A Unicamp Baja SAE tornou-se a primeira equipe estudantil do mundo a desenvolver, construir e rodar um veículo movido a célula de hidrogênio (H2). A equipe venceu o desafio SAE Brasil & Ballard Student H2 Challenge, realizado na cidade de Piracicaba (SP) em meados de agosto, que reuniu oito equipes de universidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia.
A equipe da Unicamp conseguiu colocar em funcionamento um modelo Baja – veículo off-road, tipo gaiola, construído para trafegar nos mais variados terrenos – com propulsão de hidrogênio, uma fonte não poluente.
Esta foi a primeira competição estudantil de Bajas e Fórmulas movidos a combustível hidrogênio realizada no mundo. A SAE Brasil – braço da Society of Automotive Engineers – promove competições com abordagem técnico-científica para estudantes, em busca de soluções sustentáveis para veículos.
“É uma conquista gigantesca para a equipe e ainda tem um valor histórico, por ser o primeiro carro desse gênero a rodar no mundo. A sensação que ficou é de muito orgulho”, disse o capitão da equipe, Alessandro Forgioni Buccioli. A equipe da Unicamp conta com 60 estudantes das engenharias Mecânica, Elétrica, Civil, da Computação, de Controle e do curso de Física. O grupo trabalha sob a supervisão do professor Janito Vaqueiro, que é especialista em controle.
“O desempenho deles foi algo fora do comum”, disse o professor. “Primeiro, conseguir desenvolver o projeto durante a pandemia, mesmo com muitas restrições. Depois, desenvolver os módulos separados para então realizar a integração final e, por último, a dedicação máxima na integração final na competição, segundo todos os protocolos de segurança, para fazer o carro rodar”, finalizou o professor.
Os estudantes contam que, até chegarem à fase final da competição, a equipe teve de superar problemas de toda sorte. Primeiro, porque eles chegaram à competição sem nunca terem testado o carro na sua integralidade. A finalização da montagem do veículo foi feita dois minutos antes da inspeção final.
Enfrentaram, ainda, uma série de contratempos, que por pouco não puseram todo o trabalho a perder, como conta o diretor de projetos da Unicamp Baja, Luiz Henrique Gonçalves. “Todos os componentes cruciais do carro deram problema”, diz ele. “Ainda no passado, quando a gente estava tentando entender o funcionamento, tivemos uma falha de operação, e o motor queimou. Tentamos ver a reposição e fomos informados de que o conserto só poderia ser feito na Europa e que demoraria um ano. Pior: não havia motor similar no Brasil”, contou Luiz Henrique. A empresa fornecedora, no entanto, foi camarada. “A SEG pegou um motor que estava em utilização por eles e nos cedeu”, relatou ele, aliviado.
Depois veio um novo problema, tão grave quanto o primeiro. As quatro baterias de chumbo usadas pelo veículo foram roubadas no dia seguinte ao primeiro teste de sistemas elétricos. “Foi a primeira vez que o carro andou. Mesmo sem o hidrogênio, foi a primeira vez que a gente percebeu que o carro poderia mesmo rodar”, disse ele. Para continuar os testes no dia seguinte, Luiz Henrique levou as baterias para casa para carregá-las. “Só que paramos num posto para pegar um salgado e, quando voltamos para o carro, os vidros estavam estourados. Arrombaram o carro e levaram as quatro baterias, carregadores, multímetros e minha mochila com o computador em que estavam todos os códigos que rodavam o carro”, relembrou Luiz Henrique. “Foi um baque”.
A equipe conseguiu retomar o projeto porque conhecidos em São Paulo emprestaram baterias de uma scooter. Dois dias depois, o carro estava rodando de novo, com as baterias e o motor emprestados. Por sorte, ele tinha o backup de três semanas dos códigos, que deixou uma base a ser seguida. Ainda assim, todos os códigos tiveram de ser refeitos.
O terceiro grande problema se deu com própria célula de combustível. Depois de testes animadores, quando já havia conseguido tirar o carro da inércia, a equipe registrou vazamento de hidrogênio na célula. Uma falha nesse sistema simplesmente invalidaria todo o projeto. O Comitê orientador da competição, no entanto, interveio e conseguiu uma nova célula para a equipe.
“Depois de tudo isso, dá para entender o tamanho do orgulho que todos nós sentimos da equipe. Porque, nesses três momentos, parecia que o projeto tinha morrido. A gente poderia ter desistido, mas a equipe, depois dos baques, levantou a cabeça e seguiu em frente”, disse o capitão Alessandro Buccioli. “Ver o carro andando e a vitória na competição foi uma recompensa à altura do nosso esforço”, acrescentou ele.
Futuro do setor
De acordo com o capitão da Unicamp Baja, o sistema está baseado na célula de combustível – a chamada Fuel Cell – que é alimentada por hidrogênio. Na célula, com a reação reversa a eletrólise da água é possível gerar a corrente necessária para alimentar o motor do veículo. Desta forma, ao contrário dos poluentes emitidos pelos carros a combustão interna, o único subproduto da reação é a água, explica Buccioli. Por isso, esse tipo de veículo está sendo considerado o futuro do setor.
A competição
A competição foi uma iniciativa da SAE Brasil e da empresa canadense Ballard, que em 2020 fizeram uma proposta de construção de um veículo híbrido, elétrico, movido a célula de hidrogênio, a 15 equipes de universidades brasileiras. O projeto foi batizado de Júpiter, uma referência ao planeta formado por 85% de hidrogênio.
A proposta do Júpiter é diminuir o lançamento de gases agravantes do efeito estufa, além de retirar o carbono do ar nas áreas urbanas, onde está concentrada a maior parte da frota de veículos. A expectativa é que, no futuro, o motorista possa abastecer seu carro a hidrogênio em postos convencionais.
Durante a pandemia, em 2020 e 2021, foram realizadas as etapas virtuais, e oito equipes se classificaram para construir seus veículos para a etapa presencial de 2022 com veículos Bajas e Fórmulas SAE submetidos a provas estáticas e dinâmicas.
Depois de uma etapa virtual – em que se definiu o conceito de cada modelo – as equipes selecionadas começaram a trabalhar no projeto físico. Empresas apoiadoras forneceram os principais componentes, mas as equipes tiveram de elaborar os projetos e, eventualmente, fabricar determinadas peças e equipamentos.
A Ballard, por exemplo, forneceu os sistemas de célula a combustível. A Air Products cedeu os cilindros de hidrogênio; a Clarios entregou as baterias, a Siemens Automotive entrou com as licenças de software de simulação; a WEG forneceu os inversores, e as empresas Parker, Texiglass, Novapol, Polynt e Gatron entraram com os materiais compósitos – que são componentes que se complementam ou que se juntam para formar um terceiro. Por fim, houve intervenção do CNPq na importação dos sistemas de células que vieram do Canadá, pois se tratava de material destinado a pesquisa. “Só que os componentes foram oferecidos pelas empresas com apenas um manual de instruções. Não havia nada além disso. Cada equipe teve de desenvolver um sistema em que todos esses sistemas conversassem”, disse Alessandro Buccioli.
Classificação
As 2ª e 3ª colocadas foram, respectivamente, Mauá Racing, do Instituto Mauá de Tecnologia (São Caetano do Sul-SP), e a da Universidade Federal do ABC (UFABC-Santo André-SP). “Não tenho dúvida de que o SAE Brasil & Ballard Student H2 Challenge é um marco histórico para a mobilidade brasileira e mundial”, disse o presidente do Conselho da SAE Brasil, Camilo Adas.
“A competição impressionou pelo empenho dos estudantes na conquista do primeiro veículo movido a hidrogênio, que exigiu amplo conhecimento da nova tecnologia, muita dedicação e um ambiente proativo e construtivo”, acrescentou ele. “Foi emocionante ver tantos jovens motivados em superar cada obstáculo dessa jornada para a mobilidade que desejamos”, finalizou o presidente do Conselho da SAE Brasil.