Enquanto o mundo acompanhava o início da pandemia de Covid-19, pesquisadores da Unicamp, vindos de diferentes áreas do conhecimento, uniram seus esforços na busca por soluções rápidas e abrangentes para a emergência sanitária, econômica e social que surgia no país. Cerca de um ano e meio após sua formação, membros da Força-Tarefa Unicamp contra a Covid-19 se reúnem para um balanço das principais realizações do grupo. Eles também discutem os rumos da pandemia no Brasil e as estratégias para dar continuidade a um modelo de trabalho bem-sucedido.
Organizado por integrantes da Força-Tarefa e pelos Blogs de Ciência da Unicamp, o evento "O que falta para a pandemia acabar? A Força-Tarefa Unicamp responde" terá painéis e mesas-redondas em que serão apresentados os resultados das ações desenvolvidas pelas 11 frentes de trabalho e as perspectivas de sua continuidade. As atividades vão ocorrer em 15 de outubro, das 9h às 12h e das 17h às 20h, com transmissão on-line. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas neste endereço.
Criada com o objetivo de reunir pesquisadores na busca por soluções transversais para a pandemia de Covid-19, a Força-Tarefa Unicamp contribuiu diretamente para o controle da doença na região de Campinas e para o avanço das pesquisas sobre o SARS-CoV-2 no país. Por meio dela, a Unicamp foi uma das primeiras instituições públicas credenciadas pelo Instituto Adolfo Lutz para a realização de testes de detecção do coronavírus. No período, mais de 200 mil testes foram realizados em cerca de 200 municípios de São Paulo. Ações junto a comunidades periféricas e grupos vulneráveis também foram realizadas, e novas tecnologias foram desenvolvidas. Isso expandiu o potencial de atuação da Universidade para além de seus muros.
Ouça a matéria produzida pela Rádio Unicamp sobre o evento "O que falta para a pandemia acabar"
“Vamos abrir um espaço para discutir o que pretendemos a partir de agora com a Força-Tarefa, como a pandemia deve impactar nossa maneira de fazer ciência e como passaremos a lidar com problemas de saúde pública”, explica Marcelo Mori, professor do Instituto de Biologia (IB) e coordenador da Força-Tarefa. Em entrevista ao Portal Unicamp, ele faz um balanço das ações realizadas até o momento e detalha como o trabalho do grupo pode servir de modelo para o desenvolvimento de soluções eficientes para questões que afetam a sociedade.
Como a Força-Tarefa Unicamp contra a Covid-19 está trabalhando diante do atual cenário da pandemia? O que mudou ao longo desse tempo?
Nossa intensidade e nosso foco ao longo do processo mudaram bastante. Hoje temos uma pandemia muito mais controlada, então nossa atuação está mais focada em áreas específicas. Outra mudança ocorre com o retorno das atividades presenciais. A Força-Tarefa surgiu de forma voluntária e as pessoas puderam dedicar seu tempo a ela porque outras atividades foram interrompidas. Com a retomada, diminuímos a intensidade de algumas ações, mas tivemos que nos organizar para mantê-las funcionando. A perspectiva agora é profissionalizar e tornar perenes alguns dos trabalhos do grupo, da melhor maneira possível. Por exemplo, continuaremos a realizar os testes de detecção da Covid-19, inclusive para possibilitar o retorno presencial da comunidade da Unicamp. Boa parte desses testes é realizada no laboratório montado pela Força-Tarefa. Será importante trabalharmos não só para manter as testagens e assim controlar eventuais surtos de Covid-19, mas também pensando em outras doenças, tentando nos antecipar a elas. Respondemos de uma forma eficiente à Covid-19 porque já tínhamos nos mobilizado diante de outras doenças infecciosas, como o Zika. Naquela ocasião, conseguimos nos agrupar para responder às demandas de saúde, mas de forma embrionária. Com a Covid-19, a situação foi bem mais impactante, e mobilizamos mais gente. Agora o objetivo é criar uma estrutura de resposta mais articulada, profissional, perene, para que seja possível responder a outras ameaças à saúde pública de forma mais abrangente e preventiva, e controlar as doenças antes que elas se espalhem.
Então a ideia é dar continuidade às ações e à forma de trabalho da Força-Tarefa sem a urgência imposta pela pandemia?
Exatamente, não dependendo apenas do voluntarismo dos integrantes, poderemos nos antecipar e nos organizar, trabalhando com especialistas no assunto e mantendo a estrutura e a abordagem interdisciplinar. Agiremos não como resposta a uma situação emergencial, mas com uma ação contínua. Para isso, precisamos de profissionalização e de institucionalização. É claro que as epidemias e pandemias têm seu pico e arrefecem, mas elas vão continuar aparecendo. Acho que esse modelo precisa ser utilizado não apenas na saúde pública, mas também para outros problemas de interesse social com impacto socioeconômico, e que também se beneficiem da mobilização da Universidade e de respostas transversais. Por exemplo, as mudanças climáticas, a sustentabilidade, são problemas de interesse geral que podem utilizar o modelo da Força-Tarefa na busca de soluções eficientes. Não podemos esperar os problemas baterem à nossa porta, criando um impacto generalizado. Temos muita gente boa na Universidade que poderia contribuir de forma preventiva.
Percebemos que a grande inovação do modelo trazido pela Força-Tarefa é o olhar interdisciplinar, que pode ser aplicado a grandes questões. Há outros ganhos com essa dinâmica?
Também vejo uma mudança do modus operandi. Não podemos mais esperar que essas mobilizações ocorram de baixo para cima. Precisamos ter um movimento vertical para consolidar essa estrutura e torná-la contínua. Esse é o ponto crucial: se dependermos do voluntarismo, até podemos conseguir responder de forma eficiente a demandas da sociedade, mas apenas até um certo ponto. Portanto, se a Universidade quiser continuar respondendo a essas questões de forma articulada e provendo soluções interdisciplinares, ela precisa se organizar para isso.
No segundo semestre de 2020 foi criado um grupo de trabalho para discutir um modo de tornar as ações da Força-Tarefa perenes na Unicamp. Como foram as discussões?
As discussões do GT acabaram avançando na proposta de se criar um programa perene. Mas isso é algo que ainda demanda formalização. Precisamos pensar em modelos como, por exemplo, um programa especial ou um centro interdisciplinar de estudos, de controle e prevenção de doenças emergentes, usando o exemplo da Força-Tarefa como modelo de sucesso. Uma alternativa seria dar continuidade a ações descentralizadas, que fossem articuladas como uma rede. Mas isso ainda mantém a organização latente, como era antes da pandemia. Teríamos a rede formada, mas a mobilização só ocorreria quando fosse necessário. Ações pontuais devem continuar, como a manutenção do laboratório de testes. Há um grande interesse em expandir a capacidade do Cecom e do Laboratório de Patologia Clínica do Hospital de Clínicas, não só internamente, mas também para fortalecer parcerias com prefeituras. Também pretendemos dar continuidade a ações sociais em parceria com o Laboratório de Diagnósticos. As ações continuam, mas são limitadas. Temos a capacidade de fazer muito mais.
De todo o período de atividades da Força-Tarefa, quais ações você considera que tiveram maior destaque?
Acredito que cada frente teve seu destaque. Por exemplo, na frente de diagnósticos, que talvez tenha sido nosso carro-chefe, conseguimos a padronização do teste RT-PCR e sua certificação junto ao Instituto Adolfo Lutz, e assim pudemos realizar mais de 200 mil testes, em mais de 200 municípios do Estado de São Paulo. Um avanço enorme, que mobilizou voluntários e recursos de doadores, principalmente do Ministério Público do Trabalho, além de parcerias com o Instituto Butantan, governo estadual e prefeituras. Outro destaque é nossa produção científica. Publicamos cerca de 30 artigos em revistas de alto impacto, divulgando pesquisas que contribuíram em muito para entendermos como o SARS-CoV-2 entrou no Brasil, e como o sistema imunológico responde ao vírus e cria anticorpos. Também conseguimos entender melhor a forma como o coronavírus infecta tecidos para além do pulmão, por exemplo no sistema nervoso central e em células do sistema imune. Outra realização a ser mencionada, em uma área em que a Unicamp se sai muito bem, foram as parcerias, o que colaborou para desenvolvimento de um conhecimento inovador. Empresas e produtos foram gerados a partir do que foi produzido junto à Força-Tarefa e com isso conquistamos três premiações no Prêmio de Inovação Fleury em 2020. As ações sociais também são um diferencial da Unicamp. Outras universidades responderam à pandemia contribuindo de diferentes formas, mas nós demos um passo além e usamos essa mobilização para chegarmos até algumas comunidades vulneráveis. Atuamos junto às periferias da região de Campinas, comunidades indígenas, grupos LGBTQIA+ e motoristas de aplicativos.
Você acredita que a experiência da Força-Tarefa servirá como modelo de atuação para o futuro, dentro e fora da Universidade?
Acho que a interdisciplinaridade e a transversalidade do conhecimento devem ser buscadas constantemente. É muito difícil conseguirmos isso de forma espontânea. Despendemos muita energia para fomentar essas parcerias porque ainda não é algo natural. Tendemos a organizar tudo em áreas, blocos, departamentos, o que dificulta mais. Porém, o processo se torna mais fácil quando há uma organização maior, realmente interdisciplinar, abordando os problemas de forma transversal, olhando para diferentes lados e construindo a solução considerando diferentes visões. Nós nos empenhamos em fazer isso por causa da pandemia, mas foi algo que funcionou porque tivemos uma estrutura organizada para isso. A Universidade certamente iria se mobilizar, mas cada unidade faria sua parte de forma isolada. Ter uma organização que pensa de forma interdisciplinar aumenta muito nossa capacidade de encontrar soluções inovadoras.
Por fim, olhando para toda a trajetória percorrida, vocês tinham ideia da dimensão e da importância que todo trabalho teria?
Quando a Força-Tarefa teve início, tínhamos dois objetivos principais: o primeiro era padronizar o teste RT-PCR e treinar os profissionais de saúde, para atender ao maior número de pessoas. O outro objetivo era organizar nossa infraestrutura para trabalhar com o vírus SARS-CoV-2 ativo, tornando possível a realização de pesquisas. Sabíamos que haveria muita gente interessada em participar dos estudos, para testar componentes de potencial antiviral, para investigar a infecção de células, mas nossa capacidade era limitada. No entanto, rapidamente outros institutos e pessoas começaram a entrar em contato conosco, interessados em colaborar nas pesquisas, e logo percebemos a magnitude que o processo poderia alcançar. Então nos demos conta do poder de uma organização como a Força-Tarefa. Também percebemos o quanto a Universidade ganharia se mantivesse algo nesse sentido, de forma perene. Não necessariamente para a Covid-19, mas voltado a problemas de interesse social de forma geral, com uma abordagem interdisciplinar. Não achávamos que iríamos chegar tão longe, mas logo percebemos o quão poderoso é esse tipo de organização. A Força-Tarefa teve um impacto importante, mas não queremos parar por aqui. O legado dela é a organização que foi montada e a eficiência com que entregamos nossas realizações simplesmente unindo pessoas de diferentes áreas, com foco único. Só descobrimos isso depois que ela tinha acontecido, o potencial só ficou evidente quando vimos que é possível agregar muita gente competente da Universidade e trabalharmos por soluções que podem ser aplicadas na sociedade de forma rápida.