A Unicamp recebeu, nesta segunda-feira (13), a visita de Lia Merminga, diretora do Fermilab, laboratório de física de partículas e de alta energia ligado ao Departamento de Energia dos Estados Unidos. Ela participou de um workshop sobre a purificação de argônio líquido, evento promovido pelo Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) com o objetivo de celebrar as conquistas já obtidas na primeira fase do projeto LBNF/Dune e projetar os trabalhos a serem realizados e as tecnologias a serem desenvolvidas em sua segunda fase. O Dune consiste em uma iniciativa internacional para instalação de um grande detector de neutrinos no Estado norte-americano de Dakota do Sul, a 1.300 quilômetros de distância de onde o feixe de partículas será gerado, nas proximidades de Chicago, Estado de Illinois (EUA). Outra característica é a profundidade em que o grande detector será instalado, a 1.400 metros do solo. Quando estiver instalado, o Dune deverá vir a ser o maior detector de neutrinos do mundo.
“A contribuição da Unicamp para o projeto Dune é simplesmente essencial para o sucesso de sua execução. É um projeto com investimento de mais de 3 bilhões de dólares pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos que beneficia a comunidade internacional”, destacou Merminga, que reconheceu a colaboração de muitos envolvidos na iniciativa. “Agradeço à engenhosidade dos colegas da Unicamp, incluindo seus vários pesquisadores, à generosidade da Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo] pelo apoio e pelo grande esforço dos estudantes de graduação e pós-graduação desta Universidade.”
A abertura do workshop contou também com a participação do reitor da Unicamp, Antonio José de Almeida Meirelles, do pró-reitor de Pesquisa, João Marcos Romano, da diretora do IFGW, Mônica Cotta, do vice-diretor do projeto LBNF/Dune, Ron Ray, e do vice-presidente da empresa Akaer, Fernando Coelho. Mônica Cotta destacou a presença de Lia na Universidade como um modelo importante para outras mulheres na ciência e pontuou o quanto o projeto demonstra a grandeza das pesquisas desenvolvidas pela Unicamp. “Estamos fazendo uma ciência muito boa, reconhecida pelo Fermilab. Nossos ganhos não são apenas no conhecimento a respeito dos neutrinos, mas também na ciência de materiais e na conexão entre as pessoas.”
O evento teve sequência com apresentações do Fermilab, da Unicamp e da Akaer, empresa parceira na iniciativa, para falar sobre a fase dois do projeto Dune. João Marcos Romano destacou a importância das parcerias firmadas para as pesquisas no Brasil, em especial a importância da Fapesp. Para que as novas tecnologias envolvidas possam ser produzidas, a equipe espera a criação, na Unicamp, do Centro de Energia em Instrumentação Avançada de Altas Energias, projeto que facilitará a aplicação da ciência desenvolvida na Universidade em empresas parceiras. “A Unicamp está orgulhosa do papel que desempenha nesse projeto”, comentou o pró-reitor.
O reitor da Unicamp reforçou o compromisso da Universidade com a iniciativa e expressou sua disposição em contribuir para o estabelecimento de pontes com outros órgãos capazes de subsidiar os trabalhos no país. Antonio Meirelles comentou que o assunto foi tratado em reuniões realizadas com o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Como instituição, lideramos uma equipe que envolve várias instituições. Por meio deste workshop, nós expressamos nosso compromisso em dar continuidade à parceria no projeto."
Purificar argônio e detectar neutrinos
O projeto LBNF/Dune (Long-Baseline Neutrino Facility e Deep Underground Neutrino Facility, em inglês) é um programa para a pesquisa de neutrinos e partículas elementares que possibilitarão investigar novos fenômenos subatômicos e ampliar o conhecimento sobre os neutrinos e seu papel na formação do universo. Ele consiste na instalação de um grande detector de neutrinos em Leads, em Dakota do Sul, a 1.400 metros de profundidade, para a identificação de neutrinos emitidos por um feixe gerado da sede do Fermilab, na cidade de Batava, em Illinois, localizada a uma distância de 1.300 quilômetros.
O detector de neutrinos em Dakota do Sul cobrirá uma área subterrânea equivalente a oito campos de futebol, formada por três cavernas. Em duas delas serão instalados os equipamentos para detecção das partículas. Uma terceira caverna, central, contará com equipamentos para purificação, circulação e condensação do argônio, gás nobre utilizado na forma líquida para os experimentos. Quando estiver em pleno funcionamento, as instalações do Dune utilizarão cerca de 70 mil toneladas de argônio líquido.
A participação da Unicamp no desenvolvimento do projeto concentra-se no desenvolvimento e produção em escala dos equipamentos utilizados para a purificação do argônio. A tecnologia usada nesse processo é desenvolvida nos laboratórios do IFGW, incluindo aí o aperfeiçoamento dos insumos utilizados para a filtragem do argônio líquido. A tecnologia utilizada até então pelo Fermilab conseguia fazer a retirada do oxigênio envolvido nele, que atrapalha a interação entre o argônio e os neutrinos, fundamental para a detecção das partículas. Com a tecnologia desenvolvida pela Unicamp, será possível capturar também o nitrogênio, aumentando o grau de pureza do gás liquefeito e ampliando a utilização de técnicas de identificação, como a cintilação.
Outra contribuição da Unicamp para o projeto é a presença da X-Arapuca no detector, dispositivo criado na Universidade e responsável pela identificação do neutrino por meio da captura da luz emitida a partir da interação do neutrino com o argônio dos tanques. A expectativa é que 1.500 desses dispositivos sejam instalados no Dune. A tecnologia X-Arapuca foi desenvolvida a partir das pesquisas realizadas pelos professores Ettore Segreto e Ana Amélia Machado, do IFGW.
Na fase dois do projeto, o desafio será produzir os equipamentos em quantidade e em escala real e transportá-los até os Estados Unidos. Para isso, a parceria com a Akaer, por meio da empresa Equatorial Sistemas, é decisiva. Some-se mais um desafio: elaborar uma dinâmica de produção e transporte que permita levar os equipamentos para as profundezas das cavernas onde serão instalados. “É como construirmos um navio dentro de uma garrafa, cada detalhe é um novo desafio”, compara Fernando Coelho, vice-presidente da empresa.
Professor do IFGW e líder do projeto na Unicamp, Pascoal Pagliuso destaca a importância de toda a iniciativa não apenas para o desenvolvimento científico, mas também para a economia e geração de empregos. “Essa é uma oportunidade extraordinária para o país. Tudo será construído no Brasil, sob liderança da Unicamp. É um investimento do país no país. Não podemos deixar esse momento passar.”
Leia mais:
Unicamp assina acordo de cooperação em Física de Partículas de Alta Energia com o Fermilab