A nova composição do Conselho Científico e Cultural do Instituto de Estudos Avançados (IdEA) da Unicamp fez na quinta-feira (1/9) sua primeira reunião de trabalho, preocupada com a busca por projetos que apontem saídas para a crise brasileira e caminhos para o desenvolvimento do país. A reunião – marcada para a realização de balanço da gestão iniciada em 2021 – também teve o objetivo de projetar como serão os próximos dois anos e meio da instituição.
A nova composição do conselho foi nomeada em junho deste ano pelo reitor da Unicamp, Antonio José de Almeida Meirelles, e deverá ser mantida até 2024. Os novos conselheiros são o diplomata Celso Amorim, o geólogo Álvaro Crósta, o químico Fernando Galembeck, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, o engenheiro Nelson Maculan Filho e o físico Sergio Rezende.
Continuam no colegiado na gestão 2021-2024 o sociólogo Augusto Rodrigues, o físico Carlos Henrique de Brito Cruz, o médico Erney Plessmann de Camargo, a biomédica Helena Nader, a socióloga Maria Alice Setubal, o crítico de arte Martin Grossmann e o engenheiro Wilson Ferreira Junior.
O Conselho é presidido pelo matemático José Mario Martinez, professor emérito da Unicamp, tendo os docentes Christiano Lyra como coordenador e Isabella Tardin Cardoso como coordenadora adjunta.
“Quando vejo um conselho composto por pessoas que desempenharam e desempenham um papel tão importante na educação, no ensino superior, na ciência e tecnologia e na diplomacia de nosso país, tenho muita esperança de que nós, como Universidade, possamos recuperar – ou talvez melhor, fortalecer – o papel que a Unicamp sempre teve como instituição, mas que teve mais visibilidade em outras épocas – que é o de pensar o Brasil”, disse o reitor. “E pensar o futuro do Brasil de uma forma que inclua valores que são importantes para nós como um todo – que são valores associados à democracia, à justiça social e à inclusão”, acrescentou o reitor, na abertura da reunião de trabalho.
Uma das propostas que têm o objetivo de pensar o País veio do sociólogo Augusto Rodrigues. Ele sugeriu a criação de um programa que unisse os Institutos de Estudos Avançados das três universidades paulistas – Unicamp, USP e Unesp – na construção de um projeto de desenvolvimento para o País. “A ideia é refletir sobre um projeto para a nação. Discutir sobre a crise, ver que crise é essa e debater sobre temas como a democracia, a corrupção, as mudanças climáticas. E acho que os três institutos avançados das universidades poderiam fazer isso”, avaliou ele.
O diplomata Celso Amorim, ex-ministro de Relações Exteriores (2003-2011) e da Defesa (2011-2015), acredita que o Conselho pode trabalhar em grandes temas nacionais e globais."Um dos maiores motivos de preocupação hoje é a guerra, e isso porque nos dias atuais existe o risco concreto do uso de armamento nuclear", afirmou. “Pela primeira vez em 50 anos, existe o risco real de uso de armas nucleares e nós temos de estar atentos a ele. A Universidade teve um papel muito importante lá atrás, nas décadas de 60 e 70 [do século passado], na luta pela paz”, disse o diplomata.
Amorim afirmou ainda que o mundo enfrenta um problema ambiental gravíssimo e que questões relativas ao clima são urgentes e precisam de soluções globais. Lembrou também que o mundo precisa se preparar para novas pandemias e, por fim, que deve buscar mecanismos para combater a desigualdade. “São questões que, sem a contribuição das Universidades, jamais conseguiremos resolver”, disse ele. Ele também defendeu uma maior divulgação do trabalho realizado na academia. “Especialmente agora que vivemos um período de negação da razão”, argumentou.
Também preocupado com a difusão desse tópico, o geólogo Álvaro Crósta argumentou que é preciso ampliar as formas de interação da academia com a sociedade e sugeriu a criação de uma revista própria do Instituto voltada para a divulgação científica, “com características jornalísticas”, nas palavras dele.
A socióloga Maria Alice Setubal afirmou estar preocupada com a possibilidade de a sociedade conhecer pouco o que é produzido nas universidades. O físico Sergio Rezende – que foi ministro da Ciência e Tecnologia no período 2005-2011 – chamou atenção para o papel dos governos e dos empresários. Disse que os organismos públicos e privados deveriam tentar se aproximar mais da universidade.
Interdisciplinaridade
O presidente do Conselho, professor José Mario Martinez, disse querer reforçar no Instituto a característica da interdisciplinaridade.
“Nossa missão aqui no IdEA é o amparo de atividades cientificas, culturais e, evidentemente pela nossa forma, procuramos fazer com que tudo isso tenha características de originalidade, profundidade e relevância. Mas queremos acrescentar fortemente a característica da interdisciplinaridade”, afirmou o presidente.
“Esse é um tema sobre o qual no mundo acadêmico se fala muito, mas, infelizmente, se pratica pouco, porque é muito difícil de praticar. Nós [acadêmicos], pela nossa formação, somos intrinsecamente disciplináveis”, argumenta ele. “Os matemáticos desconfiam dos engenheiros e vice-versa; o físico desconfia de todos; os de Humanas [desconfiam] dos de Exatas. Nós temos até mesmo um colega que chama os grupos de ‘os desumanos e os inexatos’”, brinca o professor.
“Portanto, aqui no IdEA, tentamos criar um ambiente para que isso não exista, para que se formem grupos de trabalho interdisciplinares que sejam criativos, imaginativos e que essencialmente se sintam livres para fazer propostas e promover encontros. Nessa linha, esperamos depositar um grão de areia no sentido de propiciar o desenvolvimento de um mundo que seja viável”, finaliza.
Grupos temáticos
“A ideia da reunião é fazermos, juntos, as tramas do bem”, resumiu o coordenador do IdEA, professor Christiano Lyra. O coordenador lembrou as atividades desenvolvidas pelo IdEA ao longo dos últimos dois anos e citou exemplos da amplitude do trabalho, dizendo que os Grupos Temáticos abordaram questões absolutamente diversas.
Citou, como exemplo, o grupo “Som e Processos Criativos”, que uniu música e ecologia. Um outro eixo, lembrou, se ocupou de avaliar conflitos, riscos e impactos associados aos desastres ambientais de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais.
Lyra citou ainda o grupo que trabalha com o tema “Ética, Diversidade e Democracia na Escola Pública” e o que criou o Centro de Teoria da Filologia, o qual tem como objeto central o estudo epistemológico de atividades compreendidas no estudo da filologia.
O coordenador falou também do Grupo de Estudos e Ação em Saúde Pública, criado este ano e que reúne docentes, estudantes e pesquisadores de várias áreas da Unicamp.
Consórcio colaborativo
O professor lembrou também que a Unicamp iniciou diálogos para o estabelecimento de intercâmbio com o Consórcio Colaborativo Del Sur (Conusur), que reúne as universidades nacionais da Argentina. Contou ainda sobre a visita da comitiva do Conusur ao Instituto de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço (IOU) – o mais moderno instituto do gênero na América Latina e que está às vésperas de entrar em operação.
Na retrospectiva, o professor falou ainda sobre os programas “Hilda Hilst” do Artista Residente e “Cesar Lattes” do Cientista Residente. O primeiro recebe – desde março e até setembro – o multiartista pernambucano Antônio Nóbrega.
O segundo vai receber – a partir de meados de setembro até o mês de novembro – o engenheiro elétrico brasileiro Mario Veiga, eleito para a National Academy of Engineering (NAE) dos Estados Unidos, eleição essa considerada uma das mais importantes distinções do mundo na área.
Veiga fez mestrado e doutorado em engenharia de sistemas (otimização) como orientado do professor Nelson Maculan, que também integra o Conselho IdEA. Entre 14 de setembro e 9 de novembro, Veiga fará um ciclo de quatro palestras no âmbito de atividades do IdEA.