Ainda sob os efeitos dos longos períodos de isolamento social provocados pela pandemia, o 23º Congresso de Leitura (Cole) será aberto na próxima terça-feira (7) na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, com todos os sentidos voltados para a rua.
Considerado um dos mais tradicionais eventos do gênero no Brasil, o Cole aposta que a leitura acontece em múltiplos lugares e, por conta disso, abriu-se para ver e ouvir a literatura, a poesia, a música e ações socioculturais que ocorrem no asfalto, nos semáforos, no meio-fio, nas calçadas das cidades brasileiras.
Veja a programação completa aqui – (https://23colecongressodelei1.eventize.com.br/)
Um dos organizadores do Congresso, o professor da Faculdade de Educação Carlos Miranda, conta que o tema surgiu no início de 2022, período em que ainda havia muita incerteza sobre a evolução da pandemia, mas com um prognóstico otimista de que as medidas de isolamento seriam relaxadas e as atividades presenciais retomadas de forma gradativa e consistente.
“Daí surgiu a ideia do quanto é importante para nossa saúde mental a circulação nas ruas, o contato pessoal, o corpo a corpo, e o quanto isso pode ser incorporado também ao ato da leitura”, disse o professor.
“Normalmente se imagina que leitor é aquela figura isolada no seu quarto, no gabinete, numa sala. Mas ler é abrir-se para o mundo”, ensina ele.
“Existem outras literaturas, outras leituras ocorrendo fora dos gabinetes, dos ambientes fechados da sala”, acredita.
Por isso, diz ele, os organizadores pensaram em trazer para esse congresso especialistas que trabalhassem com ações comunitárias ligadas à leitura, por exemplo, com poesia em semáforos e com teatro na rua.
“Descobrimos que a leitura não é um ato solitário. E foi essa combinação que nos deu a ideia”, revelou.
E, de fato, os organizadores descobriram grupos que trabalham com literatura e leitura na rua. Segundo Miranda, há muitas vivências neste sentido em desenvolvimento, em quase todas as regiões do país.
A Mesa 13, por exemplo, marcada para o dia 8 de fevereiro, irá discutir as relações do teatro com a rua, mostrando pesquisas e experiências na perspectiva de artistas cênicos que atuam, observam, estudam e refletem sobre o espaço aberto das cidades.
Intitulada “Eu odeio explicar gíria”, a Mesa 11 traz especialistas para discutirem o suposto confronto entre a produção literária clássica e as produções literárias consideradas marginais e periféricas.
A Mesa 5, por sua vez, debaterá os impactos de um programa de biblioteca ambulante e literatura nas escolas — uma experiência de sucesso de resistência e incentivo à leitura no semiárido potiguar.
Há, ainda, uma mesa de debate sobre a relação entre leitura, smartphones e cultura de rua, particularmente o rap, isso tudo inserido na discussão das práticas de leituras apoiadas nas novas tecnologias e nas referências musicais dos alunos.
Em outra mesa, será debatida a prática de poesia falada, chamada de “poéticas andarilhas”.
Há, ainda, debates sobre as manifestações civis de 2019 nas ruas de Santiago do Chile e uma discussão sobre literatura indígena — as metamorfoses entre floresta e cidade.
As transmissões serão online em salas de aula instaladas na FE, em que estudantes, pesquisadores e professores poderão acompanhar as exposições de cada mesa e interagir com perguntas.
As sessões coletivas serão realizadas por meio de robôs educacionais, equipamentos usados no retorno às atividades presenciais na Unicamp durante a pandemia e que permitem acompanhar as dinâmicas de uma videoconferência com grande eficiência.
O Congresso
O Congresso de Leitura do Brasil reúne pesquisadores (as), educadores (as), estudantes, escritores (as) e promotores de leitura de todo o Brasil. Evento de natureza científica, pedagógica e artística, é realizado a cada dois anos, normalmente em julho.
Este ano, no entanto, foi antecipado para fevereiro por conta de dificuldades dos organizadores junto a agências de fomento — neste caso, o PAEP (Programa de Apoio a Eventos no País), um programa do Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e do CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), ambos órgãos do governo federal.
De acordo com o professor Carlos Miranda, houve atrasos nos editais e na definição de prazos.
“Isso provocou uma desorganização dos cronogramas, e várias entidades devem ter sofrido isso. Por fim, o prazo máximo que nos deram para fazer o Cole foi o mês de fevereiro, o que é ruim, porque nosso público-alvo começa a trabalhar em julho”, contou Miranda.
Os problemas, no entanto, acabaram contribuindo para um formato mais amplo. De acordo com o professor, o Congresso conseguiu reunir grupos e iniciativas de todas as regiões do país, o que poderia ser dificultado num formato exclusivamente presencial.
Miranda diz estar otimista em relação ao 23º Cole.
“Nossa expectativa é grande, porque tudo será gravado e disponibilizado logo depois no YouTube, o que garantirá uma boa difusão do trabalho. Nossa expectativa é que tenhamos uma grande produção de conteúdos de qualidade com nossas mesas”, afirmou.
Políticas públicas
O professor Carlos Miranda comemorou a recriação do Ministério da Cultura — reabilitado no governo que assumiu em janeiro — e a criação da secretaria de Formação Livro e Leitura.
A Secretaria terá duas diretorias: a de Educação e Formação Artística e a do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas. “Estamos retomando as políticas públicas de cultura”, afirmou ele.