O livro Planejamento e gestão estratégica no setor público, lançamento da Editora da Unicamp, apresenta textos que abordam conceitos e estratégias de gestão e planejamento aplicadas à Unicamp ao longo da atual gestão.
Com o objetivo de analisar essas iniciativas e expor os resultados dessas práticas, o livro faz um balanço de temas caros à gestão pública, especialmente a universitária, como eficiência, autonomia e desburocratização. Apresentando para o leitor estratégias e abordagens atuais, como design thinking, nudging e filosofia lean, a obra também entrega exemplos práticos e bem sucedidos da aplicação desses conceitos, uma vez que todos foram experimentados na Universidade de Campinas e são detalhados ao longo dos 11 textos que a compõem.
Convidamos as organizadoras, Milena Pavan Serafim e Teresa Dib Zambon Atvars, assessora da coordenadora geral da Universidade e coordenadora geral da Universidade, respectivamente, para falar um pouco sobre o livro:
Editora da Unicamp: O que motivou o desenvolvimento desse livro? E como foi a empreitada de organizar tantos autores e autoras?
Teresa Dib Zambon Atvars: A ideia foi a de divulgar conceitos e experiências bem sucedidas visando o público de gestores públicos, que nem sempre estão preparados para enfrentar os desafios que a sociedade vem cobrando de qualidade na gestão pública e nos serviços públicos. Definir claramente a missão do órgão é fundamental para entender o papel que deve desempenhar, mas saber transformar planejamento em execução também é fundamental. Procuramos mostrar o caminho das pedras.
Milena Pavan Serafim: O livro é fruto do encontro da reflexão acerca dos conceitos e dos condicionantes da trajetória da gestão pública e da aplicabilidade de um ferramental de planejamento e gestão estratégica e metodologias ágeis junto à realidade da gestão universitária. Cada capítulo foi escrito por docentes e funcionários técnico-administrativos, demonstrando esse encontro na prática entre o mundo acadêmico e o mundo administrativo.
Editora da Unicamp: Planejamento e gestão estratégica no setor público aborda métodos que vieram de fora e foram adaptados e aplicados na gestão da Unicamp. Termos como design thinking, wicked problem e nudge deixam isso bem claro. Como esse livro, partindo dessa experiência, pode ajudar outros gestores do setor público?
Teresa: Sem conhecimento, as ações não são transformadoras. E não há uma única forma de fazer. Os métodos tradicionais de planejamento foram implantados em décadas passadas e a sociedade mudou muito. Por isso, incorporar outros conceitos e novas formas de como fazer e também com quem fazer são fundamentais. Mas também é importante estabelecer com quem fazer. Em uma universidade como a Unicamp, não se consegue fazer de modo verticalizado, do tipo manda quem pode, obedece quem tem juízo, ou um manda outro obedece. Por isto introduzimos estes conceitos, muito mais adequados à nossa realidade.
Milena: A ciência da administração e suas escolas incorporaram nas últimas décadas diversas contribuições de outras ciências, como a economia, a arquitetura, a engenharia e a psicologia social. Novos conceitos, ferramentas e metodologias, como BPM, Lean, Design Thinking, dentre outros, estão sendo utilizados no âmbito da Administração Pública e da Gestão Universitária Pública para o alcance da efetividade e eficiência da gestão e dos serviços públicos. Eles possibilitam novos olhares e, por consequência, novas tratativas para os problemas vivenciados no mundo do trabalho e no serviço público.
Editora da Unicamp: No livro, vocês frisam que o planejamento e a gestão precisam do mesmo dinamismo acadêmico que deu à Unicamp um lugar de destaque no cenário nacional, mesmo sendo uma instituição relativamente jovem. Vocês poderiam falar um pouco sobre isso?
Teresa: Não há dúvida que o dinamismo da ciência e do ensino requerem agilidade da gestão e dos gestores. Estas áreas prioritárias da universidade não podem esperar. Por isso, a gestão tem que ganhar agilidade e competência e hoje temos os mecanismos para fazer. Vou contar uma historinha. Meu primeiro artigo científico, em 1978, teve todas as figuras desenhadas a mão, com tinta nanquim e papel vegetal, em três vias. As três vias desenhadas. Foi datilografado em três vias, cada uma datilografada novamente. Demorou um mês para ficar pronto, Depois as três vias foram enviadas pelo correio, dois meses para o editor responder que recebeu, etc. Demorava dois anos para publicar. Agora é tudo eletrônico, tudo editável, acompanhado em tempo real. Não podemos esperar pela burocracia pois a universidade não é repartição pública cartorial. Ela está necessariamente inserida no cenário global e é neste contexto que nossos alunos precisam ser preparados. Na gestão não pode ser diferente, e o que estamos mostrando neste livro é que a gestão também é fruto do conhecimento, da experimentação de novas práticas, de novas formas de fazer. E quando dão certo, como nossas experimentações estão mostrando neste livro, temos que incorporá-las de modo mais amplo dentro da Unicamp e temos que divulgar para que outros aproveitem deste conhecimento.
Editora da Unicamp: Um dos capítulos do livro é dedicado à autonomia universitária, garantida pela Constituição de 1988. O recente Projeto de Lei nº 529/20, do governo Dória, foi visto por muitos como uma ameaça a essa autonomia, devido ao impacto nos orçamentos de diversas instituições, incluindo as universidades públicas. Vocês poderiam explicar o quanto a autonomia universitária é importante no atual cenário?
Teresa: Sem autonomia podemos inovar muito pouco. Veja um exemplo, quando a Unicamp não tinha autonomia e queria mudar seu estatuto, tinha que enviar ao governador uma solicitação para que saísse um Decreto. Quando queríamos usar recursos para qualquer atividade acadêmica, tínhamos que pedir ao governo autorização. O objetivo de contar neste livro essas histórias é porque há novas gerações que não conheceram aquela realidade e, portanto, não têm a noção das dificuldades daquela época. Resgatar estes fatos é relevante para que tenhamos a clareza de que ter autonomia não é só para definir reajustes de salários na data base. É muito mais profunda a necessidade.
Milena: A autonomia didático-científica é pressuposto para o avanço do conhecimento. Sem liberdade de cátedra, as escolhas científicas ficam à mercê de lógicas estritamente imediatistas e utilitaristas, as quais são antagônicas à evolução da ciência, que precisa de tempo, de método, de experimentação e de evidência científica. Assim, ter autonomia universitária é a base de sustentação da tecnociência e a alavanca de um processo emancipatório da sociedade na qual nos inserimos.
Editora da Unicamp: Qual o papel do “Desburocratize Unicamp” em relação à eficácia dos métodos de gestão implantados na universidade? E como ele é apresentado no livro?
Teresa: O projeto Desburocratize é muito importante não apenas para a Unicamp, mas para todos os órgãos públicos. A burocracia desnecessária sufoca a Universidade e desqualifica o serviço público, impõem custos desnecessários ao setor público. Nesta gestão, resolvemos encarar este problema que todo mundo sabe que existe. E o fizemos de duas formas: a CGU liderou este processo propondo aos Conselho e Câmaras medidas para reduzir a burocracia. Uma estratégia top-down, necessária mas insuficiente. O Programa complementa com uma estratégia bottom-up, com as pessoas tendo um canal institucional para propor assuntos que incomodam e são, provavelmente, desnecessários. E a administração se compromete a resolver e dar respostas com soluções. E está funcionando. Este é o tipo de experiência facilmente implantável em qualquer órgão público, universidade ou não.
E somos mais ambiciosos, queremos e estamos participando de movimentos externos à universidade nesta mesma direção. E vamos começar a levar propostas para serem discutidas em outros órgãos externos.
Milena: A Unicamp, por meio da institucionalização do Programa Desburocratize, se tornou a primeira universidade pública paulista e uma das primeiras no Brasil a aderir a Rede Federal de Inovação no Serviço Público. Essa adesão demonstra a preocupação da Unicamp com a gestão, especificamente com a busca pela excelência da gestão pública, e também com o seu natural compromisso com o desenvolvimento do conhecimento e a troca de experiências e boas práticas com outros órgãos públicos nacionais.
Editora da Unicamp: Recentemente, o setor público tem sido apontado por certa ala de políticos como um dos responsáveis pela ineficiência e inchaço do Estado brasileiro. Sabemos que a questão é muito mais complexa. Como vocês acham que os métodos apresentados no livro podem ajudar a tornar o setor público mais forte?
Teresa: O setor público vem sendo atacado injustamente devido à uma política neoliberal radical que é a do Estado mínimo. O Estado não pode nem ser mínimo nem ser máximo, tem que ter a dimensão correta para atender bem a população. Precisa se modernizar, mas isto não significa acabar com ele, pois há muitas áreas em que ele é insubstituível. Veja por exemplo o SUS na pandemia. Sem este serviço às populações mais pobres estariam completamente desassistidas na pandemia. Mas não é o único serviço essencial. Sem as Universidades e os Institutos Públicos de Pesquisa, o Brasil não teria enfrentado a pandemia como vem enfrentando. E não se constrói estas instituições de um dia para outro. Ocorre que há interesses comerciais poderosos por trás da desqualificação dos serviços públicos e esta é a principal razão para esta campanha.
Milena: A sistemática visão e retórica da ineficiência do Estado é historicamente creditada, em grande medida, ao inchaço do serviço público. Isso tem conexão, obviamente, com a visão acerca do papel do Estado, se ele deve ser um Estado liberal ou um Estado Social, mas também tem lastro com a incapacidade do Estado brasileiro em não conseguir dar conta de atender de forma eficiente às demandas dos cidadãos. O nosso livro busca contribuir para a desmistificação de que toda gestão ou serviço público é ruim e/ou ineficiente. Sem dúvida há muito a melhorar, e temos serviços públicos que precisam urgentemente melhorar, mas mostramos nesta obra que experiências de sucesso têm sido perseguidas.
Editora da Unicamp: Como vocês acham que esse livro pode ajudar o setor público e seus gestores a ultrapassar a crise causada pela pandemia de COVID-19?
Teresa: Acho que ajuda muito, porque a Unicamp é uma universidade com muita credibilidade e o que nós fazemos e produzimos é sempre olhado com atenção. Então mostrar que a Unicamp está preocupada com a ciência, o conhecimento, o ensino, a pesquisa, a assistência, é muito importante. Mas mostrar que podemos fazer tudo isto com uma boa gestão, uma gestão preocupada em prestar bons serviços, respeitando a sustentabilidade financeira e orçamentária, exercendo a autonomia com responsabilidade e com publicidade dos gastos, comprometida com a eficiência, é neste momento mais uma contribuição que damos. Na minha opinião a COVID-19 vai deixar muitas sequelas nas atividades da universidade e a questão do orçamento será crítica, porque dependemos do crescimento econômico que não está ocorrendo. Portanto, priorizar investimentos, cortar despesas desnecessárias, organizar a gestão para se tornar mais eficiente e responder tempestivamente aos desafios é uma realidade que está posta. O livro contribui para mostrar que é possível, com conceitos e com exemplos práticos.
Planejamento e gestão estratégica no setor público: Aplicações e reflexões a partir da Unicamp
Organizadoras: Milena Pavan Serafim e Teresa Dib Zambon Atvars
1ª Edição, 2020.
296 páginas, 23x16 cm