“A utopia nasce a partir de situações sociais muito difíceis”, diz Carlos Berriel, do Centro de Pesquisa sobre Utopia (U-TOPOS) do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp. O professor coordena o I Simpósio Internacional Tempos da Utopia, que acontece esta semana, de 15 a 17 de março. O encontro aberto ao público é promovido pela Unicamp em parceria com a Universidade do Porto (Portugal) e a Universidade de Florença (Itália). O objetivo é amplificar o debate sobre utopia a partir de abordagens multidisciplinares.
“A utopia é uma reflexão sobre a sociedade”, reforça Berriel. Segundo Danielle Barbosa, que faz parte dos comitês científico e executivo do Simpósio Internacional e é também pesquisadora do U-TOPOS, serão 26 expositores de diferentes áreas, como Arquitetura, Psicanálise, História, Filosofia, Sociologia e outras, com convidados dos Estados Unidos, Espanha, Portugal, Itália e Brasil. A Conferência de Abertura, na quarta-feira (15/03) pela manhã, será realizada pelo professor Carlos Berriel, seguida pela fala do Krishan Kumar, professor do Departamento de Sociologia da Universidade da Virgínia (EUA), referência no estudo da utopia.
A inscrição, gratuita, pode ser feita pelo site. no qual também é possível conferir a programação completa do evento. Para quem não faz questão do certificado, basta comparecer ao Auditório “Raízes” da Diretoria Executiva de Direitos Humanos (DEDH), no prédio do Ciclo Básico I da Unicamp. Na quinta-feira (16/03), haverá a apresentação de um quarteto de cordas às 18h30, no Teatro de Arena da Unicamp.
‘Lugar nenhum’
“Além de trazer para a discussão um tema atual, a ideia do Simpósio é abrir um diálogo com outras instituições e outros grupos de pesquisa que tangenciam o tema ou trabalham com ele”, diz Danielle. O tema se transformou num campo de pesquisa importante em todo o mundo. Na Universidade do Porto, por exemplo, existe uma pós-graduação em Utopia.
Não há consenso sobre em que momento histórico surgiu a ideia de utopia. Para algumas tendências, seria com a obra A República, de Platão, escrita numa tentativa de criar uma legislação justa para a cidade (a polis grega) no ano 405 a.C., quando Atenas foi derrotada e destruída numa guerra contra Esparta, gerando uma crise profunda. “As obras utópicas são produzidas no momento em que contradições sociais estão muito agudas. O autor imagina soluções, formas pelas quais a sociedade poderia ser justa e poderia reconciliar-se, mas ele não pode imaginar um lugar outro. Vem daí o nome ‘utopia’, que em grego significa ‘não lugar’ ou ‘lugar nenhum’”, explica o professor.
Porém, a obra que cria a palavra utopia foi escrita por Thomas Morus, em 1516, obra essa que possui um longo título, mas que ficou conhecida simplesmente como Utopia. “Imaginar uma situação em que está tudo resolvido é uma crítica à sociedade em que as coisas estão muito complicadas”, analisa Berriel. Para muitos estudiosos, a utopia se tornou um gênero literário.
U-TOPOS
Criado há 20 anos, o centro de estudos U-TOPOS trabalha no campo de pesquisa da utopia na pós-graduação. Berriel lembra que o centro já realizou congressos em Florença (2007 e 2015) e na França (2012), além dos congressos realizados na Unicamp (em 2009, com a participação de 35 universidades, e em 2017).
“A utopia também nasce do desejo”, diz a psicanalista Danielle Barbosa. “A utopia faz um manejo do tempo. Buscamos no passado algumas coisas pensando no futuro”, diz a pesquisadora, que fará uma apresentação, durante o seminário, sobre psicanálise. Segundo Danielle, os textos utópicos são textos que observam a realidade.
Distopia
“Tem uma outra face da utopia que é a distopia, que trata da questão da supressão do indivíduo de uma forma autoritária. Isso tem muito a ver com os últimos quatro anos que nós vivemos no Brasil. Passamos por um período muito complexo em termos de organização política. Houve um desmonte muito sistemático do que foi construído, como a organização das instituições. Muito se falou de distopia nesse período, foi uma palavra muito presente”, observa Danielle.
“Enquanto a utopia se imagina um sonho, a distopia se sabe pesadelo”, completa Berriel. Dentro das utopias, que parecem sociedades perfeitas, “respira o íncubo da distopia”, explica o professor. O sentido de íncubo aqui é demônio. “Você tem aí dormindo um demônio, que é o apagamento dos indivíduos, a vigilância sobre o cidadão, como em Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley: o Estado determinando tudo.” Também é assim em Cidade do Sol, livro de Tommaso Campanella, escrito em 1602, que acaba de ser publicado pela Martins Fontes com tradução, estudo e notas de Carlos Berriel.
As distopias surgem no século XX, “quando já não há mais utopia, só distopia”, diz o professor. As utopias estão ligadas à realidade. O cristianismo, por exemplo, tem uma dimensão utópica. “Fundamento da sociedade ocidental”, observa Berriel.
O professor cita séries de sucesso que são exemplos de distopia, como Black Mirror, O Conto da Aia e 3%, esta última uma série nacional que será tema de uma das palestras. “A ficção é a realidade mais ressaltada”, afirma Berriel.
Serviço:
I Simpósio Internacional Tempos da Utopia
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Para outras informações, escreva para o e-mail utopos@iel.unicamp.br.