Em Assembleia Universitária Extraordinária realizada nesta quinta-feira (20), a Unicamp concedeu o título de Professor Emérito ao crítico literário Roberto Schwarz. De acordo com parecer da comissão especial que aprovou o título, Schwarz é responsável por uma imensa contribuição para as Ciências Humanas em geral, mas em particular para os estudos literários no Brasil.
A Comissão lembra que Schwarz teve participação decisiva na estruturação do Departamento de Teoria Literária da Unicamp e se destaca como um dos poucos intelectuais que conseguiram circular e influir fora do círculo restrito da especialidade acadêmica, estimulando debates também na Ciência Política, Filosofia, Historiografia e Sociologia.
“O aspecto mais notório da obra de Schwarz é o convite constante ao diálogo entre as várias disciplinas das Ciências Humanas e Sociais, num contexto universitário em que a compartimentação dos saberes se tornou regra”, diz o parecer da comissão, formada pelos professores Mário Orlando Seligmann Silva (presidente), Jorge Mattos Brito de Almeida, Paulo Eduardo Arantes e Roberto Vecchi.
“Suas contribuições para a crítica literária – em âmbito nacional e internacional – e para o fortalecimento da pesquisa em Ciências Humanas na Unicamp são inegáveis”, completa o parecer. O professor do Departamento de Teoria Literária da Unicamp Alfredo Barbosa de Melo foi escolhido para ser o padrinho do homenageado. Ele lembrou que, geralmente, o padrinho é um colega, um ex-aluno, um amigo muito próximo, alguém que acompanha a vida acadêmica do homenageado por décadas, mas admite que isso não se deu com ele.
Melo contou que o professor Roberto Schwarz se aposentou na Unicamp em 1992, quando ele tinha apenas 12 anos e ainda morava no Nordeste. Só entraria no Departamento de Teoria Literária 20 anos depois da saída de Roberto Schwarz. “Mas, como o homenageado é, sem favor, um dos grandes pensadores dialéticos da contemporaneidade e, como tal, fino analista das formas literárias, que viajam e se descolam de seus pressupostos iniciais, esse discurso de saudação fora do figurino tradicional, feito por um colega desconhecido, de uma outra geração, talvez tenha algum interesse”, avaliou Alfredo Melo.
Para ele, esse apadrinhamento evidencia que o reconhecimento de uma trajetória intelectual brilhante vai além do âmbito da memória dos amigos e colegas. Evidencia também que a obra de Schwarz continua despertando reflexões, questionamentos e atravessa os anos com grande vitalidade. “Além disso, ser padrinho de um dos maiores críticos das relações de favor do Brasil não é para qualquer um”, brincou o professor Alfredo.
Ambiente intelectual fértil
Roberto Schwarz nasceu em Viena, em 1938. Filho de intelectuais judeus de esquerda, sua família precisou sair da Áustria por conta da anexação do país pela Alemanha Nazista. Instalado no Brasil, Schwarz cresceu em um ambiente intelectual fértil, contando com o acompanhamento de Anatol Rosenfeld, crítico e teórico alemão, amigo da família, que também migrou para o Brasil fugindo da perseguição nazista. A influência de Rosenfeld o fez escolher o curso de Ciências Sociais da USP para dar início a sua carreira científica.
Nas Ciências Sociais, participou dos encontros do Seminário d’O Capital, grupo que reunia importantes nomes, como José Arthur Gianotti, Fernando Novais, Paul Singer, Octávio Ianni, Fernando Henrique e Ruth Cardoso. Nele, Schwarz teve contato com as ideias marxistas que seriam base de seu pensamento analítico, ao mesmo tempo em que delineava sua visão crítica ao ideário nacional-desenvolvimentista das esquerdas da época.
Ainda no curso de Ciências Sociais, o contato com Antonio Candido o levou a incursões pela literatura por meio de colaborações a suplementos literários de jornais, como o Última Hora e O Estado de S. Paulo, e à decisão de cursar o mestrado em Teoria Literária e Literatura Comparada na Universidade de Yale, nos Estados Unidos. No retorno ao Brasil, passou a lecionar Teoria Literária na USP em 1963. Já o doutorado em Estudos Latino-Americanos foi feito na Universidade Paris III - Sorbonne durante seu período de exílio na França, devido à repressão da Ditadura Militar no país.
Em 1978, Schwarz foi um dos primeiros docentes a integrar o Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, unidade fundada em 1977 após o desmembramento do então Departamento de Linguística do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), com Antonio Candido na direção. O docente seguiu junto ao instituto até 1992, ano de sua aposentadoria, contribuindo de forma significativa para o fortalecimento das ciências humanas na universidade e para o desenvolvimento de uma perspectiva crítica da literatura, da cultura e da realidade social.
Rico simbolismo
Diretor do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, o professor Jefferson Cano disse que participar da homenagem a Schwarz é uma honra “fora do comum”. “Para mim, é uma honra representar o IEL numa cerimônia desta natureza, que me parece carregada de um rico simbolismo para a nossa vida institucional”, disse ele.
O professor Cano lembrou que os estatutos da Unicamp preconizam que o título de professor emérito deve ser entregue a professores que se aposentaram e se retiraram, definitivamente, das atividades docentes. “Mas eu vejo esse item do estatuto como uma espécie de ironia, porque nos lembramos que personagens como o professor Schwarz nunca deixaram de fazer parte do nosso dia a dia. Não importa há quanto tempo ele tenha se retirado. O professor Schwarz talvez tenha sido uma das presenças mais constantes no IEL nos últimos anos”, disse o diretor.
Contribuições no âmbito nacional e internacional
O reitor da Unicamp, professor Antonio Meirelles, disse que Roberto Schwarz levou a contribuição da Unicamp nas pesquisas em Ciências Humanas para os âmbitos nacional e internacional. “O professor Roberto Schwarz desempenhou um papel crucial na promoção da pesquisa em Ciências Humanas e destacou-se como intelectual de primeira grandeza no debate sobre questões sociais e estéticas. Levou, sem sombra de dúvida, a nossa instituição – e a nossa contribuição como instituição – para o país e para o mundo”, disse o reitor.
Boa surpresa
“É com muita alegria que recebo essa distinção. Para um octogenário, aposentado há décadas, não deixa de ser uma boa surpresa”, disse Roberto Schwarz, que recebeu a homenagem ao lado da mulher Grécia De La Sobera. “A verdadeira homenageada nesta cerimônia, se não me engano, é uma linha de estudos literários, com feição relativamente própria, em que a reflexão estética e a reflexão social andam juntas. Ou melhor, se casam de maneira positiva”, disse ele.
“A combinação inovadora de crítica formalista, pesquisa histórica, análise de classe, comparatismo e interpretação do Brasil foi o ponto de chegada, como se sabe, da obra de Antônio Candido, o criador do nosso Instituto e seguramente o maior crítico brasileiro”, continuou ele. “Dentro das minhas possibilidades e, com um bom número de professores e escritores das gerações seguintes, procurei me inspirar nessa linha de estudo”, resumiu o professor Schwarz.
Ideias fora do lugar
O pensamento crítico de Roberto Schwarz a respeito da literatura e da cultura acompanha a perspectiva de Antonio Candido ao incluir a análise literária nas chaves de leitura da realidade sócio-histórica. Para os pensadores, não há uma dicotomia entre os aspectos estéticos e formais de uma obra literária e seu contexto histórico, social e político. Ao contrário, as análises feitas por eles colocam o estilo literário como revelador da estrutura social em que a obra se insere.
A partir dessa ideia, Schwarz reflete sobre uma incompatibilidade existente entre a formação do romance brasileiro, gênero literário pautado pelos ideais liberais do século XIX europeu, e a estrutura da sociedade brasileira, patriarcal e escravocrata. Esse descompasso é apresentado em As ideias fora do lugar, ensaio publicado em seu livro Ao vencedor, as batatas, de 1977, no qual aplica essa visão na análise das obras de José de Alencar e dos primeiros romances de Machado de Assis.
A dedicação às obras de Machado de Assis é o grande destaque de sua carreira. Por meio de seus estudos, Schwarz inaugura uma nova interpretação do estilo machadiano. Até então, considerava-se a ironia e o estilo narrativo inovador de obras como Memórias Póstumas de Brás Cubas como aspectos que fugiam das características comuns ao romance nacional, associando-se Machado ao estilo inglês. Na visão de Schwarz, esses aspectos formais e o próprio caráter dúbio de personagens como Brás Cubas revelam a dualidade existente no Brasil da época, que combinava aspirações pela modernidade a uma estrutura social fundada na escravidão. As reflexões sobre Machado foram compiladas em Um mestre na periferia do capitalismo, de 1990.
O pensamento de Schwarz está presente em uma vasta produção de poemas, ensaios e críticas, publicados não apenas em livros e periódicos científicos, mas também em colaborações para jornais e suplementos de grande circulação. Seu trabalho confirma a vocação do novo Professor Emérito em contribuir, enquanto intelectual público, para a construção de uma sociedade com mais conhecimento e capacidade de leitura crítica da realidade.