, making-of de uma performance e entrevista a especialistas.
A oficina “Criação sonora colaborativa e interativa: Intercâmbio sonoro entre Brasil-Argentina-França” marcou o encerramento do cronograma, com a participação de 20 alunos brasileiros, sete argentinos e seis franceses, que estabeleceram uma conexão virtual para comporem conjuntamente uma obra sonora com 27 minutos de duração, que em breve estará disponível na página do IdEA no YouTube.
Ao todo foram sete encontros com cerca de três horas de duração, proporcionando aos participantes a escuta dos sons que os rodeiam como uma maneira de explorar a consciência do entorno. Dois compositores, colegas de Cohen, e seus respectivos alunos, integraram a oficina: Raúl Minsburg, docente da Universidad Nacional de Tres de Febrero (Argentina), e Diego Losa, professor do Conservatório de Saint-Étienne (França).
“Acho que a tecnologia atual – além da pandemia – favorece esse tipo de projeto, mas é sempre importante ter clareza sobre os objetivos e pensar no significado da troca a partir do conteúdo, para além do lazer recreativo, para destacar o aspecto de intercâmbio multicultural, ou seja, a possibilidade de nos conhecermos melhor, de dialogar, de compartilhar, deixando de lado preconceitos e clichês”, disse Cohen em entrevista ao Portal da Unicamp.
No Brasil foram formados grupos com dois participantes, levando em consideração seu nível técnico para trabalhar com softwares de edição de som. Na França, os alunos do Conservatório de Saint-Étienne trocaram informações online com o professor Diego Losa, compositor que tem atuado com Cohen em várias produções. Na Argentina, algo semelhante foi feito com os estudantes da especialização em Arte Sonora de Raúl Minsburg. Os alunos franceses e argentinos, por serem em menor número e disporem de maior autonomia para edição e mixagem, trabalharam individualmente antes de somarem os esforços na construção coletiva.
“Cada um deles teve de depositar, na plataforma criada ad hoc pelo professor Mannis, sons que dariam conta do seu cotidiano nos respectivos locais, quer sons puramente ambientais, quer com uma componente vocal que permitisse o reconhecimento das várias línguas. Em seguida, cada um dos participantes teve que elaborar sequências com os sons depositados. Essas sequências foram utilizadas durante a troca em tempo real que ocorreu no último dia da oficina, com a presença de todos os participantes e seus coordenadores na plataforma digital”, explicou Cohen.
Processo colaborativo
Sob a coordenação do músico José Augusto Mannis, professor do Departamento de Música do Instituto de Artes (IA) da Unicamp, com a colaboração da musicista e pesquisadora Janete El Haouli, professora aposentada da Universidade Estadual de Londrina (UEL), a residência nasceu da articulação de um dos grupos transdisciplinares do IdEA, o Grupo de Estudos do Som e Processos Criativos.
Para Mannis, o processo colaborativo se desenvolveu muito bem, com um trabalho harmonioso a partir da proposta da oficina. “As diferenças de escuta, interpretação e de concepção do emprego de técnicas de tratamento sonoro enriqueceram a obra cada vez que um mesmo som voltava à narrativa, sempre com uma roupagem distinta, imerso em novos espaços e envolvido em outras situações. Isso conferiu um caráter rítmico muito peculiar à obra resultante da oficina de criação sonora. Ao final, as mensagens que recebemos dos participantes foram sempre de muito entusiasmo, destacando a riqueza da experiência que tiveram.”
Diego Losa afirmou que os estudantes se mostraram muito interessados na última fase da composição e trabalharam com uma ideia de grupos de sons de diferentes famílias, como sons longos, vozes e ambiente, para que pudessem reagir rapidamente à sequência tocada. Segundo o professor do Conservatório de Saint-Étienne, seus alunos estão muito interessados em manter contato e poder fazer coisas junto com os outros participantes do resto do mundo, assim como em usar o material gravado para estúdio e trabalho pessoal. “Esta experiência tem sido enriquecedora para todos os meus alunos, principalmente pelas demandas técnicas e artísticas. O fato de serem confrontados com obrigações de tempo e qualidade os fez crescer enormemente.”
A realização da residência artística foi desafiadora por ser completamente remota, demandando planejamento e acompanhamento técnico constante para tornar compatíveis os materiais trocados entre os artistas e entre os diversos grupos, ressaltou Mannis. Em todas as atividades, além das reuniões virtuais em uma plataforma de videoconferência, a organização ofereceu um sistema paralelo de streaming para áudio estéreo com alta definição, garantindo a escuta plena das texturas, dos espaços e dos ricos materiais sonoros do acervo que Cohen trouxe para compartilhar.
A programação contou também com o making-of da performance “Pour la Radio”, no dia 1º de dezembro, seguido, no dia 2, pelo seminário “Radioarte e criação colaborativa”, com reflexões e audições de obras radiofônicas a partir de seu livro “Les compositeurs et l’art radiophonique” (“Os compositores e a arte radiofônica”, publicado pela INA-L’Harmattan, em 2015), além de algumas de suas peças colaborativas. A quarta atividade foi uma entrevista, em 8 de dezembro, a especialistas brasileiros convidados, com espaço para perguntas do público. Esse encontro teve a participação dos artistas e produtores Adriana Ribeiro, Julio de Paula e Regina Porto.
O coordenador do IdEA, Alcir Pécora, destacou que o Instituto acertou na escolha de Andrea Cohen para o Programa “Hilda Hilst”, mesmo com as dificuldades impostas pela pandemia, e que o êxito se deu também pelo esforço de José Mannis e Janete El Haouli. “Acertamos em cheio ao trazer não apenas uma criadora de reconhecimento internacional, mas também tão radicalmente inovadora como a Andrea Cohen, que é capaz de redescobrir o rádio, inventando-o como fonte de arte”, elogiou Pécora. “O IdEA pôde trazer para a Unicamp uma artista que certamente contribuirá para avançar a nossa compreensão dos processos sonoros e o nosso aprendizado ainda incipiente de convívio com a arte dentro da Universidade – ainda mais dentro da Universidade tecnológica, que nem sempre sabe como lidar com ela.”
Radicada em Paris desde 1974, Cohen nasceu em Buenos Aires e trabalha há três décadas como autora de criações radiofônicas na France Culture, parte da emissora pública Radio France. Ela é doutora pela Universidade de Paris-Sorbonne e tem se dedicado à pesquisa acadêmica, com foco nos estudos sobre o desenvolvimento da arte acústica na França. Entre artigos e livros sobre aspectos diversos da arte radiofônica e tópicos musicológicos, publicou “Manuel de pédagogie musicale” (Minerve, 2020), que trata das perspectivas pedagógicas da arte sonora, música mista e teatro musical.
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Assista ao vídeo produzido pelo IdEA: