Uma iniciativa inédita no Brasil vai reunir pesquisadores de universidades e de órgãos policiais para o estudo das chamadas Novas Substâncias Psicoativas (NSP), drogas sintéticas produzidas em laboratório com efeitos semelhantes aos de outras drogas, mas ainda sem a identificação de quais são essas substâncias e mecanismos de controle. O projeto deve contribuir com a análise e classificação química desses novos compostos, auxiliando na elaboração de protocolos para atendimentos e tratamentos toxicológicos, além de facilitar o controle e o combate a esses novos entorpecentes.
O INSPEQT vai receber recursos da CAPES, por meio do Programa de Cooperação Acadêmica em Segurança Pública e Ciências Forenses, e contará com a participação de pesquisadores e alunos de pós-graduação da Unicamp e da USP, peritos criminais do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal (INC-PF), da Superintendência da Polícia Técnico-Científica do Estado de São Paulo (SPTC-SP) e da Coordenadoria Geral de Perícias do Estado de Sergipe (CGP-SE). A coordenação do projeto será de Maurício Yonamine, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP.
Por meio da parceria, novas substâncias que forem apreendidas pelas polícias serão analisadas e descritas em seu aspecto químico, por meio do trabalho das polícias científicas, e encaminhadas às universidades para que sejam feitos testes de seus efeitos toxicológicos no organismo. "É um projeto que nasce com a ideia de prover o intercâmbio entre a Universidade e os centros de perícia, o que para nós é fantástico. Nós já fazemos isso no dia-a-dia, mas agora formalizamos isso por meio de um grande projeto. O intercâmbio dos alunos de pós-graduação indo para os laboratórios de perícia, os peritos criminais vindo para a Unicamp e para a USP, são movimentos previstos no projeto do INSPEQT", detalha José Luiz da Costa, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Unicamp e coordenador do Laboratório de Toxicologia Analítica (LTA).
Na Unicamp, as pesquisas serão direcionadas para a definição de protocolos para a identificação dessas substâncias em pacientes que chegam aos hospitais com quadros de intoxicação, além de estudos sobre os mecanismos de ação dessas novas drogas e de recursos que o organismo utiliza para metabolizar as substâncias. "Quando um paciente chega intoxicado, frequentemente ele está inconsciente. Por isso, são necessários exames com amostras de sangue, de cabelo, de saliva ou de urina para identificar aquela droga. Para que eu tenha certeza que será possível identificar a droga nesses locais, antes é preciso saber que ela vai parar lá", detalha José Luiz. Na Universidade, uma pesquisadora de doutorado e uma de pós-doutorado vão atuar diretamente nos estudos do INSPEQT, além de outras pesquisas que vão contribuir de forma indireta com o projeto.
As pesquisas que serão desenvolvidas pelo INSPEQT trarão benefícios tanto para a saúde, quanto para os órgãos de controle de entorpecentes. Por se tratarem de substâncias ainda desconhecidas, muitas escapam de classificações que as enquadram como ilícitas, dificultando o combate ao tráfico. Isso também prejudica os órgãos de saúde, limitando os atendimentos. "Pelo menos uma vez por mês, o Hospital de Clínicas da Unicamp recebe algum paciente que relata o uso de alguma droga. Mas quando fazemos os exames toxicológicos de rotina, nós não detectamos nenhuma das drogas que frequentemente são pesquisadas. E o leque dessas drogas pesquisadas é bem amplo. Então nós vemos que, na prática, estamos falhando nessa identificação", explica o coordenador do LTA.
Pequenas doses, grandes efeitos
As Novas Substâncias Psicoativas (NSP) são drogas sintéticas que podem ser produzidas a partir de substâncias encontradas ou não na natureza e que têm efeitos semelhantes aos de drogas consideradas tradicionais, como a maconha, a cocaína, o ecstasy e o LSD. O que as torna novas é o fato de muitas não terem suas moléculas ainda descritas quimicamente, o que as exclui da legislação e dificulta seu combate. "O desafio para a química forense é a identificação da substância, já que o perito criminal precisa caracterizá-la quimicamente para informar à autoridade policial que existe algo novo que precisa ser inserido na lei. Isso não é simples de ser feito e nem todas as polícias científicas têm equipamentos com essa capacidade", analisa José Luiz.
Os tipos mais comuns de NSP identificados no Brasil são os canabinoides sintéticos, que produzem efeitos semelhantes no organismo aos do tetra-hidrocanabinol (THC), componente psicoativo da maconha, mas com efeitos mais potentes; as catinonas sintéticas, drogas estimulantes de efeitos semelhantes aos da cocaína e do ecstasy, que podem desencadear quadros desde arritmia cardíaca até infartos; e as feniletilaminas, substâncias alucinógenas semelhantes ao LSD, mas com efeitos prolongados que podem durar até 12 horas.
Outra característica das NSP que preocupa as autoridades de saúde são seus efeitos toxicológicos, pois além de serem desconhecidos, geralmente são mais potentes do que os das drogas tradicionais. De acordo com o professor, em alguns casos as NSP podem ser até cem vezes mais potentes, aumentando os riscos para o organismo, para a segurança da pessoa e também de outras.
No Brasil, a catalogação dessas substâncias é feita pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que segue os critérios estabelecidos pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). Segundo dados da Anvisa, 125 países já reportaram ao UNODC a identificação de mais de mil novas substâncias. José Luiz da Costa comenta que grande parte dessas substâncias vêm de países do sudeste asiático. Por ainda não estarem descritas na legislação, sua entrada no país é facilitada. "Muitas vezes essas substâncias não são comercializadas de forma ilícita, porque se ela não é controlada no país, não é crime importá-la", observa.