Às vésperas do Dia Internacional da Mulher, 8 de março, o Arquivo Edgar Leuenroth (AEL) da Unicamp recebe o acervo do Centro Informação Mulher (CIM), um dos maiores arquivos sobre o movimento feminista do país. A coleção se soma à vasta documentação sobre os movimentos sociais brasileiros salvaguardadas no AEL. Revistas, jornais, livros, cartazes e fotografias que retratam mais de quatro décadas de atuação do movimento das mulheres compõem os materiais que estarão disponíveis para consulta.
“Esse acervo vai enriquecer e muito aquilo que já possuímos na Unicamp, em particular o que temos na biblioteca Elizabeth Souza Lobo do Pagu, no IFCH [Instituto de Filosofia e Ciências Humanas]. E também os acervos do jornal Mulherio, Patrícia Galvão (a Pagu), Moleca [Movimento Lésbico de Campinas], GALF (Grupo de Ação Lésbica Feminista], Coletivo Feminista de Campinas, Cacilda Lanuza, Geledés entre outros acervos que estão no AEL. O CIM tem servido ao longo das décadas a diferentes pesquisas. Ele é um acervo de memória da luta feminista brasileira e internacional que estamos tendo o privilégio de receber na Unicamp, graças à confiança da direção do CIM”, diz o diretor do AEL, professor Mário Medeiros.
O acervo chegou à Unicamp nesta segunda-feira (6) e passará pelo processo de higienização e catalogação. As negociações para isto se iniciaram em 2019, por meio da direção do AEL composta pelos professores Aldair Rodrigues e Mário Medeiros.
A vinda do acervo ocorreu com o apoio dos docentes Andreia Galvão e Michel Nicolau, ambos na direção do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (IFCH), da professora Silvana de Souza Nascimento, da USP, e chegou à Unicamp por intermediação de duas estudantes do Programa de Pós-Graduação em Sociologia: Iasmim Vieira (orientada pela professora Bárbara Castro) e Milene Marques (orientada pelo professor Mário Medeiros). Ambas utilizaram os documentos do CIM em suas pesquisas.
Medeiros destaca que, nesse acervo, há cerca de 5 mil títulos em livros, compreendendo temáticas como Direito, Filosofia e Literatura feminista. O acordo com o CIM prevê a digitalização de documentos. Dessa forma, pesquisadores terão acesso remoto ao arquivo. “Ajudaremos a dar visibilidade a esse material que tem sido preservado pelo CIM desde 1981”, diz o professor.
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O protagonismo das mulheres
Foi em busca de documentação sobre Sueli Carneiro que Marques, na época mestranda em Sociologia, chegou ao CIM. “O material do CIM foi definitivo para a minha dissertação, trouxe outra robustez e qualificou a minha pesquisa. É imensurável a importância que esse arquivo tem para o movimento das mulheres porque é uma memória extraordinária de muitas pessoas que construíram o que a gente chama de feminismo hoje. A gente não avança sem conhecer o passado e o CIM traz um passado do feminismo a que poucos pesquisadores têm acesso”, observa a socióloga.
Para a pesquisadora, o arquivo contribui para resgatar a memória sobre o protagonismo das mulheres. No caso das mulheres negras, analisa, houve uma tentativa de apagamento dessa história, mas no arquivo é possível resgatar o seu papel proeminente na luta por direitos. “As mulheres negras sempre estiveram construindo o feminismo no Brasil, mas havia um problema de narrativa porque quem contava essa história muitas vezes eram mulheres de lugares sociais específicos”, analisa.
Iasmim Vieira, doutoranda em Sociologia, também estuda a temática de gênero, analisando as demarcações de diferenças entre mulheres organizadas no feminismo na América Latina. Ela também reflete sobre a importância do acervo para a preservação da memória.
“A consciência histórica é extremamente importante e é por meio desses acervos que conseguimos acessá-la. São nesses registros que entendemos toda a produção do conhecimento feminista acumulada ao longo da história e que consiguimos hoje estabelecer nossas pautas de luta, olhar para a nossa realidade social e tentar entendê-la”, pontua.
Dos materiais, Vieira destaca as correspondências entre mulheres. “Vi registros da memória feminista naquilo que é mais corriqueiro e simples. Isso foi feito graças à Miriam Botassi [fundadora do CIM]. Encontramos cartas trocadas entre mulheres que estavam organizando eventos, encontramos panfletos, imagens e cartazes. Nesse acervo temos um diamante no qual podemos olhar a história das mulheres naquilo que é mais cotidiano.”
Centro de Informação da Mulher
O CIM foi idealizado em 1979 por Miriam Botassi, Rosa Beatriz Gouvea e Sônia Cairó e fundado oficialmente em 1981. A entidade possui um dos principais acervos sobre a história do movimento das mulheres no Brasil e no exterior e realiza diversas atividades, como oficinas, seminários, saraus e instalações.
Marta Baião é a diretora do CIM desde 2002. “O CIM surgiu para reparar o epistemicídio em relação à maioria da população, 52% formada por mulheres, além de circunstanciar a história contemporânea da vida e luta das mulheres na América Latina e no mundo”, aponta.
Ela conta que a entidade, situada em São Paulo (SP), foi o local de reuniões preparativas para o 8 de março durante anos. Atriz e fotógrafa, Baião destaca, dentre os milhares de materiais do acervo, a documentação iconográfica. São fotografias e cartazes que retratam momentos históricos do movimento das mulheres.
“Preservado com muita luta”, diz ela, referindo-se ao esforço das mulheres que trabalharam no acervo por mais de quatro décadas. A parceria para trazer a documentação ao AEL, indica, ajuda a reparar a história de exclusão e indiferença da Academia em relação à história das mulheres. “Houve a interdição do acesso das mulheres à construção de saberes, a ausência da escrita de uma história da humanidade que fale das mulheres. Existe uma pressa em reparar e essa parceria é uma forma de reparação da Academia.”
Dia Internacional da Mulher
O Dia Internacional da Mulher teve origem com um protesto de mulheres operárias que exigiam melhores condições de trabalho e direito ao voto, em 1908, em Nova York. É alusivo também a uma greve de mulheres na Rússia em 1917, nas vésperas da Revolução Russa, quando as mulheres pediam “pão e paz”, a saída do país da Primeira Guerra Mundial e melhores condições de vida.
Apesar de celebrado desde o início do século XX, o dia foi oficializado somente em 1975 pela Organização das Nações Unidas (ONU). A data remete às conquistas e às lutas das mulheres por direitos. Os desafios, segundo a coordenadora do CIM, ainda são imensos.
“A misoginia imperou nos últimos anos e hoje a gente vê que é necessário refazer uma série de políticas, leis e espaços que tínhamos conquistado. Quanto mais avançamos, mais o patriarcado se enrijece e se atualiza para atacar nossas ideias de libertação e de contestação. Ele não vai abrir mão dos seus espaços, dos seus privilégios [...]. Mas nós, feministas, não baixamos a guarda.”
Eventos na Unicamp
Na Unicamp, a data será marcada por diversos eventos. A conversa “Gênero, Equidade e Diversidade nas Universidades e nos Institutos” ocorre na Diretoria Executiva de Direitos Humanos (DeDH). Representantes de instituições de ensino público de São Paulo discutirão a criação da Rede Equidade, com o objetivo de elaborar uma Política de Equidade de Gênero.
No auditório do GGBS (Grupo Gestor de Benefícios Sociais), haverá uma apresentação da Companhia Teatro no Solo. Entre 8 e 10 de março também acontecerá o Primeiro Encontro de Mulheres Indígenas da Unicamp.