A retórica anticiência tem se ampliado na última década, especialmente no que se refere às mudanças climáticas. Apesar do pior cenário mostrando um aumento da temperatura global de 8 graus Celsius e elevação de um metro no nível do mar até 2100, muitos optam por ignorar ou desafiar as evidências científicas. O impacto humano no meio ambiente é real, não é uma questão de opinião. A ciência pode nos ajudar a criar novos modelos de desenvolvimento mais sustentáveis, que causem menos impactos no planeta, um desafio para todas as áreas do conhecimento.
Em 2015, os 193 Estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) assinaram a Agenda 2030, com 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs). Um resumo dessa iniciativa: temos de criar as condições para que as necessidades da geração atual sejam atendidas, mas é preciso proteger o direito das futuras gerações de também atenderem às suas necessidades. No caso de países como o Brasil, o crescimento econômico é fundamental para ajudar a superar um contexto de profundas desigualdades sociais. No entanto, esse crescimento, que entre outros recursos exige aumentar o consumo de energia, deve levar em conta os limites dos recursos naturais, isto é, deve ser um processo de desenvolvimento pautado pelas metas da Agenda 2030.
Campinas é uma das maiores cidades do interior paulista e, juntamente com sua região metropolitana (RMC), é responsável por uma fração substancial do produto interno bruto (PIB) do Estado de São Paulo. Sua história econômica, que teve origem no cultivo da cana-de-açúcar, rapidamente superada pelo café, permitiu que ela se transformasse num grande polo de desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil. A RMC abriga universidades públicas e privadas, parques tecnológicos robustos, instituições de pesquisas públicas federais e estaduais, como o Instituto Agronômico de Campinas, a Embrapa e o Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer, entre outros. Além disso, em Campinas temos o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais é, que possui o equipamento de pesquisa mais sofisticado do País, o Sirius, uma fonte de luz síncrotron de quarta geração, considerado um dos melhores do mundo.
De maneira pioneira, em 1985 a cidade reservou uma área de 8,8 milhões de metros quadrados, conhecida como Polo II de Alta de Tecnologia. A ideia era, a partir de um plano diretor e de uma lei de zoneamento especiais, atrair instituições de pesquisa e empresas que pudessem transformar Campinas num Vale do Silício brasileiro.
Passados 30 anos, em 2014 a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) teve a oportunidade de adquirir uma fazenda de 140 hectares, anexa ao seu câmpus, dentro do Polo II. Pensando em como ocupar essa nova área, surgiu a pergunta: deveríamos reservá-la para um crescimento orgânico da universidade ou fazer algo novo, olhando para um futuro? O Hub internacional para o Desenvolvimento Sustentável (HIDS) é a resposta a essa pergunta. Juntamente com a sociedade, começamos a discutir de que forma o novo território adquirido pela Unicamp poderia contribuir para essa agenda positiva de sustentabilidade.
As ideias iniciais começaram a ganhar forma e novos parceiros foram se juntando à iniciativa, incluindo a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a prefeitura de Campinas, o governo do Estado de São Paulo e todas as instituições que atuam no território do Polo II. Assim, o plano prosperou para a criação de um distrito inteligente e sustentável na forma de laboratório vivo. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) aportou US$ 1 milhão a fundo perdido para o desenvolvimento de um plano diretor para o território.
Em 2020 foi criado o Conselho Consultivo Fundador, composto pelas instituições que realizam pesquisas no território (Unicamp, PUC-Campinas, Facamp, CNPEM, TRB Pharma, Cargill, Global Tech, CPQD, Instituto Eldorado e Embrapa), pelas concessionárias de água e esgoto (Sanasa) e energia elétrica (CPFL) e, como intervenientes, a prefeitura de Campinas e o governo do Estado. Esse conselho está guiando a elaboração do plano diretor do HIDS para que ele se torne um distrito que concilie urbanismo e meio ambiente e possa ser um modelo de desenvolvimento sustentável alinhado aos princípios do Pacto Global e da Agenda 2030 da ONU.
O HIDS é um projeto ousado, de longo prazo e que pretende unir, na forma de consórcio e parcerias, instituições públicas e privadas, nacionais e estrangeiras, junto com diferentes esferas governamentais. Somente com projetos dessa envergadura é que o Brasil poderá contribuir para o processo do desenvolvimento sustentável, produzir conhecimento, tecnologias inovadoras e educação das futuras gerações, mitigando e superando as fragilidades sociais, econômicas e ambientais da sociedade contemporânea.
RESPECTIVAMENTE, FÍSICO, É REITOR DA UNICAMP; E FÍSICO, DIRETOR EXECUTIVO DE PLANEJAMENTO INTEGRADO DA UNICAMP, É COORDENADOR DO PROJETO HIDS