Trabalhadores reivindicando terra e moradia, movimentos em defesa dos índios, dos negros e das mulheres ocupam um papel central na contemporaneidade. Objeto frequente de pesquisas da Sociologia, os movimentos sociais se manifestam por meio de declarações, slogans, convocatórias, assembleias, entrevistas. O que os estudos da linguagem têm a dizer sobre os discursos desses movimentos? Qual o lugar da linguagem nas relações sociais e qual sua influência nos processos de mudança social? O linguista Teun van Dijk discutiu esses temas em um seminário realizado na última quinta-feira (3/3) no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). Professor da Universidade Pompeu Fabra (Barcelona) e diretor do Centro de Estudos do Discurso, van Dijk é o idealizador dos “Estudos Críticos do Discurso” (ECD), abordagem de cunho multidisciplinar voltada para a teoria e a análise crítica da reprodução discursiva do poder. “O discurso controla as mentes e quem controla as mentes, controla indiretamente a ação”, escreve em Discurso e poder, publicado no Brasil em 2010 pela Editora Contexto.
Analisar criticamente um discurso possibilita descortinar práticas de sujeição, humilhação e dominação do outro. Um exemplo é o uso da palavra “onda”, usada na mídia para se referir aos refugiados. Segundo o linguista, essa metáfora associa a chegada de refugiados a uma grande quantidade de água, que pode nos afogar. “Isso não é arbitrário, é uma maneira de comunicar perigo. Trata-se de uma estrutura cognitiva muito precisa para gerar medo”, apontou.
Referência mundial da análise crítica do discurso, van Dijk tem se debruçado sobre os discursos dos movimentos sociais. “Tenho buscado compreender os discursos da resistência, como o de movimentos feministas, antirracistas, como o Vidas negras importam, e em defesa de refugiados”. Para ele, todo discurso produzido no contexto de um movimento social é um discurso ideológico. Por isso cabe identificar categorias como: 1. Quem somos (identidade); 2. O que fazemos; 3. Por que fazemos; 4. Quais os nossos valores e 5. Quem são nossos inimigos. Por exemplo, um panfleto do Vidas negras importam aponta o Estado como o inimigo e o combate à violência infligida por ele como o foco da luta do movimento (o que fazemos).
Leia a seguir uma entrevista com o professor van Dijk.
Jornal da Unicamp: O que há de característico no discurso dos movimentos sociais?
Teun van Dijk: Existe um repertório enorme de discursos de movimentos sociais, como manifestos, slogans, programas e muito mais. Cada tipo de discurso tem seu próprio contexto comunicativo, temas, formato global, léxico e estratégias discursivas. Muitos são textos de resistência, com identificação dos movimentos, seus objetivos, normas e valores e, sobretudo inimigos, oponentes e formas de abuso de poder.
Portal da Unicamp: Qual a relação dos estudos discursivos e cognitivos sobre movimentos sociais com os estudos sobre outros fenômenos sociais, como o racismo e o antirracismo?
Teun van Dijk: O movimento antirracista é um macro-movimento social. Meus livros sobre o discurso antirracista no Brasil, Europa e Estados Unidos são contribuições ao estudo do seu discurso. Meu livro em preparação é sobre as estruturas de vários tipos de discurso de movimentos sociais, com um estudo de caso do movimento Refugees Welcome em 2015-2016.
Portal da Unicamp: Você observou em seus estudos semelhanças e diferenças entre movimentos sociais nacionais e transnacionais?
Teun van Dijk: A maioria dos movimentos sociais são nacionais, protestando contra abusos de poder no país, como o Movimento Sem Terra no Brasil. Eles destacam a desigualdade, a opressão e a pobreza no âmbito nacional. O movimento da Abolição no Brasil era internacional, tendo recebido a colaboração do movimento na Inglaterra e EUA. Os movimentos feminista e antirracista são internacionais, com variantes sociais e culturais nacionais.
Portal da Unicamp: Em seus estudos, você observou semelhanças e diferenças entre movimentos sociais de natureza mais ou menos progressista?
Teun van Dijk: Até hoje só estudei movimentos progressistas, mas, claro, há movimentos reacionários, de extrema direita, inclusive contra o governo instituído, mas com defesa dos poderes tradicionais de homens brancos de classe média: sexualidade e matrimônio tradicional, etc. Sua ideologia é oposta aos ideais progressistas, com valores, inimigos etc. opostos. São bem conhecidos por seus discursos de ódio contra feministas, gays, imigrantes, minorias etc.
Portal da Unicamp: O que seus estudos do discurso indicam em relação à estrutura e ao funcionamento da cognição social?
Teun van Dijk: Neste momento limito minha pesquisa às estruturas discursivas dos movimentos sociais: cognição, conhecimentos e ideologias dos movimentos sociais serão tema de um livro futuro, em que também espero tratar do papel das emoções, dos modelos mentais pessoais e das atitudes de grupo em relação à imigração, aborto e outros tema que são parte do debate nacional e internacional.
Retorno das atividades acadêmicas presenciais no IEL
O seminário, que aconteceu em formato híbrido, abriu as atividades presenciais no IEL. O evento foi organizado pelo grupo de pesquisa COGITES (Cognição, Interação e Significação), coordenado pela professora Edwiges Morato, e pelo centro de pesquisas Margens, coordenado pela professora Anna Christina Bentes. Van Dijk tem pesquisas sobre racismo discursivo, mídia, ideologia, conhecimento e contexto. “A presença de van Dijk no IEL nos lembra da importância de uma análise de discurso que seja relevante, que faça sentido para as pessoas, para o campo social e a cultura como um todo”, disse Edwiges. Ela lembrou que os estudos da linguagem voltados para a compreensão de fenômenos humanos complexos, como os movimentos sociais, impulsionam o conhecimento sobre a relação entre linguagem e cognição, em que intervêm a cultura, a história, a ideologia e os regimes simbólicos da vida em sociedade.
O diretor associado do IEL, Petrilson Pinheiro, destacou que o aprendizado obtido durante o período da pandemia possibilitou organizar eventos híbridos como o seminário do professor Teun. “Embora tenhamos que manter os protocolos de distanciamento, uso de máscara e álcool em gel, é algo histórico que esse seminário nos traga de volta a uma sala de aula, reforçando a importância da universidade como um espaço de encontros e convivência social”, disse.