A Reitoria da Unicamp anunciou, nesta segunda-feira (13), a criação de um Grupo de Trabalho (GT) para avaliar propostas de aperfeiçoamento da política de inclusão e permanência estudantil indígena, tendo como base uma sugestão do próprio Coletivo de Estudantes. O GT estudará também a implementação de uma política de saúde mental, voltada aos estudantes provenientes de povos originários. A Universidade promoveu o primeiro vestibular indígena em 2018 e, atualmente, conta com 254 alunos e alunas indígenas matriculados. Outras 130 vagas deverão ser preenchidas para o ano letivo de 2023.
“Vamos instalar um GT sob a coordenadoria da Pró-Reitoria de Graduação, mas envolvendo o gabinete, a Diretoria Executiva de Direitos Humanos (DEDH) e pessoas associadas à temática indígena, como os membros da Caiapi [Comissão Assessora para Inclusão Acadêmica e Participação dos Povos Indígenas] e os próprios coletivos indígenas”, disse o reitor, Antonio José de Almeida Meirelles, no começo da tarde desta segunda, depois de uma reunião de mais de três horas com integrantes do Coletivo Indígena da Unicamp (CIU).

“O que queremos é pensar melhor a questão da política de permanência e, em particular, o acolhimento nessa parte da saúde mental, que é algo que nos preocupa bastante hoje em dia”, justificou o reitor.
“Acho que temos que estar abertos ao diálogo, atendendo as demandas na medida das nossas possibilidades, mas com muita disposição de ouvi-los. Tentaremos atendê-los no limite do que é possível, além de desenvolver atividades conjuntas”, acrescentou Meirelles. “Até mesmo para entender a dimensão dos problemas e conseguir minimizá-los no futuro”, complementou.
O pró-reitor de Graduação, professor Ivan Toro, disse que o aperfeiçoamento da política já existente passa pela formação do professor e pela criação de novos ambientes de socialização para essa população, ressaltando a importância de ouvir as demandas para que a Universidade possa construir um sistema de acolhimento eficiente. “Queremos muito que o projeto dos estudantes indígenas dê certo na Unicamp. E estamos todos pensando nesta direção”, garantiu.
A criação de um GT para propor melhorias na política de inclusão e permanência estudantil partiu do Coletivo Indígena.
O grupo — representando estudantes da Unicamp de Campinas, Limeira e Piracicaba — entregou uma carta à Reitoria, em que relaciona uma série de medidas que podem ser adotadas a curto, médio e longo prazos.
Para adoção imediata, o Coletivo propõe a criação do GT para diagnóstico, formulação e implementação de uma política específica de saúde mental indígena na Universidade.
O grupo pediu, ainda, que a adoção dessa política leve em conta os direitos indígenas originários e tenha um caráter humanizado de abordagem, respeitando a dignidade e as especificidades do cidadão indígena.
O Coletivo solicita também a formalização de um convênio com profissionais de psicologia que atendam às especificidades dos povos indígenas.
Médio e longo prazos
Entre as medidas de médio e longo prazos, o Coletivo Indígena pede a contratação de profissionais de saúde indígena; a criação de um centro de referência e convívio acadêmico/cultural para os estudantes indígenas nos três campi, além da contratação e concurso de professores/pesquisadores indígenas para trabalharem em políticas de inclusão. Pedem, ainda, reajuste no valor das bolsas de permanência.
O grupo pediu a construção de moradia estudantil para os campi de Limeira e Piracicaba, ampliação da Moradia de Barão Geraldo e ajuda institucional para o aluguel de casas para estudantes que não conseguirem vagas nas moradias.
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“Os caminhos institucionais são muito difíceis. A instituição acaba criando gatilhos e cordas e, quando vê, amarra os próprios pés e não consegue mais andar”, considerou Luiz Medina, indígena da etnia Guarani e membro do Coletivo, estudante do curso de Administração Pública em Limeira.
“É o que está acontecendo com a Unicamp. A gente vê muitas iniciativas para lidar com a política de inclusão indígena, mas por conta das amarras, elas acabam morrendo na burocracia”, critica ele.
“Por um lado, vejo que, se é o homem branco que inventa essas regras, só ele pode desfazer. Portanto, a justificativa de que há amarras não serve. Basta recriar as regras”, argumenta o indígena.
“De qualquer maneira, saímos um pouco mais esperançosos com o encaminhamento do GT. Era como esperávamos, como coletivo, foi para isso escrevemos a carta. Foi por isso que pedimos a reunião. Espero que esse GT não seja engavetado. E que não seja um GT só de reflexão, mas, como dissemos na carta-compromisso entregue à reitoria, que seja um GT Executivo”, completou.
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“A reunião foi muito importante. Acho que o resultado foi muito positivo, como um primeiro passo para a construção coletiva de uma política de permanência em geral e de saúde mental especificamente voltada para os indígenas. Os pontos que surgiram aqui serão muito discutidos entre nós. A gestão quer aprender com os estudantes indígenas e, juntos, vamos buscar parcerias com outros atores, que também podem contribuir para essa política de permanência”, disse a professora Adriana Nunes Ferreira, chefe de Gabinete adjunta.
“Nenhuma das reivindicações apresentadas aqui irá passar em branco”, prometeu a professora Mariana Nery, coordenadora do SAE (Serviço de Atenção ao Estudante). “Todas serão avaliadas”, garantiu ela.
A professora de saúde coletiva, Josely Rimoli, lembrou de ações já desenvolvidas pela Universidade e revelou os planos para a instalação, em Limeira, de um centro de extensão de estudos indígenas.
Caiapi
Presidente da Caiapi, a professora da Faculdade de Educação Alik Wunder diz ter feito um balanço positivo da reunião. “Conseguimos reunir aqui todas as pessoas que estão, de alguma forma, envolvidas com a construção de uma política de permanência indígena”, avaliou ela.
“A presença do reitor foi essencial; do pró-reitor, da coordenação do SAE (Serviço de Apoio ao Estudante), do Serviço de Assistência Psicológica e Psiquiátrica ao Estudante (Sappe). A reunião mostrou como a Universidade ainda precisa caminhar mais, até criar uma estrutura de acolhimento e permanência, que supra as deficiências”, disse ela.
A professora lembrou que essa população exige cuidados especiais. Salienta que há grandes problemas a serem superados, como, por exemplo, a questão dos deslocamentos, dos vínculos familiares, a adaptação cultural, além da violência secular a que esses povos estão submetidos.
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Para a professora, o sistema atual possui gargalos, que precisam ser enfrentados.
“Nas situações como a de morte ou nascimento, por exemplo, as pessoas não têm sua rede de apoio, e a instituição precisa estar mais presente”, recomenda.
De acordo com ela, nesses momentos, quem supriu os gargalos foram docentes ligados à Caiapi. “E esse é um gargalo que tem a ver com a legislação, porque é uma questão de direito”, afirma.
“O segundo gargalo diz respeito ao indígena que vem com a família. A estrutura de permanência e as bolsas de que dispomos hoje não dão conta. A moradia não dá conta de atender as famílias e, se tem de alugar casa, não se consegue fazer isso com 550 reais. Já aconteceu de famílias virem e não conseguirem ficar, e isso gera sofrimento”, alerta.
“Precisamos de protocolos institucionais para momentos especiais de crise, além de profissionais para cuidar da saúde mental. Profissionais com formação, que tenham a compreensão dos problemas psicológicos dessa comunidade, já que nem sempre a medicalização resolve”, afirma.
Em 2021, a Unicamp reservou R$ 101 milhões para a implementação de políticas de inclusão e permanência estudantil. Neste ano, esse valor chegará a R$ 112 milhões.
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