A obtenção de um título de ensino superior de pós-graduação envolve muito mais elementos do que o ingresso no curso. As condições de permanência estudantil incluem diversas variáveis, dentre elas psicológicas, econômicas, sociológicas e institucionais. Diante de um cenário no país de queda de rendimentos, elevado desemprego e sofrimento emocional durante a pandemia da Covid-19, as instituições de ensino enfrentam maiores desafios para impedir a evasão. Na Unicamp, onde houve aumento de 67% das demandas ao Serviço de Apoio ao Estudante (SAE) em 2020, uma série de adequações busca impedir os desligamentos dos cursos.
Apesar das condições de permanência serem amplas, as medidas institucionais são fundamentais. Nesse sentido, uma política de permanência robusta é essencial. O período da pandemia, que trouxe a brusca migração para o ensino remoto, também requereu um ajuste de normas na Unicamp. Dessa forma, ainda em março de 2020 começaram a ser delineadas novas formas de avaliações para as disciplinas, com conceitos alternativos e aumento do período para a integralização curricular, tendo em conta que as desigualdades têm ainda maior impacto no ensino remoto.
Segundo dados da Pró-Reitoria de Graduação, a flexibilização em relação a desligamentos de estudantes foi o motivo pelo qual a taxa de evasão em 2020 foi inferior à dos anos anteriores. No ano passado, foi de 2,12%, enquanto em 2019 foi de 7,13%. Mas além de mudanças de critérios no plano acadêmico, houve readequação de bolsas, do serviço dos restaurantes universitários e do apoio psicológico e psiquiátrico. Medidas que foram tomadas visando adequar a política de permanência em tempos de aumento da demanda.
“Em tempos de pandemia, as diferenças que existiam entre os estudantes, de heterogeneidade de condições de estudos, só se ampliaram. Isso é um desafio grande, porque os alunos têm condições muito distintas. Alguns não têm ambiente para estudar, alguns não têm apoio da família, alguns têm que trabalhar pois os pais perderam o emprego. O SAE tem trabalhado muito e tem conseguido atender a todas demandas que surgiram”, observa a coordenadora do SAE, professora Mariana Nery. Ela também indica que o órgão trabalha tendo em vista a amplitude dos fatores de permanência, já que os problemas podem ser de ordem econômica, de saúde mental e/ou de falta de orientação educacional.
Pandemia acentua necessidade de apoio
O agravamento das desigualdades no Brasil durante a pandemia é apontado por diversas pesquisas e estudos recentes. O índice Gini do país, que mede a concentração de renda, subiu de 0,642 para 0,674 entre 2020 e 2021, sendo que quanto mais alto, maior é a desigualdade e concentração. O país também voltou ao Mapa da Fome da Organização das Nações Unidades (ONU), do qual havia saído em 2013. São 19 milhões de brasileiros que passam fome, segundo dados de 2020 da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. Estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) também aponta que, além do aumento das desigualdades, aumentaram também os níveis de estresse e de tristeza entre os brasileiros.
Todo esse quadro, para a coordenadora do Serviço Social do SAE, Cibele Papa, é o panorama no qual os estudantes estão inseridos e que impõe mais atenção. “Não tem sido fácil devido à situação do Brasil. Nós temos atendido muitos estudantes com pais ou mães que perderam emprego, que adquiriram a Covid e que em alguns casos vieram a óbito. Muitos nunca haviam precisado do serviço social do SAE e após a pandemia recorreram à questão da assistência e da permanência, tanto a financeira como a acadêmica”. Segundo Cibele, houve um aumento de 67% das demandas ao SAE em 2020, de acordo com levantamento do órgão.
A assistente social também aponta que, dentre as demandas, destaca-se um aumento da procura feita por estudantes de pós-graduação, provavelmente agravada por cortes de bolsas em órgãos de fomento, como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Muitos estudantes de pós tiveram cortes de bolsas, não conseguiram fomento, e recorreram à permanência”, observa.
No CNPq, em 2021, de um total de 3.080 mil solicitações para bolsas de doutorado e pós-doutorado aprovadas por mérito no Brasil, somente 396 (13%) receberam bolsa. O órgão tem o menor orçamento do século neste ano. Já a Capes teve queda de orçamento de R$ 4,2 bilhões, em 2019, para R$ 1,9 bilhões em 2021.
Outra observação de Cibele é em relação à dificuldade de estudantes que são mães, especialmente as mães solo. A conciliação de atividades acadêmicas com atividades de cuidado, no ambiente de casa, é um desafio que se acentuou ainda mais durante o isolamento social.
Bolsas são indispensáveis
O apoio financeiro através das bolsas, segundo a assistente social, é indispensável para que o aluno em vulnerabilidade socioeconômica se mantenha. Em muitos casos, ele acaba ajudando também no pagamento de contas da família, como água, energia e alimentação. Com esse entendimento e acompanhando a ampliação das políticas de inclusão social e étnico-raciais na Unicamp, houve, entre 2017 e 2021, houve um incremento de 30% dos recursos para as bolsas, passando de R$27,9 milhões para R$39,9 milhões.
A bolsa que mais contempla alunos é a Bolsa Auxílio Social (BAS). Atualmente, 2.026 estudantes recebem o benefício, segundo dados de 28 de junho. O valor do auxílio é de R$678,81, com o aluno prestando 10 horas semanais de atividades orientadas. Em seguida, vem a Bolsa Auxílio-Moradia (BAM), que atende 1.806 estudantes, aumento de 143 estudantes em relação a 2020. A bolsa tem o valor de R$472. Para alunos do campus de Campinas, podem receber o auxílio aqueles que não tenham sido contemplados pela Moradia Estudantil, onde há aproximadamente 900 vagas. “Hoje não temos um gargalo de alunos em lista de espera por auxílio moradia ou moradia”, diz Cibele.
Há ainda outros 15 tipos de auxílio, entre eles a Bolsa Auxílio Emergência, Bolsa Pesquisa e Bolsa Aluno-Artista. Como medida de ajustar as normas durante a pandemia, todos os benefícios ligados a auxílio-transporte (Benefício de Auxílio Transporte, Bolsa Auxílio Transporte Estágio Obrigatório e auxílios transporte associados a outras bolsas) passaram a designar-se Benefício Emergencial de Atividades Não Presenciais (BENP). “O serviço social entende que esse é um valor que ajuda nos gastos”, aponta a assistente social.
Adaptações nos restaurantes universitários
Devido às medidas sanitárias para impedir a circulação do vírus Sars-Cov-2, em seguida à suspensão das atividades presenciais na Unicamp, no dia 13 de março de 2020, os restaurantes universitários precisaram fechar. Para que estudantes contemplados com o Benefício de Isenção de Taxa de Alimentação (BITA) não fossem prejudicados, o Restaurante Universitário passou a fornecer almoço e jantar em marmitas, que são retiradas pelos estudantes no RU. O café da manhã foi suspenso pelo fato da preparação em marmitas requerer mais tempo.
As refeições contemplam também funcionários das áreas essenciais, das empresas terceirizadas e aos que estão participando de rodízios presenciais nas Unidades. Segundo a Prefeitura Universitária, responsável pela administração dos restaurantes, desde o início da pandemia são produzidas no RU uma média de 2.500 refeições/dia, entre almoço e jantar. Desse total, são atendidos em média 920 alunos/dia, entre almoço e jantar, sendo 750 bolsistas SAE e 170 alunos (graduação e pós-graduação). As demais estão distribuídas entre funcionários do HC e CAISM e funcionários de outras unidades em atividade presencial.
A assistente social do SAE destaca também que a colaboração da comunidade acadêmica tem ajudado a levar as refeições aos estudantes que testam positivo para a Covid. “Eles não podem sair de casa e ir até o restaurante, para manter o isolamento social, então nessa logística o serviço social tem colaborado, temos um grupo chamado SOS Covid. Se o estudante testa positivo ele me manda um e-mail, eu vejo se tem um colega que pode ir buscar a refeição, e se ele não tem eu aciono o SOS Covid. Contamos muito com colaboração dos próprios colegas, seguindo todos os protocolos. Os estudantes não têm medido esforços também para colaborar”.
Apoio em saúde mental
De acordo com mapeamento realizado entre 2018 e 2020, os estudantes são o segmento da comunidade acadêmica que tem os maiores níveis de percepção de estresse e de sintomas depressivos. Dentre eles, os de pós-graduação são ainda mais afetados. Dessa forma, não só o apoio financeiro e material, mas também o apoio em saúde mental mostra-se fundamental.
Para amparar os alunos nesse âmbito, há o Serviço de Apoio Psicológico e Psiquiátrico (SAPPE), coordenado pela psiquiatra Tania Mello. Os atendimentos psicológicos migraram integralmente para o formato online. Os atendimentos psiquiátricos são feitos de forma remota e casos excepcionais são atendidos em plantões presenciais.
Além dos atendimentos regulares, o SAPPE, órgão que existe desde 1987 na Universidade, também realiza atendimentos de Pronto Atendimento Psicológico. Estes são indicados para momentos de muita angústia, visando trabalhar questões pontuais que estejam causando desequilíbrio psico-emocional agudo. Todos os atendimentos são agendados mediante solicitação via e-mail: sappeass@unicamp.br
A importância da permanência
Conforme a coordenadora do SAE, a permanência é fundamental e a Unicamp se destaca também pela amplitude dessas políticas. “A Unicamp se destaca pelo olhar social, não vejo paralelo em outras universidades. Entre as universidades brasileiras, destaca-se pelo investimento em políticas de apoio ao estudante”.
A professora lembra que nos últimos anos houve implantação de novas políticas afirmativas e de inclusão social, além da ampliação das que já existiam, trazendo uma diversidade importante para a Universidade. Com isso, a política de permanência precisa acompanhar a mudança de perfil dos estudantes. “São ferramentas para que o aluno chegue ao final, porque nosso objetivo é reduzir ao máximo a evasão. Sabemos o quanto a educação e a oportunidade de realizar um curso superior é libertadora e transformadora. É transformadora não só para o aluno. Aquele aluno que se forma transforma a sociedade. Transforma a família, as pessoas ao redor e contribui muito para a sociedade. Nesse sentido, permitir que estudantes entrem, permaneçam e completem os cursos é uma missão da universidade”.
Para saber mais sobre as políticas de permanência da Unicamp e sobre o processo de solicitação dos auxílios, acesse a página do Serviço de Apoio ao Estudante (www.sae.unicamp.br).