Na abertura das comemorações pelos 50 anos da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, na manhã desta sexta-feira (14), o diretor da Unidade, professor Renê Trentin Silveira, fez um apelo à reflexão sobre o tipo de sociedade que está sendo construído no Brasil.
Segundo ele, valores ultraconservadores têm sido disseminados na sociedade por diversos meios – em especial pelas redes sociais, mas também pelo Estado e por várias outras instituições – com a finalidade de preparar a sociedade para a instalação de um governo autoritário, numa ação que coloca em risco o Estado democrático de direito.
Nesse cenário, segundo ele, torna-se ainda mais importante a missão das escolas na formação de professores comprometidos com os valores democráticos.
“Vivemos hoje um momento dramático na vida nacional, um momento que nos chama a uma tarefa histórica: combater a ascensão do fascismo em nosso país”, disse ele, na solenidade de abertura das comemorações, a uma plateia formada por professores, alunos e servidores.
De acordo com o professor, uma das características do fascismo é se constituir como um movimento de massa e, para isso, o fascismo precisa produzir um consenso em torno de suas ideias e de seus valores. Para ele, é justamente isso que tem sido observado no país nos últimos anos.
“Está em curso no Brasil uma grande estratégia de construção de um consenso em torno de valores ultraconservadores, reacionários, que põem em risco conquistas históricas da sociedade brasileira no campo da democracia, dos direitos humanos, dos costumes e dos direitos sociais”, afirmou ele.
Para Trentin, essas ideias e valores reacionários incluem o racismo, o machismo, a misoginia, a homofobia, a aversão aos pobres, o ódio, a violência, o armamentismo, a intolerância religiosa e a mentira como um meio de manipulação para a conquista e manutenção do poder.
De acordo com o diretor, esses valores reacionários “produzem um patriotismo vazio, abstrato e acrítico que sequestra símbolos nacionais, um pseudocristianismo, fundamentalista, superficial e alienante”.
Para Trentin, a construção desse consenso passa também pelas escolas e pode ser observado em diversas iniciativas do atual governo, como, por exemplo, a defesa das teses do movimento “escola sem partido”, algo que, segundo ele, busca intimidar os professores de modo a impedir a formação de uma consciência crítica nos estudantes.
O diretor diz que a construção desse consenso se verifica, ainda, na nomeação de ministros da Educação alinhados ideologicamente com esse projeto reacionário e sem nenhum compromisso com o direito à educação para todos; no corte de verbas das universidades, que visa mitigar seu potencial como formador de pessoas com mentalidade científica crítica; e na mudança da política de formação de professores por meio da resolução do Conselho Nacional de Educação número 2/19 – resolução essa que, segundo ele, representa um grande retrocesso na organização das licenciaturas.
Ele lembra ainda o projeto das escolas cívico-militares e das escolas paramilitares que visaria incutir essas ideias em crianças e jovens “e convertê-los em cidadão passivos, alienados, dóceis, incapazes de pensar com autonomia e espírito crítico”.
“Todo esse quadro nos mostra que o desafio que temos hoje é nos perguntarmos sobre que projeto civilizatório queremos para o nosso país. A construção de um outro modelo de civilização, pautado nos princípios humanistas e nos valores da verdade e da ciência, dos direitos, da justiça social e da solidariedade, passa, necessariamente, por uma ação educativa praticada dentro e fora das escolas e que se contraponha a esse projeto fascista em curso”, afirma o diretor.
Por isso, diz ele, a formação dos professores, que são os principais agentes dessa ação educativa, assume importância estratégica ainda maior na conjuntura atual.
Segundo ele, isso impõe à Faculdade de Educação e à própria Universidade uma enorme responsabilidade. “Temos de fortalecer nossas licenciaturas para que elas preparem, de fato, os licenciandos como educadores e educadoras comprometidos com uma escola crítica, de qualidade, democrática, laica, inclusiva, humanista e, sobretudo, antirracista. Educadores imbuídos de uma ideia civilizatória que representa o oposto da barbárie em que querem nos jogar. É isso que está em jogo neste momento. O modelo de civilização, de sociedade e de país que queremos construir”, finalizou o professor Trentin.
Comemorações pelos 50 anos
Conferências das professoras Helena Freitas (FE\Unicamp) e Lilia Schwarcz (USP e Princeton University) marcaram as comemorações pelos 50 anos da Faculdade de Educação da Unicamp. As celebrações – que vão incluir palestras, seminários e atividades culturais e pedagógicas – vão se prolongar ao longo dos próximos meses e só serão encerradas em junho de 2023.
A solenidade de abertura das comemorações pelos 50 anos da FE contou com a presença do reitor da Unicamp, Antonio José de Almeida Meirelles, e dos pró-reitores João Romano (Pesquisa) e Fernando Coelho (Proec). O professor Arnaldo Pinto Jr. representou o pró-reitor de Graduação, Ivan Toro.
O reitor Antonio Meirelles disse que um desafio para uma instituição como a Unicamp é, cada vez mais, criar laços com a sociedade. “A gente já tem um papel extremamente forte na geração de conhecimento; na ciência, tecnologia, cultura. Temos desempenhos excelentes na pós-graduação; formamos muito bons alunos de graduação e temos uma política de inclusão bastante significativa, mas a gente precisa estreitar nosso papel junto à sociedade”, advertiu o reitor.
“O grande desafio para a gente travar essa luta de ideias é garantir que o que a gente faça aqui dentro exerça cada vez mais influência lá fora”, finalizou o reitor.