A Escola Estadual Dom João Nery, localizada no Jardim Chapadão, em Campinas, abriga quatro projetos do Pibid (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência) com a atuação de docentes e alunos da Unicamp. Foi em função dessa parceria que Ivan Mariano, professor de química dessa escola de Ensino Médio e integral, convidou a professora Silvia Santiago, da Diretoria Executiva de Direitos Humanos (DeDH-Unicamp), para participar de uma semana de atividades relacionadas ao dia da Consciência Negra. Acompanhada por Janaína Alves da Hora e Messias Loiola, alunos negros do curso de Medicina, a professora Silvia conversou no dia 17 com cerca de 200 estudantes sobre educação, racismo e a política de cotas raciais.
Ao compartilhar com os jovens a história de seu ingresso, nos anos 1970, no curso de medicina da Unicamp, a professora Silvia lembrou das dificuldades e desafios de ser umas das poucas alunas negras na Universidade. “Eu sabia que estava entrando em um mundo completamente novo, um ambiente branco e racista”, disse. Segundo ela, o racismo tenta estabelecer um valor para a vida das pessoas, um valor relacionado à cor de sua pele, como se as pessoas de pele negra valessem menos. “É preciso que cada um de nós reconheça seu próprio valor e lute para que ele seja reconhecido. Esta é uma luta no campo do pensamento e das convicções, por isso a educação e a escola são tão importantes, para nos fortalecer nesta disputa intelectual”, afirmou. Silvia destacou também a necessidade de ampliar as discussões sobre racismo nas escolas e sugeriu aos alunos a leitura de autores africanos, como o filósofo e professor camaronês Achille Mbembe. “Isso é fundamental para entendermos o racismo como uma construção ideológica, com uma dimensão fortemente ligada ao desenvolvimento econômico colonial”, acrescentou.
Uma luta de todos – Para ela, nesta luta não há um vencedor, mas por meio dela toda a comunidade avança. Na escola e na universidade é possível criar ações comunitárias que ajudem a preservar a vida de todas as pessoas. “Por isso precisamos de todos vocês na Unicamp, porque só com diversidade conseguiremos encontrar soluções para os problemas sociais que vivemos”, pontuou.
Messias Loiola também enfatizou a importância da educação em sua trajetória até o curso de medicina na Unicamp. Ele lembrou que uma Iniciação Científica ainda no Ensino Médio lhe permitiu perceber as muitas possibilidades que existiam para ele, independentemente das barreiras impostas pela classe social e pela cor da pele. “Mesmo depois o ingresso os desafios continuam Sofremos preconceito por sermos negros e também por sermos pobres. Há um estigma do cotista”, disse. Ele destacou a importância dos programas de permanência na Universidade. “A Unicamp, como universidade pública, tem o dever de garantir que alunos com poucos recursos tenham condições de concluir seus cursos”, complementou.
Dados do IBGE mostram que 54% da população brasileira é negra. “Onde estão estas pessoas?”, questionou Janaina Alves, do primeiro ano do curso de Medicina da Unicamp. “Tive um choque na minha primeira aula de anatomia quando vi que a maioria dos corpos deitados nas macas eram de pessoas negras, enquanto a maioria dos alunos eram brancos. Perguntei-me que história as levou até ali”, contou.
Essa poesia é sobre respeito quem disse pra você que branco é melhor que o preto
Hahaha se liga nessa parada após anos de escravidão eu ainda sinto a chicotada,
Mas pra vocês é tudo vitimismo alguns são loucos de falar que não existe o racismo,
Em um país que a cada 23 minutos morre um jovem negro, me diz porque eu sempre sou parecido com o suspeito ...
Agora pensa na maldade, se morre um negro a cada 23 minutos nem dá tempo de chegar na faculdade.
Aluno do segundo da escola Dom João Neri, Kauã Henrique Gonsales declamou os versos acima depois de contar que havia perdido um amigo na semana anterior, baleado pela polícia. “A questão racial é urgente, são vidas que estão sendo perdidas”, disse Janaína. Ela mencionou a importância das cotas para mudar este cenário. “A educação transforma as pessoas e as histórias”, completou. “Abrir caminhos é doloroso, mas também é muito satisfatório saber que somos parte de uma mudança social importante. A Unicamp também é de vocês e vai receber vocês”, finalizou Messias.
Um dos diretores do cursinho popular Zilda Arns, iniciativa dos alunos do curso de Medicina da Unicamp, Messias lembrou que as inscrições para o cursinho estão abertas até o dia 28 de novembro.
A aprovação da adoção de cotas étnico-raciais para ingresso nos cursos de graduação da Unicamp ocorreu em novembro de 2017, pelo Conselho Universitário da Unicamp (Consu), após ampla discussão no âmbito da Universidade. Para ingresso em 2022, estão reservados 25% do total de vagas aos(às) candidatos(as) autodeclarados(as) negros(as) (pretos[as] e pardos[as]).
A visita da professora Silvia Santiago e dos alunos da FCM foi parte de série de atividades relacionadas à Semana da Consciência Negra que aconteceram na Escola Estadual Dom João Nery, e que contou com o envolvimento de professores de todas as disciplinas. Além da roda de conversa sobre racismo, os alunos organizaram uma exposição de arte, um sarau e uma oficina sobre cozinha africana.