A Unicamp realizou nesta quinta-feira (28/4) a cerimônia de entrega do título de Professor Emérito a Bernardino Figueiredo, docente, pesquisador e ex-diretor do Instituto de Geociências (IG). Familiares e amigos do professor prestaram homenagem aos 39 anos de carreira acadêmica na Unicamp, a seu pioneirismo na implantação dos cursos de graduação e pós-graduação do IG e sua luta pela democracia e pela preservação do planeta. A proposta de concessão do título, encaminhada pelos professores Álvaro Crosta, Carlos Roberto Filho e Jacinta Enzweiller, foi aprovada pelo Conselho Universitário (Consu) em 30 de novembro de 2021.
"Vou seguir o conselho de meu neto para que eu falasse aqui com o coração. A Unicamp é muito importante para todos nós. Agradeço a todos por essa homenagem", sintetiza Bernardino. A cerimônia foi conduzida pelo reitor Antonio José de Almeida Meirelles, acompanhado da Coordenadora-Geral Maria Luiza Moretti. Participaram da solenidade os professores Marcio Cataia, diretor do IG; Jacinta Enzweiler, docente do IG e madrinha de Bernardino; Guilherme Figueiredo, filho do homenageado e docente da Universidade do Estado do Amazonas, que representou o professor José Seixas Lourenço, professor da Universidade Federal do Pará e padrinho do novo professor emérito, e Leda Gitahy, professora do IG e esposa de Bernardino.
Interdisciplinaridade como objetivo
Bernardino ingressou na Unicamp em 1980 e foi um dos pioneiros na criação do Instituto de Geociências, juntamente com o professor Amílcar Herrera, fundador da unidade. Ao longo de sua carreira, incentivou a interdisciplinaridade na formação dos estudantes do IG, o que se refletiu na criação dos cursos de graduação em Geografia e Geologia e nas pesquisas realizadas nos programas de pós-graduação.
"Conheci Bernardino em 1998, quando ele coordenava os seminários que promovemos para a elaboração dos cursos de Geologia e de Geografia. Naquele momento, nasceu em mim um profundo respeito por ele, especialmente por sua capacidade de coordenação de diferentes grupos em um projeto inovador, que propunha algo que a Universidade ainda não conhecia", lembra Márcio Cataia. Ele também é reconhecido pela responsabilidade social que atribuía a seu trabalho. "Entre os aprendizados que tive com Bernardino dos quais sempre me recordo, está o compromisso do pesquisador em comunicar seus achados científicos com interesse social imediato, sempre de forma responsável e ética", conta Jacinta Enzweiler.
Em 2001, seu livro Minérios e Ambiente foi classificado entre os dez melhores títulos na categoria Ciências Exatas, Tecnologia e Informação pelo Prêmio Jabuti. Também coordenou o projeto "Paisagens Geoquímicas e Ambientais do Vale do Ribeira", financiado pela Fapesp, reunindo pesquisadores de diversas áreas e que deu origem a novos projetos similares. Formou 22 mestres, nove doutores e orientou duas pesquisas de pós-doutorado. Suas pesquisas renderam 60 artigos, quatro livros e 23 capítulos de livros. Foi diretor do IG entre 1989 e 1993, diretor-presidente da Fundação de Desenvolvimento da Unicamp (Funcamp) e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam). Em 1997 e 2006, recebeu o Prêmio de Reconhecimento Acadêmico "Zeferino Vaz". Dedicou-se especialmente à Geoquímica Ambiental e à Geologia Médica, áreas marcadas pela interdisciplinaridade.
O reitor Antonio Meirelles destacou a importância de pessoas como Bernardino para que a universidade cumpra seu objetivo de contribuir para o desenvolvimento da sociedade. "Procuramos faróis, exemplos, pessoas que possam sintetizar as expectativas que a Universidade deve ter para o futuro. O professor Bernardino é uma dessas pessoas capazes de nos inspirar nessa direção", pontua.
Deixando sementes de esperança
Nascido em Belém (PA) em 1946, Bernardino iniciou sua trajetória acadêmica ao ser selecionado para um programa de formação em Geociências que encaminhava estudantes para as Universidades Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e de São Paulo (USP). Graças a isso, ingressou no curso de Geologia da USP em 1965, onde também participou do movimento estudantil.
"Éramos influenciados pelo pensamento de Sartre, de que mudaríamos o mundo e, por isso, viveríamos pouco. Eu me apaixonei pelo Bernardino porque ele me dizia o seguinte: 'Leda, nós vamos viver! Fazemos tudo isso não para morrer, mas para termos filhos, netos e terminarmos nossa vida em uma casinha na beira da praia (risos)"
Com a Ditadura Militar, o casal partiu com para o Chile em 1969. Lá, retomou os estudos na Universidade do Chile, lecionou mineralogia e atuou nas áreas de Geologia Econômica e Metalogênese em uma empresa de mineração. Com o golpe ocorrido no país em setembro de 1973, ambos foram presos pela ditadura chilena. Leda e o filho Guilherme, com cinco meses, passaram três dias detidos, mas Bernardino permaneceu preso por 42 dias.
Com o auxílio do Comissariado de Refugiados das Nações Unidas (ACNUR), a família partiu para a Suécia em novembro de 1973. Nesse período, conseguiu revalidar os estudos realizados na USP e na Universidade do Chile, obtendo o título de Bacharel em Ciências em 1979 e o doutorado em Geociências em 1980 pela Universidade de Uppsala. Com a Lei da Anistia aprovada no Brasil em 1979, o casal e os filhos Guilherme e Francisco retornaram ao país em abril de 1980.
Leda atribui ao companheiro a resiliência e esperança necessárias para viverem os períodos de dificuldade. "Em muitos momentos, pensamos que nunca mais voltaríamos. Mas voltamos, sobrevivemos. Essa homenagem mostra que não podemos desistir. Temos que ser resilientes e escolher os temas mais relevantes, que são a defesa da vida, do planeta e da democracia", destaca.
Para Guilherme, o título é um reconhecimento pelo exemplo que recebeu em família e que gerações de alunos receberam em sala de aula. "A homenagem a meu pai fortalece o compromisso da universidade pública com os povos do Brasil e da Amazônia, especialmente as suas classes populares, e também com os direitos da natureza. Sua vida foi de combate ao autoritarismo e pela descolonização da ciência, deixando sementes e mudas de que agora cuidamos com dedicação. São sementes de esperança".