Invasões de madeireiros, comércio de drogas e aumento da violência são problemas enfrentados pela população da aldeia Umariaçu, no alto Solimões. Cansados de esperar por providências do Poder Público, eles organizaram uma guarda própria. Cerca de 25 pessoas patrulham o território, localizado em Tabatinga (AM), na fronteira com Colômbia e Peru.
A demarcação da Terra Indígena Umariaçu foi homologada em 1998. Desde então, o avanço da urbanização e a intensificação do tráfico na fronteira levaram ao aumento da violência na comunidade, que é dividida em Umariaçu 1 e Umariaçu 2.
Rockson Cruz, cacique da aldeia Umariaçu 2, onde vivem cerca de 8 mil pessoas, relata que, nos anos 2000, o consumo de drogas e bebidas alcoólicas cresceu, assim como a caça ilegal e as invasões para retirada de madeira e carvão. “Precisamos de autoridades competentes, como a polícia e a Funai, mas eles não vêm aqui. Por isso, formamos nossa segurança para controlar a violência. Isso amenizou os problemas”.
Com os perigos enfrentados, no entanto, dois guardas já morreram e diversos foram agredidos. Embora tenha sido reconhecida pelo Ministério Público Federal em 2008, já que garantia “o mínimo de tranquilidade pública” diante da falta de segurança pública oferecida pelo Estado, a guarda foi desativada por determinação do órgão em 2011. Na época, ela tinha oito núcleos, e atuava em cinco municípios com cerca de 1.500 guardas. Surgiram acusações, incluindo a do Delegado e Superintendente da Polícia Federal de Tabatinga, de que a polícia indígena era uma milícia.
Um Termo de Ajustamento de Conduta foi firmado em 2015, e o patrulhamento da comunidade foi atribuído à Polícia Federal. Diante do não cumprimento da responsabilidade, já que a liminar foi caçada, os tikuna voltaram a organizar a guarda em 2017. Ela foi refundada em 2018 sob o nome de Segurança Comunitária Umariaçu.
“A comunidade colabora para a segurança indígena. Formamos a guarda atual em 2017. De 2010 para cá, enfrentamos problemas com bebidas alcoólicas e gente de fora oferecendo entorpecentes, por isso criamos as guardas indígenas”, diz Rockson.
Munida de cassetete e uniforme, a guarda não permite drogas na comunidade. São realizadas revistas em transportes e pessoas alcoolizadas são postas em celas, onde permanecem até recuperarem a sobriedade. “Se o cara feriu alguém, fica detido mais tempo. Dependendo da gravidade, chamamos a polícia”, pontua o cacique.
Paula Almeida, uma das três mulheres da guarda, trabalha desde a reativação do grupo. “Há muita droga e violência. Trabalho todos os dias na segurança, e a situação melhorou. A polícia de Tabatinga não vem, só temos a segurança do Umariaçu 2”.
A desassistência do Estado se reflete também no abandono das estradas de acesso às roças, onde os Tikuna cultivam alimentos como mandioca, banana e tucumã. A comunidade enfrenta falta de água e, além disso, invasores degradam o território.
“Os não-indígenas retiram madeira e carvão, caçam ilegalmente na nossa terra. Quando reclamamos, corremos risco. Eles têm armas e nos ameaçam. A Funai é uma das autoridades competentes, junto com a polícia e o Ministério Público, mas não resolvem nosso problema”, aponta o cacique.
Na comunidade indígena, as avaliações sobre a guarda são divergentes e já houve confrontos. A trajetória do grupo, que nasceu como “Polícia Indígena do Alto Solimões”, foi tema de dissertação em Antropologia Social defendida na Universidade Federal do Amazonas em 2014. A antropóloga tikuna Mislene Mendes apresenta, em sua pesquisa, depoimentos daqueles que consideram a guarda importante e dos que temem os abusos.
No entanto, há consenso na percepção de que a auto-organização ocorre diante da negligência do Estado. Diante da questão, a pesquisadora reflete: “Com as tentativas de defesa interna apresentadas pelos Ticuna da Terra Indígena Umariaçu, temos a possibilidade de formular um enfoque inédito sobre o grau de violência ali ocorrido como consequência da ausência de Segurança Pública, analisando as responsabilidades indigenistas do Estado brasileiro no atual contexto interétnico do Alto Solimões. A grande questão é: por que o Estado não consegue dar a resposta esperada pelos indígenas?”.