Um contingente de ao menos 250 estudantes de 16 escolas da educação básica de São Paulo e de mais quatro estados se reuniu nos dias 5 e 6 de setembro, no Centro de Convenções da Unicamp, para o V Encontro Nacional das Equipes de Ajuda do Brasil.
As “Equipes de Ajuda” são um modelo de sistema de apoio entre iguais (ou pares), em que os próprios estudantes atuam na acolhida aos que passam por problemas e no enfrentamento de situações de exclusão, violência, bullying e intimidação nas escolas e em ambientes virtuais.
Idealizado pelo professor José Maria Avilés Martínez, da Universidade de Valladolid, na Espanha, o modelo das equipes de ajuda vem sendo aplicado no Brasil desde 2015 pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem) – organismo interinstitucional coordenado atualmente pelas professoras Telma Vinha, da Faculdade de Educação da Unicamp, e Luciene Regina Paulino Tognetta, da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.
Os integrantes das equipes são eleitos pelos colegas de sala. Posteriormente, as equipes recebem treinamento para que possam se aproximar da melhor forma possível daquele que está isolado ou excluído e, então, desenvolver um processo de integração. Esses alunos também aprendem como prover ajuda sem gerar dependência e a realizar abordagens corretas em situações de bullying ou provocação.
“A concepção é a de que todos são responsáveis pela convivência na escola”, diz a professora Telma Vinha. “E particularmente nesse contexto de pandemia, quando a gente está vivendo um trauma coletivo, isso tem se manifestado nas escolas por meio de casos de ansiedade e episódios de violência e agressões. E esses meninos e meninas das equipes de ajuda têm desempenhado um papel fundamental para ajudar aqueles que mais precisam”, diz ela.
Qualidade da convivência
Segundo Telma Vinha, estudos mostram que a convivência na escola deve ser planejada intencionalmente – para que se formem espaços democráticos, participativos, de cuidado.
Ela lembra que no Brasil não há uma política pública na área da convivência e, por conta disso, é muito comum as escolas lidarem com os conflitos de maneira intuitiva e, quase sempre, depois de ter ocorrido um evento do tipo.
A professora conta que, entre as várias ações que se pode planejar intencionalmente a fim de promover uma melhora na qualidade da convivência, está o sistema de apoio entre pares – quando grupos de adolescentes desenvolvem várias funções, entre elas, a mediação de conflitos.
“Além de favorecer o desenvolvimento social e afetivo, esse grupo é necessário porque os adolescentes raramente recorrem aos adultos quando têm problemas”, avalia a professora. “Geralmente não sabemos quem na escola se automutila ou quem está vivendo uma relação abusiva. Mas eles sabem. São estudantes vistos como confiáveis e a quem se pode recorrer. Essa equipe tem a supervisão de um professor e atua nos mais diversos problemas e conflitos, integram, escutam, protegem”, acrescenta.
Os amigos Ellen Eduarda Matheus, João Vitor Rodrigues da Silva, Alana Oliveira de Jesus, Allan Gustavo Vieira da Silva e Hanna Isabelle Andrade de Sá integram a equipe de ajuda da Escola Estadual Antonio Vieira de Campos, de Sorocaba.
Segundo Alana Oliveira, o grupo tem maior facilidade em se aproximar do aluno com problemas e consegue identificar mais rapidamente quem está sendo submetido a um cotidiano de isolamento, exclusão ou mesmo de ameaça.
Segundo a professora Telma Vinha, os casos mais complexos, como envolvimento com drogas ou automutilação, são encaminhados para a intervenção de um profissional da escola. “Esse grupo, que atua de forma coletiva e permanente, melhora muito a qualidade da convivência e o clima escolar”, afirma ela.
Vítimas de bullying
Uma pesquisa apresentada pelo Gepem mostra que entre alunos do 9º ano vítimas de bullying, por exemplo, a maioria é de meninos, de minorias étnicas e de origem humilde. As principais causas para o bullying são a aparência física, raça/etnia, religião, orientação sexual e local de origem, segundo a pesquisa. Do grupo pesquisado, 40% são homossexuais, 29% são negros e 21% são pobres.
A professora Luciene Tognetta lembrou de casos em que vítimas de bullying ou de violência dizem que são “invisíveis” na escola. Ela elogiou a atuação das equipes de ajuda. Segundo ela, são pessoas “que param para acolher alguém que esconde a tristeza e a dor dos cortes que fazem em si mesmos, ou que mandam mensagens de esperança nos espelhos dos banheiros ou nas redes sociais”, disse.
A professora lembrou, por exemplo, que no ano passado, durante a pandemia, esses grupos enviaram mensagens de coragem a mais de 29,5 mil jovens de escolas públicas do estado de São Paulo. “Vocês agem com generosidade”, afirma.
“Sim, meninos e meninas. Vocês são heróis e heroínas, não porque são melhores, mas porque o seu heroísmo está exatamente na simplicidade da entrega que fazem de si mesmos; todos os dias, se emprestando para aqueles que precisam”, finalizou ela.
Política Pública
A professora Telma Vinha diz que a luta por uma melhor convivência na escola deve ser tratada como uma política de estado. “A nossa ideia é que, por meio das pesquisas e atuação nas escolas e redes de educação, nós consigamos sensibilizar as pessoas e promover o debate sobre a urgência de uma política pública nessa área. Não só estadual, mas também nacional. Países como Chile, Colômbia e Espanha possuem há anos esse tipo de política. No Brasil, infelizmente, o que nós temos é a militarização, que vai numa direção contrária a esse tipo de proposta emancipadora”, finaliza ela.
Ela conta ainda que o grupo está desenvolvendo um Programa de Convivência Ética e Democrática para redes estaduais de Educação por meio de um convênio do IdEA (Instituto de Estudos Avançados da Unicamp) com o Instituto Unibanco que será implementado sem nenhum custo para o estado. Além disso, todos os materiais desenvolvidos estarão disponíveis gratuitamente para serem utilizados por qualquer escola.
“Queremos que esse projeto se espalhe para outros países. Por isso convidamos amigos que têm o mesmo ideal de educação para juntarmos forças e transformarmos a educação na América Latina”, disse Luciene Tognetta.
Ambiente acolhedor
O reitor da Unicamp, professor Antonio Meirelles, participou da abertura do V Encontro Nacional das Equipes de Ajuda do Brasil. “Ter vocês aqui é uma experiência enriquecedora para nós”, disse o reitor, dirigindo-se aos estudantes.
“É uma felicidade ver essa sala [auditório do Centro de Convenções] cheia de juventude, de alegria, de ideias, de inquietação”, acrescentou o reitor. “Nós gostamos de um ambiente que seja vivo, que gere observações, discussões, mas que seja também um ambiente acolhedor. O motivo desse evento está baseado na ideia da ajuda”, avalia.
O reitor disse que o país passa por um período de turbulência, “em que muitos valorizam mais as fronteiras e as diferenças do que aquilo que nos une”, mas lembrou que o objetivo de um evento como esse é justamente o contrário. “É construir pontes, espaços de colaboração, que façam da vida coletiva algo melhor”, acrescentou.
O coordenador do IdEA, professor Christiano Lyra, saudou os estudantes e disse que a Unicamp estava feliz em recebê-los. “Espero que esses dias que vocês passarão aqui sejam dias que sejam guardados como uma memória muito boa ao longo da vida de vocês”, disse ele.
A abertura do Encontro Nacional contou ainda com a apresentação do “Matéria Rima”, um grupo de hip hop que nasceu há 20 anos em Diadema, na Grande São Paulo, e que desde então desenvolve um trabalho de difusão da cultura urbana.
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