Carta em repúdio à PEC 186/2019

As Diretoras e os Diretores de Institutos, Faculdades, Colégios, Centros, Núcleos e do Hemocentro da UNICAMP vêm a público manifestar seu veemente repúdio à PEC 186/2019, cujo Relatório Preliminar, de autoria do Senador Márcio Bittar (MDB-PA), foi divulgado no último dia 22. Com o objetivo de, por um lado, impor um teto de gastos e equilibrar as contas públicas e, por outro lado, viabilizar nova edição do Auxílio Emergencial, a referida PEC propõe extinguir despesas obrigatórias dos governos federal, estaduais e municipais com saúde e educação, asseguradas pela Constituição. Além isso, aproveita para impor severas restrições ao funcionalismo público em todos os níveis e entes federados.

No caso da educação, o Artigo 212 da Constituição prevê que a União aplique, no mínimo, 18% da receita resultante de impostos, e estados e municípios 25%. Esses percentuais refletem o mínimo necessário para o funcionamento dos sistemas de ensino do país, do qual se beneficiam, sobretudo, as camadas desfavorecidas da sociedade brasileira que dependem das escolas públicas para sua formação cidadã e profissional. 

Vale lembrar que parte desses recursos também compõem o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do Magistério (FUNDEB), tornado permanente pela emenda Constitucional 108/2020 e que, com a PEC 186, será seriamente comprometido.

Sabemos bem que direito à saúde e à educação ainda estão longe de ser uma realidade para toda a população. Reduzir os investimentos nessas áreas, a pretexto de equilibrar contas públicas, não apenas agravará as desigualdades educacionais e sociais como também retardará ainda mais o desenvolvimento econômico do país. 

Com efeito, o Brasil ainda apresenta resultados alarmantes no campo educacional, atestados por diversos indicadores. Segundo o IBGE, em 2019, a taxa de analfabetismo de pessoas de 15 anos ou mais era de 6,6%, cerca de 11 milhões de analfabetos. Entre pessoas pretas e pardas chegava a 8,9%, mais que o dobro do índice observado entre pessoas brancas (3,6%). Na faixa acima de 25 anos, menos da metade, cerca de 48,8%, concluíam a educação básica obrigatória. De acordo com o PISA 2018, 43% dos brasileiros não atingiram o nível mínimo de proficiência em leitura, matemática e ciências. Dos 78 países avaliados, o Brasil ocupa entre o 55º e o 59º lugar em leitura, entre o 69º e o 72º em matemática e entre o 64º e o 67º em ciências.

Acrescentem-se a esses dados: a degradação das condições de trabalho nas escolas; as jornadas de trabalho prolongadas e o achatamento salarial dos professores; o elevado número de estudantes por salas; os altos índices de evasão; as dificuldades de aprendizagem resultantes das condições precárias de moradia, transporte, alimentação e suporte pedagógico em casa; entre vários outros fatores que dificultam o aproveitamento escolar, principalmente para os mais pobres. 

É nesse contexto que surge uma emenda à Constituição Federal que desobriga o Estado de investimentos em educação e saúde.

Como se isso não bastasse como atentado à educação e à saúde públicas, a PEC 186 atinge diretamente o servidor público. É uma reforma administrativa silenciosa, oculta, que se pretende impor aos três níveis de governo. Em linhas gerais, os Artigos 167-A e 167-B propõem uma extensão constitucional da atual Lei Complementar 173, impedindo o curso normal das carreiras do funcionalismo, restringindo progressões e promoções, contratações, concursos, dentre outras medidas; ainda pior, permitindo a redução de jornada e de salário do servidor. Um atentado às carreiras do funcionalismo.

Solicitamos, portanto, os Senhores Senadores comprometidos com a defesa dos direitos sociais, que rejeitem a PEC 186 e, ao mesmo tempo, juntem-se aos setores progressistas da sociedade brasileira na luta por mais verbas para a educação, reconhecendo que este é o melhor caminho para a construção de uma sociedade democrática, soberana e socialmente justa. 

 

Campinas 25 de fevereiro de 2021

 

CARTA ASSINADA POR DIRETORAS E DIRETORES DE UNIDADES DE ENSINO E PESQUISA, ÓRGAOS, CENTROS E NÚCLEOS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Imagem de capa
PEC 186/2019

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Escritor e articulista, o sociólogo foi presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais no biênio 2003-2004