Entre os dias 25 e 27 de outubro de 2022, a Unicamp realizou mais uma edição de seu tradicional Congresso de Iniciação Científica. O evento celebrou trinta anos, tendo se consolidado como espaço de divulgação dos resultados dos projetos de Iniciação Científica e Tecnológica de estudantes de graduação da Unicamp e de outras instituições, além de pesquisas da modalidade de Iniciação Científica no Ensino Médio. Mais de 1,4 mil projetos foram apresentados ao longo dos três dias de congresso, que contou com palestras sobre temas importantes da atualidade.
As atividades ocorreram no Centro de Convenções e Ginásio Multidisciplinar da Unicamp e foram concentradas no período da tarde, das 14h às 17h30. As pesquisas apresentadas em pôsteres, em sessões que ocorrem a partir das 15h30, divididas em cinco áreas do conhecimento: artes, humanas, biológicas, exatas e tecnológicas. (Confira ao final do texto as imagens da abertura do Congresso)
No dia 25, o congresso teve início com a abertura oficial, seguida pela palestra "Criptomania: a ciência do sigilo na boca do povo", ministrada pelo professor Ricardo Dahab, do Instituto de Computação (IC). Das 15h30 às 17h30, houve a sessão de pôsteres de projetos nas áreas de exatas e tecnológicas. O segundo dia (26) contou com a palestra "Ciências e Independência: reflexões históricas", da professora Lorelai Kury, da Fundação Oswaldo Cruz e Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). A sessão de pôsteres contemplou os projetos de artes, humanidades e PIBIC-EM. Já na quinta-feira (27), a palestra teve o tema "Estresse e o Desempenho Acadêmico", da professora Dora Maria Grassi, do Instituto de Biologia (IB), seguida da sessão de pôsteres de projetos da área de biológicas.
Além de serem apresentados à comunidade acadêmica, os projetos inscritos no congresso serão avaliados por um comitê que selecionará os trabalhos que se destacarem por sua qualidade científica para concorrer ao Prêmio PIBIC. Cerca de 10% dos trabalhos de cada área serão selecionados para participar de uma segunda etapa de apresentações, em novembro, em que serão avaliados por um comitê do CNPq. Os vinte melhores trabalhos da universidade serão premiados com o valor de R$ 3 mil.
Para João Marcos Travassos Romano, pró-reitor de Pesquisa da Unicamp, os programas de Iniciação Científica cumprem uma função importante para o desenvolvimento da ciência na universidade e no país, por ser o primeiro passo que jovens cientistas dão em suas carreiras. “O principal beneficiário da Iniciação Científica é o aluno de graduação, que adquire uma formação extracurricular e pode aplicar conceitos e aprendizados de sala de aula em problemas concretos de alto nível científico”, avalia.
As atividades de Iniciação Científica também contribuem para despertar o interesse dos estudantes pela ampliação de seus conhecimentos, além de conferir-lhes mais autonomia. "Do ponto de vista acadêmico, acredito que ela ajuda na organização do tempo, na compreensão da metodologia científica, no contato com equipes de trabalho, comunicação, relacionamentos, hierarquia, além da organização do ambiente de trabalho, escrita de relatórios, cumprimento de prazos", comenta Flávio Schmidt, professor da Faculdade de Engenharia de Alimentos e assessor da Pró-Reitoria de Graduação (PRG) da Unicamp. Ele ainda ressalta os ganhos institucionais, já que os alunos de graduação passam a conviver com pesquisadores de mestrado, doutorado e pós-doutorado, e seu trabalho contribui para grandes projetos de pesquisa.
Soluções contemporâneas e encontro de conhecimentos
Exemplos de projetos inscritos nesta edição do Congresso de Iniciação Científica mostram a excelência das pesquisas desenvolvidas na Unicamp no âmbito da graduação, além de revelarem um importante potencial de diálogo entre diferentes áreas do conhecimento e a preocupação com soluções para demandas do mundo contemporâneo. É o caso da pesquisa de Kung Shao Chi, estudante de Engenharia Física que estuda como melhorar a performance de chips, tornando-os mais eficientes. Em seu projeto "Simulação de estruturas semicondutoras tensionadas de silício em transistores pseudo-MOS", sob orientação e co-orientação dos professores José Alexandre Diniz e Marcos Vinicius Puydinger, o estudante analisou as propriedades do silício por meio da técnica chamada "pseudo-MOS".
"O silício é o material base utilizado para a construção de um transistor. Uma das formas já utilizadas nas indústrias para melhorar a eficiência dos transistores é tensionar o silício, como se ele fosse 'esticado'. Pelo fato de ser uma produção complexa, custosa e que envolve diversas etapas, é interessante estudar o silício tensionado antes de produzir o transistor de fato", explica Kung.
Nascido em Taiwan, o jovem explica que vários setores da indústria precisam de chips para suas cadeias produtivas e que há uma grande demanda reprimida por conta da pandemia de Covid-19. Uma parte expressiva dessa produção ocorre em países asiáticos, como é o caso de Taiwan, mas por conta de tensões geopolíticas entre o país e a China, novas instabilidades podem ocorrer nessa cadeia de produção. "Existe uma tendência de os países aumentarem sua produção interna de chips, diminuindo a dependência dos produtos asiáticos. Uma das formas de reduzir essa dependência é melhorar a performance dos chips", detalha.
Outra pesquisa, do estudante de Matemática Aplicada Henrique Tonello Pereira, busca soluções para eventos naturais. No projeto “Malhas triangulares para traçados de raios”, o estudante se debruçou sobre conhecimentos ligados à geofísica computacional para compreender fenômenos por meio de modelagem matemática, sob orientação do professor Ricardo Biloti. “No caso, utilizamos o traçamento de raios para verificar se o percurso de um raio, ao se deslocar sobre estruturas geológicas, coincide com o modelo esperado. A ideia é que isso sirva para analisar a propagação de ondas sísmicas para modelar os efeitos de eventos sísmicos e, assim, compreender a estrutura interna da Terra.”
Para Henrique, a Iniciação Científica foi uma oportunidade de amadurecimento acadêmico. “Fazer pesquisa não é apenas ler o que outra pessoa escreveu. É preciso destrinchar cada passo para entender a complexidade de um método e como aplicá-lo. Essa abordagem me permitiu até mesmo melhorar meus estudos, além de ter permitido experiências em congressos, trocas de conhecimento em grupos de pesquisa e contato com pessoas na área”, reflete.
A metodologia científica também é aplicada em estudos ligados às artes e suas interfaces com a indústria, o patrimônio histórico e a memória afetiva. Alunas do curso de Artes, Júlia Ceglys e Gabriela Ferreira pesquisam, respectivamente, a participação de gravuristas na moda brasileira e as memórias dos moradores de Mariana (MG) relacionadas à restauração da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, comprometida por um incêndio em 1999.
No projeto “O abstracionismo informal na gravura brasileira e a estamparia nas coleções Rhodia da década de 1960”, Júlia investigou a presença de artistas brasileiros dedicados às gravuras na elaboração de estampas criadas pela empresa têxtil Rhodia nos anos 1960. "A gravura é entendida nas artes visuais como uma linguagem independente, assim como a pintura, a escultura e a fotografia. Minha proposta é pesquisar o encontro dessa linguagem com a moda. Tenho muito interesse pelo encontro das artes plásticas com as artes aplicadas, como o design, a estamparia e a tapeçaria.” A orientação é da professora Luise Weiss.
A jovem explica que, apesar de sua importância nas artes plásticas, a gravura não era uma expressão valorizada pela crítica brasileira do período. Por isso, teve o interesse de analisar como os gravuristas brasileiros conseguiram espaço na elaboração de estampas para a empresa. Ao longo da pesquisa, identificou nas coleções a participação de artistas com renome fora do país. "Apesar de eles não serem muito valorizados no Brasil, por se dedicarem à abstração, que ainda chegava ao país, eram artistas que faziam muito sucesso em bienais estrangeiras, como a de Veneza", comenta. Júlia acredita que o fato contribuiu tanto para a diversificação da moda brasileira do período, como para a visibilidade da gravura enquanto linguagem artística. "Esse encontro entre gravura e moda, que ocorreu nos anos 1960, foi pontual, mas também sintomático, porque mostra uma ampliação do campo artístico que vemos hoje no hibridismo da arte contemporânea."
Já Gabriela encontrou em sua própria experiência pessoal um tema fértil de pesquisa. Natural de Mariana (MG), ela tem uma relação profunda com a cultura e as artes sacras da região, o que despertou seu interesse em estudar o patrimônio artístico da cidade. Os processos de recuperação do altar e retábulos da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, danificados após um incêndio, foram tema da primeira pesquisa de Iniciação Científica da jovem. Porém, à medida em que avançava no estudo da restauração, outras questões lhe intrigaram.
“Conforme eu visitava as igrejas e conversava com as pessoas, elas falavam comigo de uma forma bastante pessoal, sobre como elas se sentiam a respeito do tema, como ajudaram no processo, as suas lembranças do incêndio. Elas me falavam de uma perspectiva pessoal, que não era exatamente o que eu estudava”, lembra a jovem, que decidiu investir em um segundo projeto. Orientada pelo professor Haroldo Gallo, ela deu início à pesquisa “A Memória nas Consequências de um Restauro e o Memorial do Carmo, da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, em Mariana - MG: Análise da Afetividade e Características da Memória Coletiva”, em que relaciona questões como memória coletiva, afetividade e arte.
"As pessoas formam laços muito complexos com a arte, a ponto de se emocionarem ao lembrar de uma obra que não existe mais, de desejarem que algo simples, como uma pequena pintura, seja refeita. Porque aquilo é um elemento importante para a comunidade", pontua Gabriela.