Em uma iniciativa inédita entre as universidades brasileiras, a Unicamp lançou nesta quarta-feira (27) o programa "Refúgio Acadêmico", voltado para o acolhimento humanitário de professores, pesquisadores e estudantes que vivem em regiões conflagradas do planeta.
De acordo com a professora Ana Carolina Maciel, presidente da Cátedra Sérgio Vieira de Mello (CSVM/ACNUR), a ideia é promover o acolhimento por meio de bolsas de iniciação científica, mestrado, doutorado e de professor visitante.
O programa, que vem sendo elaborado desde o ano passado, poderá ser viabilizado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa), que lançou um edital no valor de R$ 20 milhões para pesquisadores em situação de risco.
"Tão logo implementarmos as bolsas, poderemos receber os pesquisadores. Eles irão contar com toda a estrutura do Programa Refúgio Acadêmico para desenvolver aqui suas atividades", afirmou ela.
O Plano de Ação do Programa, apresentado nesta quarta-feira (27) a dirigentes e representantes de órgãos da universidade, prevê sete etapas, entre as quais a mobilização da rede de contatos internacionais da Unicamp para cadastro de interessados e a articulação de redes locais de suporte para a integração do refugiado (ver abaixo).
Mais amplo
Ana Carolina Maciel lembra que o Programa de Refúgio Acadêmico se insere em um histórico de acolhimento de estrangeiros por parte da universidade.
"Desde a sua origem, a Unicamp vem recebendo docentes e pesquisadores estrangeiros. Com o agravamento das atuais crises humanitárias, as demandas vêm crescendo. Nosso programa vem institucionalizar essa vocação, organizando detalhadamente as frentes para o acolhimento de pesquisadores em situação de risco", afirmou.
“O Programa ampliará algo que já vem sendo desenvolvido pela Cátedra Sérgio Vieira de Mello, o processo de ingresso facilitado para alunos em condição de refúgio", acrescenta.
O Programa Refúgio Acadêmico engloba a Cátedra Sérgio Vieira de Mello/ACNUR, a Diretoria Executiva de Direitos Humanos e o Gabinete da Reitoria. "É uma construção conjunta, que envolve toda infraestrutura da universidade para acolher devidamente estudantes, pesquisadores e docentes em condição de refúgio".
O documento contou com a colaboração de representantes do Hospital das Clínicas, do Centro de Saúde da Comunidade (Cecom), SAPPE (Serviço de Apoio Psicológico e Psiquiátrico), SAE (Serviço de Apoio ao Estudante), Cátedra Sérgio Vieira de Mello ACNUR/Unicamp e Diretoria Executiva de Direitos Humanos.
"Quando iniciamos esse processo, em agosto de 2021, tratava-se de algo inédito no Brasil. Desde então, fomos procurados por colegas de várias instituições e estamos reunindo forças para que o Refúgio Acadêmico se dissemine no país”, concluiu.
Repercussão
"Esse é um programa fundamental", disse a professora Adriana Ferreira, chefe adjunta de Gabinete do Reitor, e que representou Antônio José de Almeida Meirelles na solenidade.
"Um programa assim torna a universidade melhor, mostra que podemos conviver com a diferença e sela nosso compromisso com a inclusão", acrescentou.
Membro da comissão assessora da Cátedra e integrante do grupo de trabalho que elaborou o programa, Omar Thomaz disse que ações desse tipo não podem ficar apenas nas mãos do Estado. "A universidade tem aí um papel essencial", disse.
Segundo ele, a história da Unicamp está associada à solidariedade, mas o programa define a hospitalidade a partir de uma nova perspectiva.
"Não se trata de um exercício de generosidade, tampouco buscamos algum tipo de reconhecimento ou gratidão. Hospitalidade é um direito", afirmou.
Refugiado
O programa de internacionalização da Unicamp conta hoje com 480 alunos estrangeiros na graduação e 908 na pós-graduação, provenientes de 71 países, 15 deles refugiados de diversas nacionalidades.
No Brasil desde 2013, o sírio Nour Koeder, de 30 anos, ingressou em 2020 em Artes Cênicas na condição de refugiado. Ele relata dificuldades com a língua, a regularização de documentos e com a própria sobrevivência no país.
"A Unicamp foi fundamental para mim. Minha vida melhorou muito depois que consegui uma vaga aqui", afirmou. "Precisamos agora divulgar o Programa, pois muitas pessoas com as mesmas dificuldades ignoram essa possiblidade", afirmou.
Imigrantes
O grupo que elaborou o Programa lembra que houve dois grandes deslocamentos de imigrantes para o Brasil: o primeiro entre 1880 e 1930, o segundo a partir dos anos 2000, intensificado nos anos 2010. Incluem-se nessa onda mais recente os imigrantes definidos como refugiados ou solicitantes de refúgio, situação que vem alterando a posição do país no contexto global do refúgio. Em 2019, pela primeira vez, o Brasil figurou entre os 10 países com mais solicitantes de refúgio no mundo.
Veja o Plano de Ação do programa Refúgio Acadêmico
1 - Pleitear política de concessão de vistos humanitários e autorização de residência para acadêmicos.
2 - Mobilizar a rede acadêmica de contatos internacionais da Unicamp para realizar levantamento e cadastro dos interessados no programa.
3 - Elencar o perfil dos selecionados segundo os critérios do programa. Levantar dados sobre necessidades específicas do grupo refugiado, como renda, língua de domínio, composição de núcleo familiar.
4 - Buscar convênios com agências de fomento acadêmico para a concessão de bolsas de estudos, mestrado, doutorado, pós-doutorado e de professor visitante.
5 - Orientar os interessados nas vagas sobre procedimentos para a obtenção de vistos, segundo critérios estabelecidos pelo governo federal e Itamaraty.
6 - Buscar apoio para translado aéreo internacional e local, se necessário, e acolhida inicial em alojamento temporário, hotel ou similar e posterior locação de imóveis para uso residencial do refugiado e familiares.
7 - Mapear e articular redes locais de suporte visando facilitar a comunicação e os trâmites para integrar o refugiado e familiares às políticas públicas de acesso à educação, assistência jurídica e de saúde, além dos acessos já disponibilizados na estrutura da Unicamp.