Quem nunca teve dificuldade para entender as informações nutricionais no rótulo de algum alimento? Cada vez mais, a população se conscientiza sobre a importância de conhecer os nutrientes presentes na alimentação, em especial nos produtos industrializados e ultraprocessados. Por isso, os consumidores demandam rótulos de fácil compreensão, mas nem sempre essa é a prática da indústria.
Para conferir mais transparência às informações nutricionais, novas regras para a rotulagem de alimentos entraram em vigor no Brasil a partir deste mês. Uma das principais diferenças é que os alimentos com altos teores de açúcar, sódio e gordura saturada precisam estampar essas informações com destaque, na parte da frente da embalagem, como alerta para os consumidores.
"O objetivo é facilitar a tomada de decisão do consumidor na hora da compra. A gente não vai mais precisar virar a embalagem e procurar aquelas letras pequenas, que ninguém consegue ler", explica a nutricionista e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação (Nepa) da Unicamp, Ana Clara Durán, que participou do processo de formulação das novas regras junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
"Por que esses três nutrientes? Já existe evidência muito consolidada de que eles aumentam o risco do desenvolvimento de algumas doenças, principalmente diabetes, no caso do açúcar e, mais ainda, das bebidas adoçadas com açúcar. O sódio é relacionado à hipertensão, e a gordura saturada está associada ao acúmulo nas artérias, que aumenta o risco de doenças isquêmicas ou vasculares. Além de tudo isso, açúcar e gordura saturada estão associados diretamente à obesidade", explica Ana Clara.
Além dos alertas na frente das embalagens, agora as tabelas de informação nutricional só poderão ter letras pretas e fundo branco, para evitar que possíveis contrastes atrapalhem a leitura. As normas preveem outras modificações para que a tabela nutricional seja mais clara e de fácil compreensão.
Foi através de um grupo do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (NUPENS), da Universidade de São Paulo (USP), onde também é pesquisadora, que Ana Clara participou do processo de formulação da nova rotulagem.
Desde 2017, o grupo vem trabalhando com políticas públicas regulatórias para ajudar a melhorar a dieta da população brasileira. A Anvisa passou então a convidá-los para reuniões, com o objetivo de receber insumos científicos para embasar novas propostas de rotulagem.
"Participamos de várias conversas com a equipe técnica da Anvisa. Fui muitas vezes a Brasília. Os primeiros documentos para a consulta pública foram fartamente baseados em estudos e informações que nós havíamos apresentado. Também apoiamos entidades da sociedade civil, como o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), que deu forte suporte a essa causa".
Adoçantes ficaram de fora
Os debates para que se chegasse à aprovação das novas regras reuniram membros da comunidade científica, da sociedade civil e da indústria de alimentos. Ana Clara acredita que, devido às pressões de representantes da indústria, a versão final aprovada acabou sendo mais branda do que os especialistas pretendiam - sem alertas, por exemplo, para altos índices de adoçantes (edulcorantes), que também estão associados de maneira significativa a muitos problemas de saúde, conforme evidências científicas mais recentes têm demonstrado, segundo a pesquisadora.
"Muito produtos têm adoçantes, mas não deixam isso claro para o consumidor. A gente continua em contato com a Anvisa e estamos agora na fase de monitoramento e avaliação de impacto da implantação da norma, como será a resposta da indústria e dos consumidores. A referência que a gente tem de outros países que implementaram esse tipo de norma é que a indústria tende a trocar açúcar por adoçante, para não aparecer o alerta".
A pesquisadora observa que muitos produtos que utilizam a publicidade para passar uma imagem de "saudáveis", como alguns tipos de iogurtes, barras de cereais e alimentos "naturais", são repletos de adoçantes, sem que isso seja informado com clareza aos consumidores. "A gente está consumindo sem saber, esse é o grande problema. Essa é uma questão ética, né?"
Transição
Os novos produtos lançados a partir de 9 de outubro já precisam seguir as novas regras, mas o período de transição para os produtos que já estão no mercado pode levar até três anos.
Alimentos em geral têm até 12 meses para se adequar. Produtos fabricados por agricultores familiares, empreendimentos econômicos solidários, microempreendedores individuais e agroindústrias de pequeno porte ou artesanais têm até 24 meses. Já bebidas não alcoólicas com embalagens retornáveis têm até 36 meses.
Confira mais informações sobre a rotulagem de alimentos no Portal da Anvisa.