Em Assembleia Universitária Extraordinária do Conselho Universitário (Consu) realizada nesta quinta-feira (10), a Unicamp concedeu o título de professora emérita à antropóloga Guita Grin Debert, que, por três décadas e meia, atuou como professora no Departamento de Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH).
De acordo com o parecer da comissão especial que aprovou a concessão do título, Guita teve contribuição definitiva para o desenvolvimento dos estudos sobre velhice e de gênero e para a institucionalização das Ciências Sociais no país. A comissão especial foi formada pelas professoras Heloísa Pontes e Maria Filomena Gregori, ambas do IFCH, e pelo professor Júlio Assis Simões, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (Universidade de São Paulo).
Em documento, a comissão destacou ainda que a homenagem justifica-se por conta da contribuição de Guita no desenvolvimento dos estudos sobre temas emergentes, como família, violência, gênero e envelhecimento. Além disso, Guita teria contribuído para a consolidação da pós-graduação no Brasil, com a formação de novas gerações de pesquisadores e a defesa do trabalho intelectual, da cidadania e da justiça social.
Mesmo aposentada, Guita segue vinculada aos Programas de Pós- Graduação em Antropologia Social e em Ciências Sociais do IFCH, orientando pesquisadores em todos os níveis. Permanece, também, associada ao Núcleo de Estudos de Gênero (Pagu), com o qual colabora desde a criação dele, em 1993, e do qual foi coordenadora, no biênio 2007-2009.
Até o momento, orientou 29 estudantes de iniciação científica, 26 de mestrado e 29 de doutorado e supervisionou quatro pesquisadores em seus trabalhos de pós-doutoramento. “A vida acadêmica foi muito generosa comigo e hoje foi mais uma demonstração dessa generosidade”, disse Guita ao receber o título, ao lado de colegas de departamento, amigos e familiares, como Paula, sua filha e professora livre-docente do Instituto de Psicologia da USP, Ezequiel e Bila, irmãos dela, Lana, cunhada, e Ruth, prima.
“Estou recebendo reconhecimento por méritos que não são exclusivamente meus. Eu sou a representante de uma geração”, acrescentou ela, que levou para a solenidade um cesto de fluden – doce judaico crocante e recheado, de massa fina. “É um doce normalmente consumido em cerimônias religiosas, mas eu resolvi trazer hoje, aqui, para oferecer aos amigos”, justificou-se.
Tendo concluído a graduação em Ciências Sociais (1973), o mestrado em Ciência Política (1977) e o doutorado em Ciência Política (1986) pela USP, Guita realizou estudos de pós-doutorado no Departmento de Antropologia da University of California, Berkeley (EUA), de 1989 a 1990. Também proferiu palestras e ministrou cursos em universidades estrangeiras, entre elas a Columbia University (EUA), a École des hautes études en sciences sociales (França) e a Universidade de Bologna (Itália).
Em 2003, a antropóloga foi reconhecida como professora titular na Unicamp, categoria pela qual se aposentou em 2018. Em 2000, recebeu o Prêmio Jabuti pelo livro A reinvenção da velhice e, em 2002, foi contemplada com o prêmio acadêmico Zeferino Vaz, o que, segundo a comissão responsável pela premiação, revela seu comprometimento com a formação de alunos.
Em 2020, a professora Guita Grin Debert foi agraciada com a Medalha Roquette Pinto de Contribuição à Antropologia Brasileira, que presta homenagem a pessoas cuja obra e trajetória tenham apresentado contribuições significativas para o desenvolvimento da Antropologia como disciplina e da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) como institutição.
“Uma intelectual de luta”
A vice-reitora da USP, professora Maria Arminda do Nascimento Arruda, foi convidada para ser a madrinha de Guita, mas não conseguiu comparecer à cerimônia por conta de luto em família. Mandou um texto, que acabou lido pela professora Maria Filomena Gregori.
Antes de iniciar a leitura, no entanto, Maria Filomena fez um depoimento pessoal a respeito de sua relação com a professora Guita. “Ela é mais que uma colega. Ela me ajudou a me formar. Como uma mestra de alta habilidade no trato das relações institucionais, me ensinou a navegar nesse mar nem sempre calmo do mundo acadêmico”, disse a amiga. “Uma colega que me formou e que esteve sempre presente. Uma intelectual da luta. É com muita honra que empresto, aqui, a minha voz à saudação da professora Maria Arminda do Nascimento Arruda”, disse Maria Filomena Gregori.
Maria Arminda disse no texto estar comovida por ter sido escolhida como madrinha de Guita. “Isso é motivo de honra para mim. Pude testemunhar os diferentes momentos de sua brilhante trajetória pessoal e acadêmica, assim como sua dedicação à Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais e à Associação Brasileira de Antropologia – organizações que contribuem para a articulação e a troca entre as instituições e pesquisadoras e pesquisadores no campo das Ciências Sociais no Brasil”, disse Arminda.
O reitor da Unicamp, professor Antonio José de Almeida Meirelles, disse que a Universidade se orgulha de ter, em seus quadros, pessoas como Guita Debert. Lembrou de nomes das áreas de Humanas como Paulo Freire, Maurício Tragtenberg, Luiz Gonzaga Belluzzo, Maria da Conceição Tavares, Antonio Candido – todos nomes que estiveram de alguma forma ligados à Unicamp.
Das áreas tecnológicas, citou Maurício Prates, Rogério César de Cerqueira Leite e José Aristodemo Pinotti. O reitor lembrou ainda que a Unicamp teve participação decisiva na criação do SUS (Sistema Único de Saúde).
“Essa Unicamp interferia na cabeça dos seus estudantes, porque era uma universidade que pensava o país. Tinha em pessoas como a professora Guita gente que iluminava o caminho para refletir sobre o país”, disse o reitor. “E essa, inclusive, é uma trajetória que a gente tem de trabalhar para recuperar o papel que a nossa Universidade e as universidades brasileiras já tiveram”, acrescentou o reitor.
Amiga e colega de todas as horas
A professora Heloisa Pontes – que falou em nome do Departamento de Antropologia – chamou Guita de “querida amiga e colega de todas as horas”. “Guita dedicou a inteligência, criatividade, energia, competência e os últimos 38 anos da sua vida à Universidade”, disse Heloísa.
“Sua contribuição para o entendimento qualificado de assuntos complexos – família, curso de vida, gênero e violência, envelhecimento e cuidado – somada ao engajamento institucional e à atuação comprometida como professora e pesquisadora têm sido merecidamente reconhecidos dentro e fora da Unicamp, tanto no Brasil quanto no exterior”, completou a colega.
A diretora do IFCH, Andrea Galvão, lembrou o longo período em que Guita esteve na Unicamp e ressaltou sua importância como professora e gestora. “Guita deixou marcas profundas no IFCH e nas Ciências Sociais brasileiras”, disse a diretora. “Seja como professora ou pesquisadora, seja como gestora”, acrescentou. “Seja no nosso Instituto, seja nas associações em que atuou”, afirmou.
Na ABA, Guita foi membro da comissão organizadora da XVI Reunião Brasileira de Antropologia, realizada na Unicamp em 1988, e ocupou os cargos de secretária-geral da entidade, entre 1988 e 1990, e de vice-presidente, entre 2000 e 2002. Na Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), foi secretária adjunta em dois períodos, consecutivos: 1992-1994 e 1994-1996.
Guita colaborou, ainda, com as principais agências de fomento do país. De 2001 a 2003, como membro do Comitê Acadêmico de Ciências Sociais (Antropologia) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). De 2006 a 2014, como membro da Coordenação de Ciências Humanas e Sociais da Diretoria Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Assista a cerimônia no canal Imprensa Unicamp.