'Precisamos trabalhar a assertividade dos alertas', diz meteorologista do Cepagri sobre tragédia no litoral norte

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Nos últimos anos, as previsões meteorológicas vêm se tornando cada vez mais efetivas. A ampliação da base de dados disponíveis para análise, a incorporação de ferramentas de inteligência artificial e outros avanços tecnológicos vêm aumentando significativamente a confiabilidade das previsões do tempo — que, evidentemente, não são exercícios de futurologia, mas indicam, com base científica, eventos prováveis. Às vezes, muito prováveis, como diversos alertas já haviam indicado no caso dos temporais extremos que atingiram o litoral norte de São Paulo no último fim de semana, tragédia que já registrava quase 50 mortes nesta quinta-feira (23).

"Os modelos já indicavam, com alguns dias de antecedência, persistentemente, alta possibilidade de chuvas intensas durante o fim de semana”, diz a meteorologista do Cepagri/Cocen, Ana Ávila. Por que, então, mesmo diante de alertas tão graves, as autoridades estaduais e municipais não conseguiram ser efetivas nas ações de prevenção e comunicação? “Acompanhei a previsão e sabia que as pessoas estavam se expondo a um risco muito grande. Existe um trabalho que precisamos fazer, em todas as instâncias, de conscientização, de assertividade dos nossos alertas. Não temos ainda essa cultura de eventos extremos aqui no Brasil”, diz a meteorologista, acrescentando que, “em outros países, isso é diferente. Nos Estados Unidos, por exemplo, os alertas são muito assertivos e seguidos à risca”, complementa.

Na conversa abaixo, Ana Ávila fala sobre as relações entre os temporais extremos e as mudanças climáticas globais, as questões econômicas que envolvem a disseminação dos alertas (neste caso, segundo o G1, a prefeitura de São Sebastião evitou divulgar alertas para não afastar turistas) e as medidas de prevenção mais urgentes.

A meteorologista Ana Ávila:
A meteorologista Ana Ávila: questões econômicas envolvem a disseminação dos alertas

Portal da Unicamp - Essa foi a maior chuva já registrada em 24 horas no país?

Ana Ávila - Essa informação veio de uma instituição confiável, o Cemaden, que trabalha com dados do Brasil inteiro. Mas, evidentemente, isso reflete as séries temporais que temos disponíveis. O Brasil tem um desafio muito grande na coleta de dados em algumas regiões. Temos áreas bastante desprovidas de informações, como a região amazônica, a área do cerrado, a região do centro-oeste. Então, temos algumas áreas sem medição. O Brasil é um país de dimensões continentais, com diversos climas e fenômenos meteorológicos que atuam em diferentes momentos, bastante intensos. Esses dados do Cemaden refletem os dados disponíveis. Mas, naquela região, são esperados em torno de 300 mm durante todo o mês de fevereiro. Isso é a média. E tivemos 680 mm em praticamente 24 horas. É muita chuva.

PU - O que explica, do ponto de vista meteorológico, esse fenômeno tão extremo?

Ana Ávila - Foram vários fenômenos meteorológicos que aconteceram ao mesmo tempo. Tivemos uma frente fria com bastante intensidade que se deslocou do sul do país e veio acompanhada de uma massa de ar mais frio. Estávamos com altas temperaturas na região — o ar quente e úmido, vindo tanto do oceano atlântico norte quanto da região amazônica. E os fatores locais: a serra do mar, que bloqueia as nuvens, e o oceano atlântico, que na costa do país está um grau, em média, acima do normal. Havia a previsão de que essa frente fria ficaria estacionária no litoral. E quando houve o encontro com essas massas de ar quentes e úmidas vindas do norte, houve a formação de nuvens intensas, que sobem rapidamente. Esses fenômenos meteorológicos atuaram conjuntamente, gerando a chuva intensa que ocorreu aqui no estado de São Paulo. 

PU - Se houve uma influência da alta das temperaturas dos oceanos, existe relação nítida entre a ocorrência do fenômeno e as mudanças climáticas globais?

Ana Ávila - Com as mudanças climáticas globais em curso, as temperaturas mais elevadas favorecem essa formação de nuvens e chuvas intensas, concentradas em curtos períodos. Com o oceano aquecido, há um potencial de formação de nuvens mais intensas, ou seja, uma evaporação maior. Vale lembrar que as cidades próximas ao litoral são as áreas de maior risco, por causa do aquecimento das águas dos oceanos e do aumento do nível do mar. E as cidades, os grandes centros urbanos, têm o maior risco. As áreas mais vulneráveis são as ocupações em áreas próximas às regiões de morro, onde temos o deslizamento, o solo totalmente encharcado. Vimos agora que até árvores foram carregadas.

PU - Por que os alertas não foram suficientes para evitar a tragédia, neste caso?

Ana Ávila - Existem vários fatores. Nesse caso, até uma questão econômica. Trata-se de um local turístico. Então, como fazer as pessoas evitarem se deslocar, tomarem a decisão de não ir para o litoral? Digamos que você já fez uma reserva, de repente você recebe um alerta dizendo: "não vá". Será que vai confiar? Isso é diferente em outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, é uma coisa muito séria. Os alertas são seguidos à risca e são muito assertivos. Nesse caso, como acompanhei a previsão, eu sabia que as pessoas estavam se expondo a um risco muito grande. Então, existe um trabalho que precisamos fazer em todas as instâncias nesse sentido, de conscientização, de assertividade dos nossos alertas. Não temos, aqui no Brasil, essa cultura dos eventos extremos. Estamos trabalhando nisso. E o meteorologista também não pode ficar dando alerta para tudo. Isso é um desafio muito grande, essa questão da emissão assertiva do alerta.

Imagens da destruição em Barra do Sahy, São Sebastião (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)
Imagens da destruição em Barra do Sahy, São Sebastião (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

PU - Quais as medidas mais urgentes para evitar que fenômenos desse tipo causem estragos e perdas de vidas?

Ana Ávila - Há medidas a longo prazo e outras mais imediatas, dependendo da situação, se um fenômeno é previsível ou não. Este, por exemplo, foi previsível. Os modelos já indicavam, com alguns dias de antecedência, persistentemente, alta possibilidade de chuvas intensas durante o fim de semana. Então, foi um fenômeno previsível, mas às vezes não é. Às vezes é uma formação muito rápida, que não permite essa previsão. Então, as medidas de prevenção envolvem questões bastante interdisciplinares. Precisamos trabalhar a questão da confiabilidade e assertividade dos alertas. E, uma vez que o alerta foi emitido, que os tomadores de decisão atuem conforme cada município, cada estrutura. As pessoas precisam ter conhecimento sobre esses fenômenos. É, a longo prazo, um trabalho de conscientização bastante intenso. E, de maneira mais imediata, as ações da defesa civil. O tomador de decisão precisa realmente saber que sua maneira de agir terá uma consequência.

PU - Como equacionar a questão das gerações de pessoas que vivem em áreas de risco no país?

Ana Ávila - De norte a sul do país, em várias cidades, existem estudos que indicam haver cerca de 10 milhões de pessoas em áreas de risco. A longo prazo, a gente precisa pensar na questão do planejamento urbano para a retirada das pessoas dessas áreas. Mas, paralelamente, existe a situação do risco imediato, que pode ocorrer novamente em qualquer localidade. Nesses casos, as pessoas precisam ter um suporte do poder público para que possam ser deslocadas com todo o respeito e atenção, e ter para onde ir. É preciso transmitir segurança de que elas vão para um lugar temporário, mas podem retornar. Muitas vezes, são pessoas que podem estar com problemas de saúde que dificultam a locomoção, têm animais de estimação, então é preciso ter um acolhimento, não simplesmente dizer "busque abrigo, saia de sua casa". Esse é um trabalho que precisa ser feito.

Radar meteorológico

Viabilizado por meio de recursos da Agemcamp – a autarquia estadual que integra ações dos 20 municípios da Região Metropolitana de Campinas (RMC) – um radar meteorológico deve entrar em operação em 2024 na Unicamp. O equipamento – que exigiu investimentos de R$ 3 milhões e que integra o projeto de criação do Centro Meteorológico da RMC - deverá atender aos municípios da região. O radar vai  fornecer dados para a Defesa Civil em políticas de prevenção e combates a enchentes e inundações; monitoramento de recursos hídricos, além de subsidiar pesquisas sobre clima e agricultura.

O Centro vai, ainda, auxiliar na formulação de políticas de prevenção e enfrentamento a eventos extremos, como o das microexplosões registradas em Campinas há sete anos. Na ocasião, um temporal derrubou mais de duas mil árvores, destelhou dezenas de casas e afetou diretamente mais de 1,5 mil pessoas. Segundo dados oficiais, o temporal provocou prejuízos de ao menos R$ 30 milhões.
O Centro irá operar em uma sala da Embrapa Digital, no campus de Barão Geraldo, onde já funciona o Cepagri.

Matéria publicada originalmente no site da Cocen.

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Imagens do Bairro Itatinga, em São Sebastião (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

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