Foi realizada nesta segunda-feira (30), em formato virtual, a cerimônia de entrega do título de Doutora Honoris Causa da Unicamp à Elza Salvatori Berquó. Junto à Universidade, a professora foi responsável pela fundação do Núcleo de Estudos de População (Nepo) em 1982, unidade que se tornou referência nacional e internacional em pesquisas na área da demografia. Ela também contribuiu para a criação do Programa de Pós-Graduação em Demografia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). Aos 95 anos, Elza Berquó recebeu as homenagens da comunidade acadêmica e agradeceu pela oportunidade de formar gerações de demógrafos nas instituições pelas quais passou.
"O Nepo, para mim, foi meu filho temporão. Por uma decisão, por causa de minha carreira, eu não quis ter filhos. Eu poderia ter tido, mas meus filhos foram meus alunos e alunas, que são amigos até hoje e que compõem esse cenário incrível e maravilhoso da pesquisa em demografia no país", declarou a pesquisadora, primeira mulher a receber a honraria na Unicamp.
A concessão de título de Doutor(a) Honoris Causa é prevista pelo Estatuto da Unicamp a pessoas que tenham contribuído de forma notável ao progresso da ciência, das letras e/ou das artes, ou ainda a pessoas que tenham beneficiado a humanidade de forma excepcional, ou prestado serviços importantes à Universidade. Em sua apresentação, o Reitor Antonio José de Almeida Meirelles destacou o quanto a atuação de Elza Berquó envolveu a busca pelo progresso científico em sintonia com o desenvolvimento social. "Elza é reconhecida não só pelo rigor metodológico, mas pela generosidade no compartilhamento de sua experiência e conhecimentos com seus pares e alunos. Jogou luz sobre facetas até então desconhecidas, sobre os diferentes estratos sociais que compõem o nosso país. Elza Berquó foi responsável pela formação de gerações de pesquisadores que levaram adiante seu legado, constituindo uma massa crítica cuja capilaridade alcançou, e alcança, desde a academia até as mais altas instâncias de governo", detalhou o reitor.
Vida dedicada à compreensão da sociedade
Nascida em Guaxupé (MG), Elza Berquó é formada em Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), mestre em Estatística pela Universidade de São Paulo (USP) e doutora em Bioestatística pela Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos. Sua atuação como docente teve início na Faculdade de Saúde Pública da USP, local onde fundou o Centro de Estudos em Dinâmica Populacional (Cedip) e deu início aos estudos e pesquisas em demografia.
Vítima da repressão da Ditadura Militar, Elza esteve entre os professores e intelectuais do país, de diversas instituições, aposentados compulsoriamente em 1969, conforme previa um ato complementar do Ato Institucional Nº 5. Como alternativa a essa situação, uniu-se a outros colegas, também afastados de suas universidades, e juntos fundaram o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Na instituição, ela pode dar continuidade às pesquisas em demografia e iniciar uma ruptura nos paradigmas dos estudos na área ao inovar em abordagens como as da sexualidade e dos fatores que interferem na reprodução humana no país. "Após a aposentadoria, nós não tínhamos para onde ir, a não ser ficar no isolamento de nossas casas. O Cebrap representou para mim uma casa onde pude me desenvolver e desenvolver a demografia nos anos em que não era possível voltar à universidade", recorda.
O convite para integrar a Unicamp foi feito em 1982 pelo então reitor José Aristodemo Pinotti, dentro da proposta de criar na Universidade centros e núcleos de pesquisa multidisciplinares. Neste contexto surgiu o Nepo, do qual ela foi coordenadora até 1994. A unidade é responsável pela realização de estudos marcados por abordagens inovadoras e por considerar aspectos fundamentais que constituem a sociedade brasileira. "Tentamos fazer na Unicamp aquilo que não tínhamos podido continuar fazendo na Universidade. O Nepo foi pioneiro na consideração dos estudos sobre a população indígena. Nenhum outro lugar havia considerado esses estudos e o Nepo o considera até hoje como uma de suas disciplinas e interesses. O respeito e os estudos sobre a população indígena tão maltrada no país. Fomos os primeiros e continuamos muito interessados nesses estudos", explica Berquó.
As contribuições trazidas por Elza Berquó à ciência também estão presentes em sua preocupação em incluir a diversidade da população brasileira entre os agentes científicos. Além de trabalhar com a articulação de fatores como raça e gênero nos estudos populacionais e lutar pelos direitos das minorias, atuou na elaboração de ações afirmativas que garantiram a participação de mulheres negras enquanto pesquisadoras. "A natureza de suas pesquisas fez com que elas subsidiassem a elaboração de políticas públicas sobre temas que, se nunca deixaram de ser relevantes, são, nos dias que correm, ainda mais urgentes. Dias esses marcados por uma avassaladora pandemia e pelo descaso governamental com a saúde pública. A melhor resposta que podemos dar a essas incertezas é a valorização da ciência e do ensino de Demografia em nossa universidade", comenta Andréia Galvão, diretora do IFCH.
Em 2014, o Nepo passou a ser chamado Núcleo de Estudos de População "Elza Berquó". Entretanto, o legado de Elza vai além da incorporação de seu nome no núcleo por ela criado e se reflete em gerações de pesquisadores ligados à unidade e que levam em suas carreiras o exemplo por ela transmitido. "Prestes a completar 40 anos, o Nepo persiste na busca e manutenção dos princípios e valores mais estimados transmitidos pela Doutora Elza: priorizar o alto nível de pesquisa e o desenvolvimento de conhecimentos humanizados, pautas que marcaram a trajetória do Nepo desde sua fundação", analisa Maisa Faleiros da Cunha, atual coordenadora do Nepo.
Emocionada pelo reconhecimento de seu trabalho e com a certeza de que seu trabalho continuará vivo, por meio da atuação de novos pesquisadores, Elza Berquó expressa seu desejo de que as novas gerações também prossigam firmes na defesa da produção científica brasileira: "Gostaria que todos soubessem que essa homenagem, que recebo hoje, será para mim como uma estrela que levarei comigo até o final dos tempos. Meu tempo é curto, mas ele foi longo o suficiente para ver e ouvir vocês com todo esse carinho. Jovens, continuem a estudar! Continuem a luta pela democracia!"
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