Colapso na saúde não pode ser banalizado

Colapso na saúde não pode ser banalizado

Completam-se 12 meses do primeiro caso de COVID-19 diagnosticado oficialmente no Brasil. Contabilizam-se, desde então, mais de 10 milhões de casos e 250 mil mortes, incluindo o país na mórbida e triste lista daqueles com maior número de óbitos e quantidade de infectados em números absolutos. Um ano depois de confirmar o primeiro caso de infecção pelo novo coronavírus, o Brasil passa, desde o final de 2020, pela pior fase da doença, com média móvel superior a mil óbitos ao dia, caminhando na direção contrária ao resto do mundo, cujas curvas de contágio estão em queda. O país enfrenta um cenário de colapso de hospitais e executa um plano de imunização que só conseguiu vacinar 3,5% da população até a data de hoje, tendo a maioria recebido apenas a primeira dose.

Neste insólito contexto, o Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), referência terciária regional, passou a incumbir-se desde o início da pandemia do diagnóstico e tratamento para COVID-19 e se inseriu ativamente no sistema estadual de regulação. Entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021, a ocupação média dos leitos de enfermaria exclusivos para COVID-19 permaneceu em 80%. Entretanto, a partir da primeira semana de fevereiro, os leitos de enfermaria permaneceram integralmente ocupados, atingindo-se a marca dos 100% dos leitos. Ao mesmo tempo, os leitos destinados à UTI COVID-19 têm mantido ocupação média de 85%, atingindo a marca de 95% na última semana. Ressalte-se que desde 22 de fevereiro foram abertos 10 novos leitos de UTI especificamente para COVID-19, totalizando 30 leitos exclusivos para atendimento de pacientes graves em insuficiência respiratória e instabilidade hemodinâmica.

É fundamental reiterar que o HC da Unicamp atende às demandas regionais do Estado. Assim, nas últimas semanas, dos leitos (UTI e enfermaria) direcionados ao tratamento de pacientes COVID-19, 45% apresentam ocupação de munícipes de Campinas e 47% de moradores de todos os outros 42 municípios que compõem a DRS-7. Quando estratificados por tipo de unidade de atendimento, 59% dos ocupantes das UTI COVID-19 adultos são procedentes de Campinas e 35% de outros municípios da DRS-7, enquanto dos leitos de enfermaria, 43% e 51%, respectivamente, são ocupados por pacientes de Campinas e advindos de outros municípios da região. Deve-se enfatizar que, por se tratar de hospital terciário, cujas atribuições se estendem a situações de maior gravidade (urgência e emergência, atendimento de pacientes oncológicos, cirurgias complexas e transplante de órgãos sólidos) em que a única possibilidade de atendimento à população é o Hospital de Clínicas da Unicamp, os demais 27 leitos de UTI não-COVID têm apresentado ocupação constante em 100%.

De maneira similar, desde Janeiro de 2020, o Hospital da Mulher (CAISM) tem se preparado para enfrentar a COVID-19. Novas rotinas foram implantadas para adequar o atendimento de mulheres e bebês à nova realidade, estabelecendo-se fluxos e áreas de enfermaria e tratamento intensivo específicos  para o atendimento das pacientes sintomáticas suspeitas, de modo a garantir segurança e acesso rápido ao acolhimento e diagnóstico. Inúmeros partos de pacientes infectadas estão sendo realizados com segurança da parturiente, neonato e de familiares. Permanece inalterado o atendimento a mulheres com COVID-19 em tratamento para câncer ginecológico. Isso é feito sem deixar de atender, com qualidade e cuidado, pacientes não infectadas com morbidade oncológica, ginecológica, obstétrica e necessitando de assistência neonatal, sempre com o foco na segurança de usuários e trabalhadores.

Seguindo a mesma diretriz, o Centro de Diagnóstico do Aparelho Digestivo (Gastrocentro) manteve ativamente os exames endoscópicos, tomando todas as precauções preconizadas pela Organização Mundial de Endoscopia (WEO). Estas recomendações permitiram otimizar e tornar seguras a prática endoscópica para médicos e pacientes. Ao mesmo tempo, o Centro de Hematologia e Hemoterapia (Hemocentro) adaptou sua estrutura para continuar recebendo com máxima segurança os doadores voluntários, garantindo um estoque seguro de sangue para o HC, CAISM e para mais de 40 hospitais da região. Outra importante medida foi o direcionamento do plasma produzido na Unicamp para Manaus e, mais recentemente, para Araraquara, como contribuição para amenizar as situações críticas vividas nestas regiões.

Em adição às unidades assistenciais da área da saúde no campus de Barão Geraldo, a Universidade gerencia hospitais regionais e AMES. O Hospital Estadual Sumaré (HES) e o Hospital Regional de Piracicaba (HRP), desde março de 2020, integram a lista de hospitais referência para COVID-19, contribuindo, respectivamente, o HES e o HRP, com 24 leitos de UTI e 34 de enfermaria, além de 40 leitos para atendimento intensivo e 22 leitos destinados a pacientes COVID-19 em enfermaria clínica, especificamente destinados a esta finalidade. Para isso, houve readequação física e implantação de protocolos seguindo a recomendação do Ministério da Saúde. Esses leitos foram mantidos ativos até setembro de 2020. A partir de janeiro de 2021, o HES propôs à Secretaria do Estado da Saúde (SES) a abertura de novos leitos de UTI e enfermaria, estando esta proposta em análise.

Deve ser ressaltado que metas contratuais dos Ambulatórios Médicos de Especialidades (AME) com a SES foram mantidas durante a pandemia, estabelecendo novos fluxos de pacientes e os cuidados sanitários necessários à proteção de pacientes e trabalhadores.

A Unicamp, de fato, começou a acompanhar as primeiras evidências científicas em relação à COVID-19 e seu agente causador meses antes do registro do primeiro caso da doença chegar ao país. Este acompanhamento precoce possibilitou a elaboração de um plano de ação baseado nas diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS), com ênfase na divulgação de informações e orientações preventivas. Permitiu também a organização antecipada do Centro de Saúde da Comunidade (Cecom) para o atendimento de casos suspeitos de alunos, docentes e funcionários da Universidade, com importante papel na coleta de amostras para testagem e na rígida vigilância epidemiológica dos casos registrados.

Em 12 de março de 2020, tão logo foi declarada a pandemia da COVID-19 pelo Diretor-Geral da Organização Mundial de Saúde, a Universidade diligentemente adiantou-se em relação ao Governo do Estado e às demais universidades públicas brasileiras, anunciando a suspensão de parte das atividades presenciais e instituindo grupos de trabalho para definir plano de contingência. Estas medidas foram prorrogadas posteriormente por tempo indeterminado, tendo em vista a necessidade de manter isolamento e distanciamento sociais em função do agravamento da crise sanitária da COVID-19.

Não obstante, a falta de controle da transmissão do novo coronavírus no Brasil propiciou o aparecimento de variantes, aparentemente mais transmissíveis e com manifestações mais graves, atingindo estratos etários mais jovens. As mutações no vírus são comuns e esperadas, principalmente quando o controle da transmissão é inadequado. Com recursos escassos para implantar vigilância genômica, capaz de identificar o aparecimento de novas variantes, o país não consegue controlar a circulação de mutações. Estas podem, inclusive, colocar em risco a vacinação, pois muitos imunizantes têm se mostrado menos eficazes quando testados com as novas cepas do novo coronavírus.

Estabelecida esta grave situação, a capacidade de proteger o seu povo, obrigação inerente à função de administradores federais, estaduais e municipais, torna-se fundamental. Não se eximindo de suas responsabilidades e atribuições no âmbito de seus territórios, esta obrigação funcional confere aos governantes competência para a adoção ou manutenção de medidas restritivas durante a pandemia da COVID-19, tais como a imposição de distanciamento social, a suspensão de atividades de ensino presenciais, as restrições de comércio, atividades culturais e circulação de pessoas, e os lockdowns, entre outras. Isto foi assegurado pelo Supremo Tribunal Federal. Mas não tem sido isso o que se vê. Omissão, insegurança, negacionismo científico, descompromisso com a verdade e uso político de uma situação tão grave não devem ser entendidos como normais.

A vacina e o aumento do número de leitos intensivos são importantes e necessários. No entanto, não são estas medidas que vão mudar, no curto prazo, o aumento explosivo de número de casos e de mortalidade observado atualmente, bem como a história natural desta doença. Há necessidade de completar a vacinação de milhões de brasileiros, principalmente os mais vulneráveis, e isso leva tempo. Portanto, é necessário que as autoridades assumam suas responsabilidades e trabalhem de forma organizada e integrada, com a recomendação de medidas urgentes e indispensáveis, tais como o uso de máscara, distanciamento social, diminuição de atividades que causam aglomeração e restrição de movimentação. Infelizmente são as únicas e efetivas medidas que nos restam neste momento.

Enquanto instituição pública comprometida com o ensino, pesquisa, extensão e assistência, a Unicamp considera que o grave momento pelo qual passa o país, em que milhares de vidas são perdidas por falta de um plano nacional integrado de combate à pandemia, não pode ser banalizado. A apatia voluntária é tão virulenta quanto o negacionismo de ocasião. Ambos narcotizam a sociedade e causam mortes que poderiam ser evitadas.  Diante desse cenário, e em respeito às milhares de famílias enlutadas, a Unicamp reitera o seu compromisso de colaborar com as autoridades e com a sociedade na superação dessa etapa dramática de nossa história, em defesa da vida e do bem-estar social.

 

Reitoria da Unicamp
Campinas, 03 de março de 2021.

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Escritor e articulista, o sociólogo foi presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais no biênio 2003-2004