Moção da Congregação do Instituto de Química da Unicamp, reunida em sua 1ª Sessão Extraordinária de 2021, em repúdio às informações veiculadas em redes sociais, através de áudio atribuído ao Prof. Dr. Marcos Nogueira Eberlin, a respeito das vacinas conta a Covid- 19.
Há alguns dias tem circulado pelas redes sociais e grupos de mensagens uma gravação onde o autor se identifica como Marcos Nogueira Eberlin, que foi docente do IQ-Unicamp por 35 anos, tendo se aposentado em 2018. Essa não é, infelizmente, a primeira vez que o Dr. Eberlin se manifesta sobre o assunto da pandemia causada pelo vírus SARS-CoV2, pois tem endossado publicamente o uso de compostos comprovadamente ineficazes no tratamento precoce e preventivo dessa infecção, como a cloroquina e a hidroxicloroquina. Infortunadamente, na referida gravação, o Dr. Eberlin discorre sobre diversas vacinas contra o vírus SARS-CoV2 disponíveis ou em fase de desenvolvimento, além de tecer comentários sobre a necessidade ou não de vacinação em alguns grupos etários.
O absurdo e despropósito das afirmações ali contidas causaram na comunidade científica reações que foram do espanto à revolta. Dentre elas, encontram-se recomendações para que a população não utilize vacinas baseadas no chamado “vetor viral não replicante” (AstraZeneca/Oxford e Sputnik V), por suposta possibilidade de modificação do DNA do imunizado. Já a vacina CoronaVac, feita a partir do vírus inativado, teria como consequência “o risco de ser infectado pelo vírus e desenvolver a Covid-19”.
Ambas as plataformas para fabricação dessas vacinas já são largamente utilizadas em inúmeras outras vacinas (Sabin, usada na prevenção da poliomielite; tríplice viral – contra rubéola, caxumba e sarampo; contra várias cepas de influenza; BCG; antitetânica; etc.) e que constam, há décadas, do calendário de imunizações do Ministério da Saúde. Basta lembrar que a aplicação da vacina Sabin praticamente erradicou a poliomielite do Brasil. Ele, ainda, recomenda o produto da Pfizer-BioNTech, ilustrando sua exposição com afirmações insólitas e espantosas sobre uma suposta degradação da fita de RNA que limitaria o tempo de ação no organismo. Finalmente, ele ainda aconselha os ouvintes que não se vacinem crianças e jovens, sendo que, para idosos – por “já estarem no final do seu ciclo de vida e não terem mais filhos” – o “risco” seria aceitável (não sem encerrar sua preleção associando discordância das afirmações feitas a supostas preferências políticas).
Nenhuma das informações acima transcritas, contidas nesse áudio, tem suporte em qualquer base científica séria. Como qualquer estudante de bioquímica sabe, ou deveria saber, não existe possibilidade de uma vacina “editar o DNA de uma pessoa” e causar anomalias genéticas. Também se desconhecem casos onde o uso de vacinas produzidas por vírus atenuados tenha causado a própria doença que irá prevenir – ou qualquer outra virose. Os sintomas, se aparecem, são extremamente leves. A recomendação de abstenção da vacinação de jovens e crianças é particularmente perigosa, pois somente autoridades sanitárias, infectologistas, epidemiologistas e especialistas em imunização, da Organização Mundial da Saúde (OMS), da Organização Pan- Americana da Saúde (OPAS) e de várias agências regulatórias como a americana FDA, a Europeia, a do Reino Unido e a própria ANVISA tem capacidade técnica, baseada em dados científicos, para definir os grupos que devem ser vacinados. Em instante algum o Dr. Eberlin cita fontes científicas aceitas ou minimamente sérias para embasar suas afirmações.
Esse conjunto de desinformações e inverdades da mensagem resulta em um coquetel cujos efeitos sobre os ouvintes leigos, a quem ela parece se destinar, podem ser catastróficos e potencialmente letais. A eficiência e segurança de vacinas é assegurada por avaliações extremamente rigorosas feitas em várias etapas e monitoradas – no caso destas vacinas – por agências e órgãos reguladores como as citadas Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) no Brasil, a Food and Drug Administration (FDA) dos EUA, a European Medicines Agency (EMA) e a do Reino Unido (Medicines and Healthcare Products Regulatory Agency-MHRA) e endossadas pela OMS.
No momento atual, o uso das vacinas constitui na única maneira de tentar frear a transmissão do vírus causador da Covid-19, para que a vida possa voltar paulatinamente ao antigo normal, com retomada das atividades presenciais e econômicas, reduzindo enormemente a pesada sobrecarga física, emocional e financeira sobre o sistema, profissionais de saúde, familiares dos acometidos pela Covid-19, a angustiada população e, principalmente, no inaceitável número de óbitos. As declarações do Dr. Eberlin, irresponsáveis sob o ponto de vista sanitário – plantando, no público leigo, dúvidas, incertezas e inverdades baseadas em pressupostos completamente sem fundamento técnico e/ou científico, tem potencial de causar danos irreparáveis à saúde, à vida e ao bem-estar desse público, induzindo a população a evitar a vacinação.
Ainda que o Dr. Eberlin não tenha mais vínculos formais com o IQ-Unicamp, sua afiliação e histórico de atuação no Instituto de Química fazem com que seu nome seja associado pela comunidade acadêmica, e pelo público, com esta Casa. Em sendo assim, esta Congregação se sente no dever de vir a público repudiar veementemente a produção e divulgação desse áudio e lamentar que essa mensagem, eivada de afirmações infundadas e de colocações eticamente e moralmente reprováveis, tenha sido produzida.
Finalmente reafirmamos nosso compromisso com a Ciência, rejeitando o negacionismo científico e a prática deliberada da produção e disponibilização de desinformação e de notícias falsas.
Instituto de Química, UNICAMP Campinas, 10 de fevereiro de 2021.