Maior produtor do mundo, o Brasil foi responsável pela colheita de mais de 680 mil toneladas de maracujá em 2021, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Porém, além da polpa para consumo in natura ou para a fabricação de sucos e outros produtos, o processamento agroindustrial da fruta gera cerca de 390 mil toneladas anuais de cascas que, apesar de ricas em pectina (substância natural responsável pela textura em gel de alimentos como geleias e tradicionalmente obtida a partir das cascas de laranja e limão), quase sempre são desperdiçadas – apenas uma fração é destinada à produção de ração animal, fertilizante e farinha. Para dar ao resíduo um destino mais nobre, pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desenvolveram um método eficiente e sustentável de extração do gelificante.
O sucesso nos testes da nova técnica, que contaram com apoio da FAPESP, fez com que a Inova Unicamp, agência de inovação da universidade, depositasse um pedido de patente de invenção junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) no último mês de fevereiro.
“Nossa ideia foi aproveitar as cascas de maracujá que seriam descartadas de uma maneira que aliasse sustentabilidade e eficiência e, por isso, investigamos a extração da pectina com o uso de líquidos pressurizados a partir da casca da fruta e da sua biomassa residual obtida após a extração de compostos bioativos”, explica Débora Tamires Vitor Pereira, autora do trabalho. “Também estudamos diversos solventes naturais que não agridem o meio ambiente e a saúde humana [como água pura e diferentes combinações de solventes eutéticos profundos]. A água e a combinação ácido cítrico, glicose e água pressurizada foram os melhores solventes para a extração de pectina da casca do maracujá.”
Ao contrário do processo industrial tradicional de obtenção de pectina, que se baseia no aquecimento da matéria-prima com ácidos tóxicos e tem longas horas de duração, a nova técnica é conduzida em minutos, exclusivamente com tecnologias emergentes que aumentam sua eficiência e rendimento e diminuem o consumo de energia. Além disso, se mostrou capaz de gerar dois produtos com diferentes aplicações: a pectina de alto grau de esterificação, usada como gelificante, estabilizador, emulsificante e espessante em geleias, e a pectina de baixo grau de esterificação, aplicada em produtos dietéticos ou de baixa caloria como substituta da gordura.
A primeira etapa do processo de extração envolve a secagem a 60 °C e teor de umidade de 15% das cascas frescas, que depois são moídas e peneiradas. Desse pó é extraída a pectina. Se o objetivo for obter o gelificante de alto grau de esterificação, o processo é com água pura pressurizada; para a de baixo grau, aplicam-se solventes eutéticos profundos – tradicionalmente, para se conseguir esse segundo tipo, é preciso desesterificar a pectina de alto grau, um processo extra que demanda etapas adicionais e maior uso de solventes tóxicos.
“É importante considerar também que os solventes utilizados em nosso método, além de naturais, atendendo a uma demanda crescente da sociedade, são substâncias de grau alimentício, ou seja, que podem ser usadas no processamento de alimentos sem restrições legais e problemas de toxicidade”, completa Julian Martínez, professor do Departamento de Engenharia e Tecnologia de Alimentos da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp e orientador do estudo.
Estudos complementares
Entre os próximos passos rumo a uma possível aplicação da técnica na indústria deve estar um estudo das propriedades tecno-funcionais da pectina obtida, bem como uma análise de viabilidade econômica que inclui o cálculo do investimento necessário em equipamentos, já que se trata de uma nova tecnologia.
“Com o auxílio da Inova, também deve ser feita a prospecção de potenciais empresas e clientes que possam se interessar por usar a tecnologia”, diz Martínez.
Parte do trabalho foi realizada no Laboratório de Foodomics do Instituto de Pesquisas em Ciência dos Alimentos (CSIC-CIAL) da Universidade Autônoma de Madrid (Espanha) e no Laboratório Prebioin (Espanha), sob a supervisão da professora do CSIC-CIAL Elena Ibañez.