Foi inaugurado na última sexta-feira (24) o Jardim Medicinal do Espaço Cultural Casa do Lago, no campus da Unicamp. A inauguração ocorreu durante o último encontro da oficina Cultivo de Plantas Medicinais, Conhecimentos Ancestrais e Científicos, realizada entre abril e junho. A atividade proporcionou a troca de conhecimentos e experiências sobre medicamentos fitoterápicos e o resgate dos saberes populares e ancestrais sobre cultivo de plantas medicinais e seus recursos terapêuticos. Cerca de 40 pessoas participaram do evento, entre membros da comunidade universitária e público externo.
A instalação dos canteiros teve a participação de estudantes indígenas da Unicamp, que ali fizeram pinturas tradicionais de suas etnias, registrando a presença dos saberes ancestrais no cultivo das plantas. "Fiz um grafismo representando povos indígenas do Alto Rio Negro, de onde venho. Pensei em representar uma maloca, que para nós é a casa dos saberes”, explica John Abé, da etnia Dessano. “Os dois pilares representam a estrutura central presente nas malocas, e o banco, o local onde os mais velhos se sentam para transmitir seus saberes aos mais novos", detalha.
Wayttiran Cruz e Kawyran Pires também deixaram sua marca no jardim. Membros da etnia Kariri Xocó, grupo Bokuya, os estudantes recuperaram uma tradição feminina de seu povo. “Essa é uma pintura sagrada das mulheres de nossa etnia. Ela significa que nosso corpo está seguro, e é feita para participarmos de cantos e danças", comenta Wayttiran. As pinturas foram coordenadas pela artista plástica Silvia Matos. "É um trabalho espontâneo que mostra as vivências de cada etnia. Foi um prazer contribuir com eles e sugerir ideias em relação à técnica de pintura", avalia. O projeto teve ainda o apoio das produtoras culturais Rosângela Martinhago e Flávia Sales.
Coordenadora da Casa do Lago, Silvana Di Blasio comemora a inauguração do espaço. “Estamos felizes com a instalação desse conjunto de canteiros de plantas medicinais, que têm raízes na ancestralidade indígena e também chancela científica”. Segundo Di Blasio, outras ações estão previstas para o segundo semestre, como teatro, dança, culinária e contação de histórias. "São atividades que se relacionam com histórias e saberes indígenas. Há todo um campo de pesquisa a ser explorado", pontua.
Presença na farmacologia
A oficina foi ministrada pelo professor João Ernesto de Carvalho, docente da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF), e por Mariana Nagle, doutora em Engenharia Agrícola pela Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp. Eles desenvolvem um projeto semelhante no Programa UniversIDADE, voltado ao público da terceira idade. "Esperávamos um público mais velho, mas foi bem diversificado. Tivemos participantes na faixa dos 20 a 30 anos e aposentados. O público mais idoso já é consumidor de chás e plantas medicinais, mas os mais novos também buscam conhecimentos recebidos pela família, dos pais e avós", relata Mariana Nagle.
Durante os encontros, os participantes tiveram acesso a informações teóricas sobre o uso de plantas medicinais e seus benefícios para a saúde e aprenderam técnicas de cultivo e manejo. "A oficina teve como foco saberes ancestrais e científicos, por isso utilizamos plantas descritas pela Farmacopeia Brasileira, que já contam com estudos desenvolvidos e aprovação da Vigilância Sanitária", explica.
"A maioria dos medicamentos baseados em plantas que existem nas farmácias derivam de conhecimentos indígenas ancestrais. Os estudos científicos são provocados justamente por esses saberes", observa João Ernesto de Carvalho. Atualmente, cerca de 30% dos fármacos industrializados são baseados em compostos extraídos de plantas medicinais, e estão presentes em grande variedade de remédios, desde analgésicos até drogas usadas em tratamentos contra o câncer.
Os pesquisadores tiveram o cuidado de alertar para os riscos envolvidos no consumo de espécies vegetais ainda não estudadas e sem a aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Segundo João Ernesto, disseminar o conhecimento científico sobre os fitoterápicos é uma forma de valorizar os saberes indígenas e combater as informações falsas e o charlatanismo na oferta de ervas supostamente milagrosas.
"As plantas não foram criadas para nos darem medicamentos. Os vegetais produzem substâncias em seu metabolismo para se defenderem de insetos, pragas, fungos, e liberam compostos aromáticos para polinização, entre outros. Eventualmente, algumas delas podem servir como medicamentos e, por isso, precisamos conhecê-las", argumenta.