Atualmente, 75 mil estudantes indígenas frequentam o ensino superior do país. Para debater políticas públicas na educação, além de discutir os temas mais importantes do ponto de vista do movimento indígena, universitários de diferentes etnias se reúnem até o dia 29 de julho, na Unicamp, no IX Encontro Nacional dos Estudantes Indígenas (ENEI), que teve início na terça-feira (26). O reconhecimento do saber dos povos originários pela academia é um dos objetivos centrais dos alunos que, além de enfrentarem os desafios da formação no ensino superior, também lidam com uma conjuntura desfavorável para os indígenas no país.
O esforço para conciliar a luta pela educação e a luta pela terra ganhou destaque já na abertura do IX ENEI. A delegação de estudantes do Mato Grosso do Sul chegou à Unicamp entoando cantos e carregando a faixa “Justiça por Vitor Fernandes”. Fernandes foi assassinado pela Polícia Militar do Mato Grosso do Sul durante a retomada de uma terra dos Guarani e Kaiowá que faz parte do território Guapoy, na reserva indígena Amambai.
“O Brasil é o quarto país que mais mata ambientalistas, de acordo com relatório da ONG Global Witness. [...] O ano de 2020, analisado na pesquisa ‘Última linha de defesa', foi o mais letal desde o início do levantamento, em 2012. Foram assassinadas 227 pessoas média de quatro mortes por semana enquanto tentavam defender seus territórios, o direito à terra, seus meios de subsistência e o meio ambiente”, destacou Arlindo Baré, estudante de Engenharia Elétrica da Unicamp, na abertura do evento.
Estar nas universidades é uma das formas de mobilização dos povos originários, embora seja um desafio conciliar os estudos com a preocupação quanto à situação de parentes, muitas vezes moradores de áreas de conflito. “Para nós que estamos nas aldeias, a missão dos jovens que saem para estudar é muito importante. Muitas vezes vocês [estudantes indígenas] não podem estar acompanhando as lutas e o movimento nas comunidades, mas nós sabemos da sua missão. Nós, lideranças tradicionais, temos respeito, admiração por vocês e acreditamos na luta de vocês”, afirmou Davi Guarani, para quem a resistência e a luta indígena ocorrem em todos os espaços.
“Nós queremos ver vocês como dirigentes deste país, como novos cientistas”, disse aos estudantes Álvaro Tukano. Ativista desde os anos 1970, ele aproveitou o momento para também compartilhar suas experiências em relação ao chamado ensino catequizador, com o qual entrou em atrito desde jovem. As violações praticadas por missionários, que invadiam territórios e exploravam o trabalho indígena em sua região, no Alto Solimões, foram denunciadas por ele no IV Tribunal Russell, ocorrido em 1980 na Holanda. Desde aquele período, Álvaro Tukano é um dos porta-vozes do movimento indígena e é reconhecido pelos estudantes como um “avô”, grande aliado e incentivador.
A educação enquanto instrumento de transformação social foi tema destacado também por ativistas e lideranças políticas, como Sonia Guajajara e Chirley Pankará. “Vocês, estudantes, são fundamentais para levar a realidade para dentro das universidades. Nós temos dois caminhos para provocar mudanças na sociedade. O primeiro é a educação e o segundo é a política”, disse Sonia Guajajara, para quem a presença indígena na política institucional é fundamental. Para ela, não é possível pensar em uma democracia brasileira enquanto as populações indígenas e negras continuarem sub-representadas.
Universidade em transformação
A presença indígena no ensino superior ainda é baixa, mas vem aumentando. Em 2007, o total era de 7 mil estudantes, número que passou a 75 mil em 2022. Na Unicamp, em 2017 os indígenas matriculados somavam 66, entre graduandos e pós-graduandos. Em 2022, são 387. O reitor da Unicamp, Antonio José de Almeida Meirelles, espera que haja um aumento desse número. “Queremos uma universidade que se aproxime cada vez mais da população do nosso país, que a abrace e que se transforme nesse processo, incorporando temas de pesquisa de forma cada vez mais intensa”.
Os temas da inclusão e da permanência, disse, são preocupações centrais da Universidade, que contribuirá ainda mais para resolver os problemas da sociedade brasileira ao representar mais fielmente a população do país. “É o que aproximará as pessoas que a gente forma, as pesquisas que produzimos e a extensão que realizamos das demandas da sociedade”.
Também presente na mesa de abertura, o servidor do Ministério da Educação Thiago Tobias lembrou da importância das políticas de democratização do ensino superior, processo que teve como marcos a política de cotas, de 2012, e no ano seguinte a isenção da taxa de inscrição no vestibular e a criação do Programa Bolsa Permanência, da qual participou. Para ele, o Estado brasileiro tem uma dívida histórica com os povos negros e indígenas e precisa promover políticas para essas populações e para os mais pobres. “Para nós, negros e indígenas, a universidade não é só um lugar de pesquisa e de ascensão social. Aqui é um espaço de luta”.
ENEI vai até o dia 29 de julho
A abertura do ENEI reuniu responsáveis pela organização do evento, membros da reitoria da Unicamp e lideranças indígenas. Também houve um ritual de abertura com o coletivo Boca da Mata, formado por pataxós, e com o grupo guarani da Terra Indígena Jaraguá. As cantoras Djuena Tikuna e Taynara Kambeba, ainda, cantaram o hino do Brasil em suas línguas originárias.
Com o tema “Ancestralidade e Contemporaneidade”, o encontro segue até o dia 29 de julho. A programação completa pode ser acessada na página enei-evento.com.br