Em seu discurso de agradecimento ao Prêmio Nobel de Literatura de 2021, Abdulrazak Gurnah dedicou a láurea aos refugiados - pessoas que procuram abrigo, seja humanitário, econômico ou político. Natural de Zanzibar (hoje Tanzânia), Gurnah observa que os refugiados nunca chegam a outros países de mãos vazias, sem nada para oferecer, apesar dos inúmeros problemas que enfrentam. Ele, Nadine Gordimer, Nobel de 1991, e Tayeb Salih são os primeiros autores contemplados pelo Projeto 'Literatura entre Fronteiras' (África), lançado em 21 de março no Instagram da Cátedra Sérgio Vieira de Mello.
"A temática do refúgio e da viagem é bastante presente nos autores da África Subsaariana. Gurnah, que chegou ao Reino Unido como refugiado, dedica boa parte de sua obra à questão das migrações internas ao continente africano, da costa para o interior, bem como do hemisfério sul para o hemisfério norte", explica a curadora do projeto, professora Elena Brugioni.
Em 2017, atendendo a uma demanda dos alunos, uma nova área foi criada no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), e a docente tornou-se responsável pelas disciplinas de literaturas africanas e estudos pós-coloniais. Ela pesquisa autores de várias origens, inclusive dos países africanos de língua oficial portuguesa, sobre os quais já existem estudos consolidados no Brasil. "Trabalho em uma linha comparatista, com literaturas em línguas diversas, que podem ser lidas no original ou em tradução. À época do Nobel de Gurnah, fui procurada por muitos jornais e revistas, já que seu nome aparece em meus projetos de pesquisa. Percebi que estávamos lidando com um ilustre desconhecido, alguém ainda não publicado no Brasil. Mas aparentemente a Companhia das Letras se apressou em adquirir os direitos de publicação de sua obra e em breve teremos um dos seus livros acessíveis ao público brasileiro."
Segundo Brugioni, surgiu naquele momento a ideia de promover obras africanas menos conhecidas e marcadas por uma temática tão importante e atual como a do refúgio e da viagem. “Vamos começar com By the Sea (Junto ao Mar, 2001), de Gurnah, um pouco para celebrar o Nobel, e seguiremos com autores de trajetórias, línguas e países diversos, produzindo conteúdos a serem divulgados no Instagram.”
A ideia é produzir informações de acesso imediato, a fim de despertar o interesse do público, sobretudo entre jovens e estudantes. “Seria interessante estabelecer um envolvimento maior entre a Cátedra Sérgio Vieira de Mello e os estudantes da Unicamp, mas também com o público em geral, no Brasil e no exterior. Daí a escolha do Instagram, uma mídia social capaz de alcançar públicos diversos, com grande facilidade."
A Cátedra Sérgio Vieira de Mello como refúgio
A Unicamp mantém um acordo com a Agência da ONU para Refugiados, que resultou na implementação da Cátedra Sérgio Vieira de Mello, presidida pela professora Ana Carolina Maciel. "Temos ações de acolhimento a estudantes em condições de refúgio, políticas de permanência e atividades de extensão. Aí se insere o projeto de divulgação de autores refugiados, cujas obras são ainda pouco conhecidas no Brasil. Tendo o tema do refúgio como linha mestra, tais ações permitem expor o drama dos deslocamentos forçados a um público mais amplo”, afirma Maciel.
”Nas primeiras décadas deste século enfrentamos um drama humanitário. Segundo o último levantamento da ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados), havia 82,4 milhões de pessoas deslocadas no mundo; com as atuais crises humanitárias do Afeganistão e da Ucrânia, infelizmente esse número aumentou vertiginosamente".
Para Maciel, são necessárias políticas de acolhimento para essa população, mas também de divulgação, já que os refugiados, na maior parte das vezes, não têm acesso à palavra. "Os autores abordados no projeto ajudam a entender o significado de ser refugiado pelo viés da literatura de cunho autobiográfico, com toda a subjetividade que isso implica”, disse.
Primeiros autores do projeto "Literatura entre Fronteiras"
Nadine Gordimer, Prêmio Nobel em 1991, escreveu mais de 30 livros, em sua maioria romances, contos e crônicas, sobre a deterioração social que afetou a África do Sul durante o regime do apartheid. Um dos seus textos de destaque é o romance O engate (The Pickup), de 2001, publicado no Brasil pela Companhia das Letras. Ela faleceu em Joanesburgo, em julho de 2014.
Tayeb Salih explora a temática da colonização africana e suas repercussões em personagens que vagueiam entre dois mundos, o dos refugiados e o dos cidadãos locais, seja na Inglaterra ou no Sudão. Tempo de migrar para o norte (Mawsim al-Hijra ila ash-Shamal), de 1966 (publicado pela Editora Planeta), foi considerado pela Academia Árabe de Damasco o mais importante romance árabe do século XX.
Para conhecer o projeto “Literatura entre fronteiras", acesse o Instagram da CSVM