A Unicamp promove em 2022 a primeira edição da Escola de Verão Brasileira na Grécia. A proposta é propiciar uma imersão na cultura grega para alunos, pesquisadores e professores de estudos clássicos, arqueologia, história e filosofia. Eles poderão ter contato com a cultura material da Grécia antiga visitando museus, acervos históricos e santuários e participando ativamente de uma escavação arqueológica no mar Egeu.
A Escola de Verão Brasileira na Grécia é uma iniciativa do Instituto de Estudos Avançados (IdEA), em parceria com o arqueólogo Yannos Kourayos, curador do Museu Arqueológico de Paros, e conta com o apoio do Programa de Pós-graduação em Linguística do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), do Ministério das Relações Exteriores e da Embaixada do Brasil em Atenas. Neste ano, o tema será “Inovação e Tradição em Paros Arcaico”. Serão abordados diversos aspectos da cultura, arte e religião da civilização da ilha de Paros, no arquipélago das Cíclades.
A Unicamp sediará a etapa inicial das atividades com um ciclo de palestras da arqueóloga Erica Angliker, do Danish Institute of Mediterranean Studies (Diomedes), intitulado “Inovação e Tradição no Período Arcaico Grego: História, Arte e Arqueologia”. As palestras serão realizadas nos dias 18, 19 e 20 de abril, na sede do IdEA.
Segundo Angliker, a ideia é fornecer aos participantes um conhecimento básico sobre o período arcaico, entre 700 a.C. e 480 a.C., notadamente quanto à cultura material. Os organizadores esperam que, além de estudantes de arqueologia, a programação atraia pesquisadores de arte, filosofia, história e literatura, entre outras áreas afins. No segundo semestre haverá uma exposição de fotografias do sítio arqueológico de Despotiko, com imagens dos artefatos encontrados na pequena ilha e do trabalho de campo dos pesquisadores brasileiros.
“O curso será basicamente sobre o período arcaico, principalmente do ponto de vista material, incluindo os templos e a criação das cerâmicas.” Depois do colapso da sociedade micênica na Idade do Bronze, entre 1200 e 1150 a.C., as narrativas pictográficas desapareceram, provocando um hiato de um século, explica a arqueóloga. O renascimento dessas narrativas, manifestadas na arte figurativa, ocorreu no período arcaico das Cíclades, principalmente em Paros, o que confere à região importância vital para os estudos arqueológicos. Como os documentos textuais da Antiguidade são omissos sobre a vida na ilha de Despotiko, mantida sob a administração de Paros, a cultura material revelada nas escavações adquire um peso histórico ainda maior.
Programação na Grécia
A Escola de Verão enviará um grupo de professores e pós-graduandos da Unicamp para uma temporada de três semanas a partir de junho de 2022, para aprofundamento dos estudos em Atenas, Paros, Delos e Naxos, e para escavações no sítio arqueológico de Despotiko. Em 2000, Yannos Kourayos começou a promover escavações sistemáticas em Despotiko, onde descobriu as ruínas de um santuário dedicado a Apolo, além de mais de 20 edificações e uma grande coleção de artefatos. A reconstrução do santuário e demais construções do período arcaico começou em 2014 com o objetivo de constituir um parque arqueológico que possa reacender o interesse pela cultura das ilhas Cíclades.
Despotiko é uma ilha desabitada, com menos de oito quilômetros quadrados e sem qualquer tipo de infraestrutura, o que eleva o grau de dificuldade do trabalho de campo. A equipe precisa hospedar-se na ilha vizinha, Antiparos, que, por ser um destino turístico, conta com rede hoteleira e de alimentação apenas nas férias do verão europeu. Além disso, os organizadores devem evitar o período de alta temporada, quando os preços ficam muito altos, limitando o período de escavação aos meses de maio e junho. Uma das características do trabalho coordenado por Kourayos é a intensa participação de pesquisadores voluntários, boa parte sem experiência em escavações.
A professora Isabella Tardin Cardoso, uma das organizadoras da Escola de Verão e coordenadora adjunta do IdEA, destaca a relevância do contato com a arqueologia para pesquisadores não necessariamente ligados à investigação da cultura material. “É essencial para quem estuda textos e línguas antigas ter uma noção dos meios de transmissão desses textos, isto é, os objetos, as inscrições, os papiros, entre outros instrumentos da escrita”, afirmou Tardin, que é docente do IEL.
Os estudos clássicos, seguindo uma terminologia norte-americana, contemplam a pesquisa de textos produzidos na Antiguidade, principalmente pelas civilizações romana e grega, mas englobando também outras civilizações e idiomas, como a indiana e o sânscrito, esclarece a professora de latim do IEL. Na Europa, essa área é conhecida como filologia clássica.
Dadas as restrições impostas pela pandemia da Covid-19, um número limitado de pessoas poderá participar das escavações. Isso obrigou os organizadores a realizar uma seleção dos candidatos pelo currículo. Integrando o grupo de cerca de dez brasileiros, os professores Patrícia Prata e Flávio Oliveira, do IEL, irão proferir palestras em Atenas e Paros para os demais integrantes, principalmente alunos de pós-graduação.
A equipe científica de Despotiko é chefiada por Kourayos – que também exerce o cargo de ministro regional do Ministério da Cultura e Esporte da Grécia em Paros –, com apoio da arqueóloga Kornilia Daifa. “Penso que é uma grande oportunidade para os brasileiros terem contato com os arqueólogos gregos no sítio e participarem de uma das melhores escavações existentes atualmente na Grécia”, estimou Kourayos em entrevista ao Portal da Unicamp.
Daifa informa que a maioria dos patrocinadores das escavações e reconstruções é privada. As grandes proporções do sítio de Despotiko inviabilizariam o trabalho arqueológico de um grupo pequeno, demandando um novo modelo, aberto a contribuições externas para o trabalho de campo. “Somos muito abertos a colaborações, elas são muito úteis para o sítio e para nós”, afirmou Kourayos. Nessas duas décadas, a equipe recebeu voluntários dos Estados Unidos, Itália e Reino Unido, mas também da Argentina, Brasil, Alemanha e França. “Sem os voluntários, Despotiko não teria tido o progresso que teve”, defendeu Daifa.
Expectativa de fomento à pesquisa
Radicada em Londres, a arqueóloga brasileira Erica Angliker promove desde 2017 um trabalho de intercâmbio com pesquisadores do Brasil nas escavações de Despotiko, mas sentia a necessidade de aperfeiçoar o modelo segundo os moldes adotados pelas escolas de verão de universidades norte-americanas e europeias. Como uma das organizadoras, sua proposta é oferecer uma formação a esses alunos e pesquisadores. “Despotiko é um santuário com muito material a ser estudado. O objetivo é que possa haver pessoas com interesse em continuar nessa área para, por exemplo, escrever Teses ou Dissertações baseadas nos materiais.”
Despotiko é considerada uma das dez descobertas arqueológicas mais importantes dos últimos 15 anos na Grécia devido, entre outros fatores, ao impacto que suas descobertas produziram na formulação de teorias históricas, apontou a pesquisadora.
Graduada em Filosofia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e mestre em Linguística pelo Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, Angliker está de volta para um pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em História do IFCH. Ela também integra o Centro de Teoria da Filologia (CTF), grupo de estudos recentemente integrado à estrutura do IdEA e coordenado pela professora Isabella Tardin. Segundo a arqueóloga brasileira, nos últimos dez anos está surgindo um interesse acadêmico intenso em visões menos centradas em Atenas e na Ática, regiões mais comumente estudadas pelos pesquisadores de letras clássicas.
As inscrições para as três manhãs de palestras, no modelo híbrido – parte dos alunos no modo presencial e parte no remoto –, estão abertas no site do IdEA. As palestras, em português, são voltadas para alunos e pesquisadores da Unicamp e de outras instituições, mediante inscrição, com vagas limitadas. Será obrigatória a apresentação de comprovante de vacinação da Covid-19, de acordo com as normas da Unicamp.