Representantes do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) entregaram ao Ministério da Cultura (Minc), nesta quinta-feira (12), o relatório descritivo-fotográfico das depredações resultantes do ato golpista de 8 de janeiro nos edifícios do Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal.
O documento apresenta um panorama dos danos causados nas sedes dos três poderes e em seu entorno, em Brasília. “O documento servirá de base para nortear as próximas ações das instituições envolvidas, além da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)”, diz a nota do Iphan.
Ainda segundo a nota, os técnicos do Iphan apresentaram as informações contidas no documento destacando as responsabilidades que cabem ao Iphan, no que tange à recuperação dos bens.
De acordo com Maurício Goulart, coordenador-técnico substituto do Iphan-DF (Distrito Federal), o relatório indica três tipos de ação para a restauração dos bens. “As ações emergenciais são aquelas voltadas para o restabelecimento do funcionamento dos edifícios, como danos em pisos, paredes e vidraças, e já estão em andamento. De maneira geral, o relatório mostra que a maioria dos danos nos edifícios é reversível”, disse.
Já as ações de médio prazo dependem de mapeamentos de danos e projetos de restauração. As medidas de longo prazo, por sua vez, são a execução das obras decorrentes desses projetos.
A arquiteta e urbanista Gisele Moll Mascarenhas acredita que Brasília e o país reúnem profissionais capazes de recuperar boa parte do patrimônio depredado. “Nós temos ótimos restauradores, no corpo técnico do Iphan, no corpo técnico da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal, no corpo técnico da Unesco, que se dispôs a auxiliar. Acredito que, em função desses profissionais, nós vamos conseguir, sim, recuperar a maior parte do acervo atacado”, afirma Mascarenhas, que é graduada e mestra pela Universidade de Brasília (UnB), com especialização em Gestão da Conservação do Patrimônio Cultural e em Planejamento Urbano Integrado.
A arquiteta Sylvia Ficher faz coro à opinião de Gisele. “Do ponto de vista da restauração propriamente, no que diz respeito às edificações em si, as dificuldades são grandes, porém não intransponíveis. Afora o alto custo, é lógico. Todas elas têm setores técnicos de arquitetura dedicados à sua manutenção, contando com quadros profissionais altamente qualificados. O problema mais grave se encontra em seus acervos mobiliários e artísticos, os quais incluem obras de extrema relevância, em sua grande maioria insubstituível. Aí, devem entrar em ação os técnicos do campo da restauração museológica”, diagnostica Ficher, que é especialista em Patrimônio Arquitetônico e Urbanístico pela FAU/USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo), mestra em Preservação Histórica pela Graduate School of Architecture and Planning (Universidade de Columbia, Nova York) e doutora em História Social pela USP.
Ficher acredita que, talvez, nesse aspecto, seja necessário recorrer ao apoio de instituições estrangeiras e/ou internacionais, como a Unesco, o Conselho Internacional de Museus (Icom) ou o Instituto Smithsonian, em Washington (EUA).
Danos afetivos
Para além da tragédia da agressão aos mais caros símbolos da democracia, o ataque aos prédios da Praça dos Três Poderes e à própria Praça e seus monumentos calou fundo no coração de quem cresceu na cidade e que tem, ali, suas tenras lembranças: as crianças pioneiras.
Valéria Machado Colela, especialista em Gestão e Programação de Equipamentos Culturais, de 65 anos, chegou a Brasília quando tinha apenas um ano e meio de vida. Ela relembra o pai pioneiro, o passeio à Praça, o sobe e desce nas rampas dos palácios. “Senti um choque como cidadã e como ser humano. Foi como uma facada no coração. Passei 48 horas em choque, agredida em minha memória afetiva e no meu amor pela cidade.”
Valéria acredita que o governo federal precisa cuidar da saúde mental daqueles agressores e que, no mínimo, precisa elaborar uma forma de comunicação mais direta e simples, pelos mesmos meios de comunicação usados pelos golpistas, para atingir e informar aquele público. Mas, também, quer que essas pessoas sejam punidas. “Que doa muito e que, também, doa no bolso, embora não haja dinheiro que pague nossa dor”, disse.
Gisele Moll, que também é conselheira do Iphan, guarda, ainda hoje, lembranças da infância na Praça. “Eu sou uma memorialista, sentimentalista inveterada. Então, vou lhe dizer que, aos domingos, meu pai me levava para a Praça dos Três Poderes, a passeio. Já me sentei na estátua da Justiça – como toda criança da época –, corria muito atrás dos pombos e sempre me admirei muito daqueles edifícios. Talvez, por isso, tenha me tornado arquiteta”, avalia.
Mesmo quem não viveu a infância em Brasília sentiu na alma as agressões perpetradas pelos radicais, como testemunha Sylvia Ficher, que foi para Brasília em 1982, já como professora da UnB (Universidade de Brasília). “Não consigo separar os sentimentos da pessoa dos da profissional diante de tamanha violência. Violência que vai muito além das questões arquitetônicas e patrimoniais, uma vez que fere o próprio coração do país. Fere Brasília, cidade – não por acaso – alcunhada Capital da Esperança, obra magistral do povo brasileiro, internacionalmente reconhecida como patrimônio da humanidade.”
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