Produzir pesquisas e atividades conectadas à realidade social é uma das razões de ser das universidades públicas. Mas apesar de responsáveis por grande parte da produção de conhecimento e pela solução de problemas da sociedade, nem sempre as atividades das instituições universitárias são conhecidas mais amplamente. É a partir dessa necessidade que surge a divulgação científica. Ela visa aproximar o meio acadêmico a um público não especializado. Na Unicamp, iniciativas como o podcast da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), “Prato de Ciência”, e o programa “A Física na Cozinha”, da pós-doutoranda em Física Maria Eugênia Brollo, buscam essa conexão.
Ambos os projetos levam em consideração a necessidade de uma linguagem acessível, que faça parte do cotidiano de um público mais amplo. A importância de difundir as pesquisas realizadas na universidade também permeia essas iniciativas, especialmente em um contexto de restrições orçamentárias e de ataques negacionistas às instituições públicas ligadas à ciência.
“A ciência deve resolver problemas e demandas da sociedade”
O "Prato de Ciência" é um podcast da FEA que aborda temas relacionados aos alimentos. O podcast tem a intenção de aproximar um pouco mais a academia da sociedade, principalmente porque na FEA temos uma responsabilidade muito grande, já que somos a principal Faculdade de Engenharia de Alimentos da América Latina e acabamos sendo referência para pesquisadores da área de alimentos”, explica Ana Augusta Xavier, pesquisadora da FEA e integrante da equipe responsável pelo podcast.
Considerando essa responsabilidade, diz Ana Augusta, o Prato de Ciência tenta aproximar conhecimentos da área de alimentação a demandas sociais. O episódio de estreia, por exemplo, foi sobre a fome, realidade que atinge 20 milhões de brasileiros. “A ciência deve resolver problemas e demandas da sociedade, então acho que contribuímos expondo o que está acontecendo e o que já está sendo feito dentro da Universidade. E conseguimos ter o retorno da sociedade com problemas que ainda estão em aberto”, salienta a pesquisadora.
O projeto se distribui em quatro quadros: Prato de Ciência, Petiscos, Arroz com feijão e Direto do Forno. Eles variam em tempo de duração e proposta, englobando programas temáticos, aulas, comentários e apresentação de pesquisas desenvolvidas na FEA, visando também dar visibilidade ao curso de Engenharia de Alimentos.
Ana Augusta, que além de doutora em Ciência de Alimentos também tem especialização em Jornalismo Científico pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp, pontua que o podcast visa aliar o rigor científico a uma linguagem cotidiana, diminuindo a distância entre o mundo acadêmico e o não acadêmico. Esse esforço, diz, acaba também enriquecendo a formação dos alunos e servidores envolvidos. “Criamos o projeto com a intenção de chegar à sociedade, mas nós também acabamos aprendendo. A extensão é uma via de mão dupla, a gente interfere na formação dos alunos, pelo processo de busca de novas linguagens, de aproximação com temas com os quais eles talvez ainda não tivessem tido contato, e acaba transformando quem está trabalhando no projeto também”.
O projeto “Prato de Ciência” é financiado pela Pró-reitoria de Extensão e Cultura (PROEC) da Unicamp e coordenado por Anderson Sant’Ana, professor da FEA . Os podcasts estão disponíveis nos principais agregadores. O roteiro dos episódios é disponibilizado em formato de texto na página do projeto, favorecendo a acessibilidade aos conteúdos.
A equipe envolvida na produção hoje é composta por cerca de 10 pessoas, entre servidores docentes e técnico-administrativos, alunos de graduação e de pós-graduação. Ela está aberta a novos membros, e sugestões de temas podem ser enviadas aos produtores. O contato pode ser feito através do e-mail: pdccast@unicamp.br
“A ciência não precisa ser chata nem maçante”
O projeto “A Física na Cozinha”, da pós-doutoranda em Física e confeiteira Maria Eugênia Brollo, é uma iniciativa em audiovisual, veiculada no Youtube, que une procedimentos culinários a ensinamentos na área da Física. “A cozinha e os laboratórios são muito parecidos. Eu queria mostrar que a Física não está tão longe da gente, está até na cozinha”, afirma a pesquisadora, que aliou sua experiência na academia com uma tradição familiar na área de confeitaria.
Nos episódios são preparadas receitas e Maria Eugênia explica, de forma didática, os processos físicos e químicos envolvidos na preparação. Também é explicado o funcionamento de utensílios de cozinha, como a panela de pressão. “A ciência não precisa ser chata nem maçante”, reflete a pesquisadora. Os conteúdos escolares que mais ficam gravados na memória, diz, são geralmente aqueles que envolvem experimentos práticos, e é isso que ela buscou levar para o programa.
Para transformar processos complexos em conteúdos acessíveis, um dos principais desafios enfrentados é a linguagem. As simplificações, pondera Maria Eugênia, nem sempre são bem aceitas no meio acadêmico, mas são importantes para a circulação do material. “Há preconceito com a simplificação da linguagem, mas acredito que ela é essencial. Você tem que modificar a linguagem para informar. É importante você conseguir se comunicar e adaptar as palavras, deixá-las mais fáceis de serem digeridas num vídeo de divulgação científica”.
Iniciativas de divulgação científica, conforme a pós-doutoranda, ajudam a expor as pesquisas e iniciativas das universidades, que nem sempre são conhecidas. “Há muitas pesquisas incríveis dentro da universidade que deveriam ser mais bem divulgadas. O papel da universidade é intrínseco à sociedade e a sociedade deveria olhar para a universidade como uma fonte confiável de informação”.
O quadro “A física na Cozinha” estreou com um episódio sobre a pipoca, em que Maria Eugênia explica os processos envolvidos na transformação do grão de milho. Outros episódios já estão disponíveis no canal do Youtube Spectrum BSB e todas as quintas-feiras estreiam novos conteúdos.