Considerada uma importante fonte de formulação de políticas públicas, a Unicamp resgata uma tradição e mantém especialistas em postos-chave no terceiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Cinco profissionais que têm ou tiveram uma trajetória consolidada na Universidade irão compor os primeiros escalões do governo, num movimento que decorre de um processo depurado ao longo dos anos.
Desde meados dos anos 1980, as pesquisas da Unicamp têm sido utilizadas como subsídios para a elaboração de documentos políticos — legislações, planos, estratégias e protocolos —, segundo mostra estudo financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo) e realizado pela professora do curso de Administração Pública da Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp Milena Serafim.
O estudo mostra que as pesquisas feitas na Universidade contribuem para diversas agendas de políticas públicas, com forte proeminência nas áreas relativas à saúde, desigualdade social e pobreza e agricultura e meio ambiente. Segundo a professora, o levantamento proporcionado pela plataforma Overton mostra que mais de 4,6 mil documentos políticos, produzidos por organizações governamentais — governos municipais, estaduais e federal — e organizações não-governamentais (IGO), citaram pesquisas feitas na Unicamp.
O estudo mostrou ainda que parte significativa dessas políticas públicas traz como foco as temáticas das agendas dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), em particular do ODS 10 (redução das desigualdades), ODS 3 (saúde) e ODS 11 (cidades sustentáveis). “Os nossos principais interlocutores são o próprio governo brasileiro, com destaque para IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Organização Mundial da Saúde e Escritórios da União Européia”, diz a professora. “Estamos avançando na análise comparada das três universidades públicas paulistas, mas já é perceptível que nosso desempenho é compatível com as melhores universidades latino-americanas", afirma.
A história mostra, por exemplo, que a Unicamp contribuiu para programas plenamente consolidados no país, como o que forneceu as bases do que viria a ser o Sistema Único de Saúde (SUS), os conceitos da Lei da Inovação e a concepção do programa Fome Zero.
Os nomes
Um dos nomes que integram o primeiro escalão do novo governo é o ministro de Relações Institucionais da Presidência, Alexandre Padilha – que é médico infectologista formado pela Unicamp e foi professor colaborador das disciplinas do mestrado profissional do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade. O ministério é responsável pela coordenação política do governo e seu relacionamento com o Congresso, os partidos, estados e municípios.
Na área econômica, haverá três nomes. Formado no Instituto de Economia (IE), onde também deu aulas, o economista Aloizio Mercadante vai assumir a presidência do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento). O banco atua como principal instrumento de execução da política de investimentos do governo federal.
O professor do IE e diretor do Centro de Estudos de Conjuntura (Cecon) do instituto Guilherme Mello será o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. A secretaria tem a missão de formular projetos e propostas econômicas de acordo com a estratégia do governo federal, além de avaliar os impactos macroeconômicos de diversas políticas públicas. Mello integrou a equipe de transição do governo e participou diretamente da formulação da chamada PEC de Transição, que permitiu ao novo governo ampliar o teto de gastos. O grupo contava ainda com os economistas André Lara Resende, Pérsio Arida e Nelson Barbosa.
Também do IE, Sergio Firpo vai ocupar o cargo de secretário nacional de Avaliação e Monitoramento de Políticas, do ministério do Planejamento e Orçamento, ao lado da ministra Simone Tebet.
Na Faculdade de Educação (FE), mais um nome. A professora do Departamento de Ciências Sociais Helena Sampaio foi nomeada para o cargo de secretária de Regulação do Ensino Superior (Seres) do Ministério da Educação.
“A Direção da Faculdade de Educação recebeu com grande alegria a notícia da nomeação da professora Helena Sampaio para atuar na Seres do MEC, em um momento em que os desafios para a educação superior no século XXI, no Estado de São Paulo e em todo o Brasil, são bastante grandes no que concerne à formação de bacharéis e licenciados para atuarem nos diversos campos do conhecimento científico”, diz a nota emitida pela direção da FE.
“Para a Faculdade de Educação, instituição que há 50 anos dedica-se à formação de professores, ter representantes de seu corpo acadêmico entre os novos atores do MEC é fundamental para levar as experiências de ensino e aprendizagem da Unicamp para todos os estados e a União”, continua a nota. “Estamos carecendo de professores e pesquisadores experientes, criativos, engajados e humanizados para realizar as tarefas decisivas na construção de políticas públicas para o ensino superior, e a professora Helena Sampaio atende a todos os requisitos necessários para ajudar a realizar uma sociedade mais educada, justa e participativa no Brasil”, acrescenta.
A diretoria da FE lembra que Helena Sampaio tem se destacado tanto no Brasil quanto no exterior por seu trabalho com pesquisas voltadas à educação superior e com sua vasta experiência em investigações de sistemas comparados de ensino, políticas para o ensino superior, políticas de permanência estudantil, gestão e organização do ensino, além de ser exímia educadora, atuando na graduação e na pós-graduação.
A nota afirma ainda que a professora tem “inabalável compromisso ético-político com a democracia e os direitos humanos”, característica que faz dela uma intelectual “plenamente qualificada para o exercício do cargo a ela confiado e à altura dos desafios que a aguardam”, finaliza.
Lista extensa de contribuições
O Instituto de Economia construiu extensa lista de contribuições junto ao governo federal, em períodos diferentes e áreas diversas.
Doutor em Economia pela Unicamp, o professor José Graziano da Silva é considerado uma das principais referências em segurança alimentar e desenvolvimento rural e da agricultura no mundo. Foi o principal idealizador do Programa Fome Zero, que, entre 2003 e 2010, ajudou a retirar 28 milhões de pessoas da pobreza extrema. Além disso, inspirou um novo conjunto de políticas públicas que tiveram como objetivo promover o desenvolvimento econômico e social no Brasil.
Anteriormente, ainda no século XX, outros egressos da Unicamp contribuíram no governo de Fernando Henrique Cardoso. Foi o caso, por exemplo, do economista e professor Paulo Renato Costa Souza, que foi reitor da Unicamp no período de 1987 a 1991 e ocupou o cargo de ministro da Educação de 1995 a 2002.
O economista do IE Geraldo Biasoto Júnior, por sua vez, foi coordenador de política fiscal do Ministério da Fazenda e secretário de investimentos em saúde do Ministério da Saúde durante o governo FHC.
Vários outros nomes ligados à Universidade influenciaram a implementação de planos anti-inflacionários ou integraram a primeira equipe de economistas em governos brasileiros no período inicial do processo de redemocratização. Foi o caso de Maria da Conceição Tavares, Luiz Gonzaga Belluzzo, João Manuel Cardoso de Mello e José Serra.
Diretor do Instituto de Economia da Unicamp, o professor André Biancarelli vê como “natural e positiva” a presença de quadros da Universidade nos primeiros escalões do governo. Segundo ele, esse tipo de protagonismo já faz parte da história do IE — um lugar de caráter formador, que estimula a discussão de ideias e abre espaços para interpretações diversas sobre o Brasil.
Para o diretor, o recrutamento desses especialistas é um sinal da relevância do IE e um indicativo de que a instituição está conectada com os problemas do Brasil. “Trata-se de um reconhecimento, mas é uma tarefa também. Justifica a nossa existência”, avalia.
O professor adverte que a participação no governo não significa alinhamento partidário. Segundo ele, antes de ser uma corrente, o IE é uma reflexão sobre os desafios do desenvolvimento do Brasil.