Ex-diretor do Banco Central, ex-presidente do BNDES e um dos artífices do Plano Real, o economista André Lara Resende lançou na terça-feira (23), na Unicamp, o seu mais recente livro, "Camisa de força ideológica: A crise da macroeconomia".
Num recorte radical, Resende sustenta que a lógica da macroeconomia convencional restringe o poder financeiro do Estado e, com isso, acaba beneficiando o sistema financeiro. Segundo ele, a macroeconomia tornou-se prisioneira de uma camisa de força ideológica, tendo construído uma percepção de país, de economia e de organização da sociedade que se apresenta como científica, mas que, na verdade, é um equívoco.
"[Essa] é uma fórmula muito restrita de se organizar a sociedade, organizá-la em torno do interesse de certos setores, sobretudo em benefício do sistema financeiro, daqueles que participam diretamente do sistema financeiro", disse o autor, em seminário realizado no auditório Zeferino Vaz, do Instituto de Economia da Unicamp.
Resende afirmou que há pontos críticos da macroeconomia que precisam ser revistos, ou mesmo reconceituados. E disse, por exemplo, que a dívida pública é a contrapartida da riqueza financeira privada.
"O Estado nacional – a moeda e a dívida – é a contabilidade dos direitos e deveres da sociedade. Essa contabilidade é gerida pelo Estado. E quando o Estado emite dívida – seja em moeda, seja em dívida –, é um passivo do Estado e um ativo do detentor da dívida. Quem detém essa dívida?", perguntou ele. "O setor privado", respondeu.
"Portanto, se o Estado resgatasse integralmente a sua dívida, se passasse a ter superávits fiscais que acabassem com a dívida pública, o resultado, inescapável, seria a redução dramática da riqueza do setor privado", argumentou. "É muito curioso que todos os defensores da ideia de que o Estado tem de ter superávit, de que a dívida pública não pode aumentar, essas coisas, não percebem esse elemento lógico, irrefutável: se o Estado passa a ter superávit primário, sistematicamente, e passa a resgatar sua dívida, o setor privado empobrece. Pelo menos em termos de ativos financeiros", avaliou.
Capitalismo financeiro
O economista disse ainda que, nos últimos 40 ou 50 anos, o Brasil frustrou dramaticamente as expectativas relativas ao que se poderia esperar de um país com o potencial existente aqui.
"Eu pelo menos achava que, uma vez superado o problema da inflação no Brasil, que parecia ser um problema extraordinariamente difícil de ser vencido, nós poderíamos finalmente nos dedicar aos problemas atávicos do Brasil, de desigualdade de renda, pobreza, exclusão social. Mas não foi o que aconteceu", disse. "O Brasil melhorou sob alguns aspectos, mas continua patinando. De certa forma, o país está num atoleiro", afirmou.
O autor lembrou que o capitalismo sempre foi financeiro, mas que, nos últimos anos – nas últimas quatro ou cinco décadas, segundo ele –, implantou-se um capitalismo marcadamente financeiro, e isso porque a proporção de ativos financeiros em relação à renda explodiu.
Segundo Resende, esse capitalismo financeiro exerce hoje um poder muito grande sobre as políticas públicas e sobre a possibilidade de revertê-las. "De onde vem isso? É o que se convencionou chamar de a visão neoclássica, ou neoliberal, da economia. Essa tornou-se a visão hegemônica dominante, que de certa forma exclui e impede a sua crítica", disse ele.
"Ocorre que essa visão da economia, que rege hoje os analistas, a mídia e a definição dos próprios tecnocratas responsáveis por estabelecer e implementar as políticas públicas, tem base, essencialmente, na economia neoclássica", afirmou. "Essa é a teoria econômica ensinada nas escolas mainstream. E é essa economia, sobretudo a macroeconomia, que se apresenta como ciência e que, com toda certeza, não é ciência", acrescentou. "A economia é um conjunto ordenado de ideias sobre a atividade humana e, nesse sentido, ela é inevitavelmente ideológica. Só que ela pretende ser completamente não-ideológica", ponderou.
Economia disfuncional
Resende disse que a economia, sobretudo a teoria monetária, tornou-se disfuncional e acabou desmascarada após a crise financeira dos países avançados, ocorrida em 2007/2008. E agora, acrescentou, os economistas, sobretudo os banqueiros centrais, encontram-se sem um arcabouço conceitual que lhes possa indicar como agir.
"A grande maioria deles (economistas), sobretudo os banqueiros centrais, já sabem disso, mas é como se dissessem: Nós sabemos, mas não podemos revelar. Como é que você pode revelar que está com um poder gigantesco nas mãos, mas não tem ideia do que fazer com ele?", questionou o autor.
Isso, segundo ele, está gerando uma situação curiosa: o paradigma da macroeconomia do Século XX tornou-se anacrônico e disfuncional, mas não há outro para se colocar no lugar. "Eu não gosto de repetir frase que vem sendo muito repetida, mas é aquela situação: o velho já morreu, e o novo ainda não nasceu. Essa frase encaixa-se perfeitamente no momento de hoje, em várias áreas, mas especialmente em relação à macroeconomia", concluiu