O jornalismo científico perdeu ontem um gigante. Maurício Tuffani, jornalista de ciência, saúde e meio ambiente influenciou gerações de profissionais com seu talento para investigar as complexas relações entre ciência, sociedade e política. Passou pelos principais veículos que se dedicaram a cobrir a ciência no país e criou iniciativas que inovaram ao trazer à luz a visão crítica sobre os impactos da ciência, jornalismo e política na sociedade como o site Direto na Ciência, criado por ele em 2016, onde atuava como editor. Em tempos de negacionismo e ataques ao jornalismo, a morte prematura de Tuffani, aos 63 anos, é uma enorme perda para os brasileiros.
Jornalista afiado e defensor de uma postura crítica sobre o papel da ciência na sociedade, conquistou novos espaços e visibilidade para o debate sobre a ciência. Lembrava do importante papel do jornalista de ciência, muito além da limitada atuação como mero “relações públicas” da ciência. “A maior parte das atividades da imprensa tem se concentrado muito mais na distribuição de informações do que na produção. A outra tendência é a de que mesmo entre os que se dedicam à produção, há uma ênfase crescente na veiculação de informação bruta, primária, declaratória, em detrimento da elaboração de matérias a partir de verificação, checagem e de contraponto de informações primárias”, afirmou em entrevista à revista Ciência & Comunicação, em 2006.
Ele tinha importantes conexões nas intrincadas relações entre acadêmicos, instituições científicas, financiadoras, gestores sem que elas o impedissem de trazer à tona questões relevantes e por vezes desconfortáveis. Tratou sobre revistas predatórias, fraudes na ciência, os cortes em recursos e, mais recentemente, foi incansável no combate ao desmantelamento de instituições de proteção ambiental, às fake news, ao negacionismo, denunciou o descaso com a saúde, o meio ambiente, a ciência e a educação no site Direto da Ciência.
“O importante era dar o que a imprensa e as agências não noticiavam. Os conflitos da ciência, os aspectos políticos da ciência, os bastidores, os movimentos subterrâneos que determinam as mudanças na superfície”, afirma Fabio de Castro, jornalista de ciência que atuou com ele no Direto da Ciência. Para Tuffani, “a ciência era indissociável da política”, lembra.
A trajetória de Maurício Tuffani, interrompida precocemente, começou como professor de matemática e física do ensino médio, área em que iniciou os estudos na USP. No jornalismo, inaugurou como revisor do jornal O Estado de S.Paulo em 1978, e atuou como repórter, editor-chefe, assessor de comunicação, assessor parlamentar e blogueiro em diversos veículos, entre eles o Jornal da Tarde, a Folha de S.Paulo, as revistas Galileu, Scientific American do Brasil e Unesp Ciência, onde inovou e impulsionou a divulgação de ciência para além dos muros da instituição. Contribuiu ainda para o Jornal da USP, a revista Piauí, o Observatório da Imprensa, o site das Nações Unidas e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, sempre conquistando novos espaços e visibilidade para o debate sobre a ciência. Foi professor da Especialização em Jornalismo Científico do Labjor/Unicamp e do Núcleo José Reis de Divulgação Científica da USP.
“Tuffani tinha talento na investigação jornalística e na escrita de textos jornalísticos e também imensa capacidade de passar na prática das redações sua experiência para formar novas gerações de profissionais; era um chefe adorado por quem trabalhava com ele”, lembrou Mariluce Moura, jornalista e coordenadora do projeto Ciência na Rua.
Maurício Tuffani faleceu no dia 31 de maio, em São Paulo, após um mal súbito. Ele deixa a esposa Lélia Marino, o filho André Tuffani Marino e uma legião de leitores, jornalistas de ciência e admiradores em luto. Permanece seu legado que seguirá inspirando gerações de jornalistas de ciência.
Leia a seguir depoimentos sobre a relevância do legado de Maurício Tuffani:
“Conheci, pessoalmente, Maurício Tuffani anos atrás, quando era presidente da Fapesp, embora já o conhecesse de nome e de entusiasmo pelo jornalismo e pela divulgação científica. Cheio de iniciativas institucionais, pleno de simpatia e dedicação intelectual ao trabalho, convivemos ainda mais de perto, quando Maurício atuou no Labjor como professor do curso de especialização em jornalismo científico. Saudades, instantaneamente, instaladas, quando soube esta triste notícia!”, Carlos Vogt, é professor emérito da Unicamp, coordenador do Labjor-Nudecri, diretor de redação da revista de ComCiência e presidente do Conselho Científico e Cultural do Instituto de Estudos Avançados (IdEA) da Unicamp.
“Lamento profundamente essa morte inesperada e precoce do jornalista Maurício Tuffani, um profissional extremamente talentoso. Ele tinha também uma enorme capacidade na intermediação entre cientistas e jornalistas, e sempre teve disposição para levar adiante, trabalhar na divulgação científica, ampliar a importância e a presença do jornalismo científico no jornalismo em geral. Tuffani era uma figura adorável. Tinha uma alegria e uma disposição para o debate de uma forma leve, engraçada e ao mesmo tempo muito insistente nos seus pontos de vista que fazia dele uma figura extremamente singular e simpática, além de todo brilho, toda inteligência, todo o talento”, Mariluce Moura é jornalista de ciência responsável pela criação da revista Pesquisa Fapesp, que dirigiu até 2014, professora titular aposentada da UFBA e responsável pela criação e coordenação do Ciência na Rua.
“Maurício Tuffani já é e continuará sendo uma referência para todo jornalista que cobre ciência e meio ambiente. Ele era um editor brilhante, com quem não havia briga, discussão, ou dispersão: em cada pauta, os objetivos são claros, a intenção é cristalina e ele estava sempre aberto às opiniões. Decidia rápido, com base na sua ampla experiência e na sua inteligência aguda. Maurício Tuffani era capaz de sentir o precioso cheiro da notícia em qualquer documento que para nós não passava de entulho burocrático. Um homem com um profundo senso de justiça, que não temia afrontar os poderosos, de quem ria gostosamente após irritá-los com mais uma matéria demolidora e incontestável. Um guerreiro gentil, com seu eterno bom humor, suas maneiras agradáveis, seus mil casos e histórias, sua sinceridade e sua capacidade inata para fazer amizades”, Fabio Castro, jornalista de ciência desde 2002, ex-aluno da especialização em jornalismo científico do Labjor/Unicamp, atuou na Agência Fapesp, Agência USP de Notícias, Estadão e trabalhou com Tuffani no Direto da Ciência.
"Conheci o Tuffani quando ainda estava iniciando a minha carreira científica, e dando os meus primeiros passos na área de divulgação. Ele me incentivou muito a publicar um artigo na revista que ele era editor, e isso me deu um impulso muito forte. Ele era um verdadeiro jornalista, que gostava de investigar a fundo as questões, defendendo com afinco a educação público e a ciência feita com ética. Fará muita falta...". Marcelo Knobel é ex-reitor da Unicamp, professor titular do Instituto de Física Gleb Wataghin e vencedor do Prêmio José Reis de Jornalismo Científico de 2019.
“Tuffani foi meu professor na oficina de jornalismo científico em 2003 na especialização do Labjor-Unicamp, quando ele era editor da Galileu e eu era uma jornalista recém-formada na Unesp. Foi meu primeiro contato direto com um grande nome do jornalismo de ciência no país. Quando o ouvi falar pela primeira vez, na aula inaugural da qual me lembro como se fosse hoje, pensei: um dia serei como ele! Nunca cheguei nem perto, mas estava sempre ao seu redor. Acabamos virando colegas de profissão. Perdemos nós, os amigos, mas também a ciência e o país perdem com sua partida. Perdem todos”, Sabine Righetti, pesquisadora do Labjor-Nudecri, coordenadora da Agência BORI de notícias de ciência e colaboradora da Folha de S.Paulo.
“Recebi com muita tristeza a notícia do falecimento do Maurício Tuffani, jornalista competente, como editor chefe da Scientific American Brasil, pelo excelente trabalho na comunicação da Unesp e também na direção do blog Direto da Ciência. Ele sempre se destacou pelo espírito crítico, investigativo, pelo esforço em se manter atualizado com os principais temas destas áreas e pelo ritmo incessante de trabalho. Ele certamente inspirou muitos jovens jornalistas e vai fazer muita falta, sobretudo na luta contra o negacionismo, neste momento de redução dramática dos investimentos em ciência, tecnologia e inovação e que se caracteriza pelo desmonte das políticas públicas em ciência e meio ambiente em nosso país. A ciência e o jornalismo brasileiro estão de luto”, Wilson Bueno, Professor sênior da USP e autor do primeiro doutorado sobre jornalismo científico no Brasil, em 1985.
“Diz que um belo domingo, estando ele de plantão numa das redações em que trabalhou, quieto no seu computador, aparece alguém da chefia esbaforido. ‘Ciências, ciências’, berra a pessoa, ‘tem um sapo latindo no programa do Gugu’. [Sim, era a época em que sempre aparecia uma bizarrice dessas no Gugu]. ‘E aí, o que eu faço?’. ‘Ué’, responde o Tuffa, ‘desliga a televisão, lógico’. Pela generosidade com quem estava começando na área, pela inteligência ímpar, pela capacidade de contar boas histórias e pela disposição para correr riscos com novos projetos, ele era único. Vai fazer uma tremenda falta”, Reinaldo José Lopes, jornalista de ciência, ex-editor e atual colaborador de ciência da Folha de S.Paulo, ganhador do Prêmio José Reis de Jornalismo Científico de 2017.
"Rigoroso na apuração, no método e na narrativa, Tuffani praticava um jornalismo independente e de precisão. Transitava com competência rara entre múltiplos conteúdos. Seu conhecimento acumulado e aguçado senso crítico, que exercia com maestria, permitia tecer um panorama critico e analítico em políticas científicas, ambientais e educacionais", Graça Caldas, jornalista, professora aposentada da Universidade Metodista, professora colaboradora do Labjor/Unicamp.
“Como jornalista, Tuffani dispôs do seu conhecimento sobre legislação ambiental, adquirido quando trabalhou como assessor parlamentar na Câmara, colaborando na redação do capítulo de meio ambiente da Constituição Federal (1987-1988) e nos muitos anos de batalha que se seguiram até o seu blog Direto da Ciência, uma referência nessas questões. Seu conhecimento enciclopédico fazia com que ele não fosse enganado pelos meandros da lei e tergiversações tão comuns nessa área. Tuffani recusava a ideia de que os jornalistas seriam meros tradutores de conteúdos cifrados e, desse modo, promotores de interesses dos quais às vezes nem se dão conta. Para ele, era preciso prestar atenção e denunciar fatos, principalmente quando as controvérsias e aspectos políticos e sociais permeavam a construção da ciência”, Martha San Juan, pesquisadora e jornalista de ciência, atuou com Tuffani na revista Galileu de 2000 a 2002, na revista Unesp Ciência e recebeu o Prêmio José Reis de Jornalismo Científico de 1992. (Leia depoimento na íntegra)
Leia matéria divulgada por Notícias Unesp.
*Germana Barata, pesquisadora e coordenadora da Especialização em Jornalismo Científico do Labjor-Nudecri/IA/IG da Unicamp