‘Todos nós, povos indígenas, somos Bruno e Dom’

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As buscas pelo indigenista Bruno Pereira e pelo jornalista inglês Dom Phillips terminaram hoje com o desfecho mais temido. Amarildo da Costa Oliveira, o “Pelado”, indicou o local dos corpos, após confessar participação nos assassinatos. A procura pelo indigenista e pelo jornalista durou 11 dias.

Nesta tarde (15), "Pelado", que estava preso preventivamente desde o dia 7 de junho, foi levado pela equipe de buscas para a reconstituição do crime e para a indicação do local onde estavam os corpos. A busca compreendia uma área de 26,4 km2 e uma distância fluvial de 70 km. 

O irmão de Amarildo, Oseney da Costa de Oliveira, foi detido na noite de terça-feira (14) e também é investigado. Há indícios de que uma terceira pessoa esteja envolvida no crime.

O superintendente da Polícia Federal do Amazonas, Eduardo Fontes, em coletiva de imprensa, confirmou que foram achados “remanescentes humanos”, em local de “dificílimo acesso”. 

O material será encaminhado amanhã para o Instituto Nacional de Criminalística, em Brasília, para identificação e apontamento das causas das mortes. De acordo com Fontes, ainda estão sendo feitas escavações no local. 

Na cidade de Atalaia do Norte (AM), onde Bruno atuava em parceria com a União dos Povos do Vale do Javari (Univaja), colegas do indigenista prestaram homenagens e reverenciaram a sua trajetória. Dom também foi lembrado.   

Parceiros dos povos do Javari

Bruno e Dom estavam em viagem de barco entre a comunidade ribeirinha São Rafael e Atalaia do Norte, destino final de ambos. Como não chegaram no horário previsto, a Univaja iniciou uma busca. Sem localizar os dois, a entidade acionou as autoridades. A organização indígena mobilizou-se antes da operação oficial, e esteve presente durante todos os dias da procura, auxiliando voluntariamente nas buscas. 

O jornalista britânico Dom Phillips vivia no Brasil há cerca de 15 anos e morava com sua mulher, Alessandra Sampaio, em Salvador. Trabalhava, atualmente, na produção do livro “Como salvar a Amazônia?” e visitava a região do Vale do Javari acompanhado de Bruno Pereira para colher depoimentos. Trabalhou para jornais como The Guardian, Washington Post e Financial Times e já havia realizado uma expedição ao Vale do Javari, com Bruno, em 2017. 

O pernambucano Bruno Pereira foi coordenador regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Atalaia entre 2010 e 2016. Em 2018, assumiu a coordenação geral de povos isolados em Brasília. No ano seguinte, liderou uma operação de combate ao avanço dos garimpeiros na Terra Indígena (TI) do Vale do Javari, na qual foram destruídas mais de 60 balsas. Em 2020, ele foi exonerado pelo então secretário-executivo do Ministério da Justiça, à época comandado por Sergio Moro, e passou a atuar como consultor da Univaja.

audiodescrição: imagem colorida, Jaime Mayoruna, funcionário da Secretaria Municipal de Assuntos Indígenas de Atalaia do Norte: “Os caciques estão de luto”. (Foto: Antonio Scapinetti)
Jaime Mayoruna, funcionário da Secretaria Municipal de Assuntos Indígenas de Atalaia do Norte: “Os caciques estão de luto” (Foto: Antonio Scapinetti)

Projetos 

Bruno tinha diversos projetos em andamento, segundo relatos de amigos e parceiros. O indigenista foi lembrado como um ativista incansável na defesa do território dos povos originários. Em sua atuação na Terra Indígena do Vale do Javari, enfrentou interesses de invasores, entre os quais garimpeiros e pescadores ilegais. 

“Os caciques estão de luto”, diz Jaime Mayoruna, Secretário Municipal de Assuntos Indígenas de Atalaia do Norte. “Estou muito triste. Um dia antes de ele subir [o rio], eu subi. Dias antes, conversamos sobre planos para trabalhar com os matses do Alto Jaquirana. Planejávamos fazer o monitoramento do território. Era mais uma entre as parcerias que estávamos articulando”, conta.

“Ele vai ser muito lembrado no nosso território, assim como Maxciel”, afirma Mayoruna, referindo-se a outro colega da Funai, Maxciel dos Santos, assassinado em 2019. Mayoruna também foi servidor da Funai e pediu demissão em razão dos riscos no exercício do trabalho, sobretudo no enfrentamento de grupos ilegais.

Outro ex-colega de Bruno na Funai, que hoje atua no Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e também deixou o trabalho por falta de condições, Almério Alves Wadick, conhecido como Kel, destaca a atuação de Bruno na defesa de indígenas isolados, lembrando que ele foi um dos poucos servidores da Funai de outra localidade a permanecer na região. 

Segundo Wadick, muitos servidores são nomeados para o Javari e, depois que adquirem estabilidade, acabam pedindo para sair. “Temos pouquíssimos funcionários que realmente abraçaram essa causa. Bruno foi um deles. É um cenário desolador”, avalia.

De acordo com o biólogo e vereador Joacílio Alves Filho, que foi responsável pelo manejo de lagos, Bruno dedicava atenção especial às comunidades ribeirinhas. Alves revela que ele e o indigenista planejavam uma reunião com ribeirinhos para desenvolver projetos conjuntos. 

“Eu vi em Bruno uma oportunidade para tornar aquele manejo sustentável. Tratava-se de um projeto ambicioso, não era algo paliativo. O braço solidário de Bruno sempre esteve pronto para ajudar”, afirma o biólogo. 

audiodescrição: imagem colorida, Almério Alves Wadick, o Kel, do Cimi: destacando a atuação de Bruno na defesa de indígenas isolados. (Foto: Antonio Scapinetti)
Almério Alves Wadick, o Kel, do Cimi, destacou a atuação de Bruno na defesa de indígenas isolados (Foto: Antonio Scapinetti)

Na manifestação realizada dia 13, lideranças dos povos indígenas também prestaram homenagens a Bruno. “Ele foi um grande guerreiro, que mostrou o peito e disse ‘eu vou defender, eu vou morrer por vocês’. Ele lutou por nós, estamos muito tristes. Vamos continuar essa luta, protegendo nosso território, com ou sem governo”, disse Binã Wassá Matis, da Aldeia Paraíso. 

O cacique Eduardo Dyanim Kanamari, da Aldeia Massapê, pontuou que “Bruno se foi pela omissão do governo federal, que não garantiu a proteção e a fiscalização das terras indígenas”. 

O jornalista Dom Phillips também é lembrado pelos indígenas e ativistas como um parceiro e companheiro na luta pela preservação da Amazônia e dos direitos indígenas. “Todos nós, povos indígenas, somos Bruno e Dom”, afirmou Dyanim. 

“Continuaremos a viver sob ameaça?”

A Univaja emitiu uma nota em que manifesta pesar e tristeza diante da perda de Bruno e Dom. “Para nós, povos indígenas do Javari, é uma perda inestimável”, diz o documento. 

A organização ainda pontua que esse foi um crime político. “Ambos eram defensores dos direitos humanos e morreram desempenhando atividades em benefício de nós, povos indígenas do Vale do Javari, pelo nosso direito de bem-viver, pelo nosso direito ao território e aos recursos naturais que são nosso alimento e garantia de vida, não apenas da nossa vida, mas também da vida dos nossos parentes isolados”.

Assinalam que outras vidas e atividades de lideranças indígenas estão ameaçadas. “Continuaremos a viver sob ameaça?”, questiona. O aprofundamento da investigação é também mencionado, assim como maior fiscalização territorial e fortalecimento das Bases de Proteção Etnoambiental da Funai. 

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audiodescrição: imagem colorida, Amarildo da Costa Oliveira, que confessou o crime, na saída da lancha da Polícia Federal para as buscas dos corpos de Bruno e Dom (Foto: Antonio Scapinetti)

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Escritor e articulista, o sociólogo foi presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais no biênio 2003-2004