Na abertura oficial do I Colóquio Instituto Rouanet–Unicamp, realizada na manhã desta quarta-feira (12/04) no Centro Cultural do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), a diretora do Instituto, Adriana Rouanet, em transmissão ao vivo direto de Londres (Inglaterra), falou da sua interpretação sobre o tema do evento “O particular e o universal no pensamento de Sergio Paulo Rouanet”: “Resguardar tanto o particular quanto o universal foi uma preocupação durante toda a vida intelectual de meu pai. O que ele chamava de particular é aquilo que pode ser visto como regional, como o legado de um povo ou de uma comunidade; o universal é quando abrimos os horizontes para um diálogo mais amplo, onde podemos nos encontrar em nossa humanidade”, afirmou Adriana.
Com foco na discussão sobre as humanidades, o evento, que acontece de 11 a 14 de abril (Confira a programação completa), inaugura a parceria entre a Unicamp e o Instituto Barbara-Freitag e Sérgio Paulo Rouanet (Instituto Rouanet). Também faz parte da programação, como atividade conjunta, o evento II Vozes Negras na Filosofia, que teve início na terça-feira (11/04). Ao longo da semana, ocorre ainda uma mostra paralela de cinema e uma apresentação musical.
Nascido no Rio de Janeiro em 1934, Sérgio Paulo Rouanet se tornou mais conhecido por dar nome à Lei de Incentivo à Cultura, criada em 1991 e apelidada de “Lei Rouanet”, mas sua atuação como diplomata, filósofo, professor universitário, tradutor e ensaísta brasileiro também deixou um importante legado intelectual. Ele foi o oitavo ocupante da cadeira 13 da Academia Brasileira de Letras (ABL) e faleceu há menos de um ano, no dia 3 de julho de 2022.
O professor Luiz Paulo Rouanet, da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), que participou presencialmente da abertura do Colóquio, acredita que o evento amplia os ideais defendidos por seu pai. “A nossa intenção enquanto Instituto — eu, minha irmã (Adriana) e minha esposa Lucy — é não ficar apenas no aspecto memorialista, mas também promover atividades e possibilidades de estudos, apoiando projetos de pesquisa e atividades relacionadas aos campos da cultura em geral. Meu pai faleceu no ano passado, é uma coisa muito recente ainda, mas nós estamos muito satisfeitos com o evento porque é uma forma de levar adiante o seu legado”, disse Luiz Paulo Rouanet.
A sede oficial do Instituto no Rio de Janeiro está instalada em uma casa do século XVIII, onde são organizadas oficinas com crianças, exposições, acolhimento de artistas residentes (intelectuais e pesquisadores), entre outras ações. “A ideia é não ficar apenas no culto do legado, no sentido de promover ações que decorram desse legado”.
Para o reitor da Unicamp, Antonio José de Almeida Meirelles, a grande virtude de Sérgio Paulo Rouanet foi pensar “constantemente sobre esse conflito entre o particular e o universal, atualizando e valorizando o espírito democrático, que consiste na capacidade de construir o particular garantindo e preservando os interesses universais”, disse, durante a abertura oficial do Colóquio.
Desafio
O reitor lembrou das ameaças recentes à democracia brasileira, com a polarização e o fracionamento da sociedade. “Vivemos momentos difíceis na nossa sociedade. Nosso grande desafio é combinar a diversidade de interesses no contexto de valorizar o que nos caracteriza como humanos. Nós, enquanto universidade, com todos os altos e baixos, estamos construindo uma sociedade que pode gerar esperanças. Mas isso coloca em cada um de nós responsabilidades que não são pequenas, ainda que envolvam ações diferentes”.
Para o organizador do Colóquio, o professor Marcos Lopes (IEL), lembrar Sérgio Paulo Rouanet é evocar o espírito republicano. “Ele foi um dos mais importantes intelectuais brasileiros da segunda metade do século XX, com participação intensa na vida pública, especialmente no período da redemocratização.”
Na leitura do trecho de um artigo de Rouanet (1986, “Reinventando as humanidades”, in As razões do iluminismo), o professor Lopes destacou a sua definição para a democracia: “Democracia, a mais frágil das construções humanas e a mais valiosa”. Naquele período, Rouanet convocava: “Chegou o momento de reinventar as humanidades.”
O colóquio se propôs a pensar com e contra a tradição iluminista, disse o organizador. “Para mim, parece fundamental hoje a capacidade de dialogar com todas as vertentes mantendo um apreço por uma razão pública, uma razão que é capaz de dialogar com vários segmentos da sociedade, e não um conhecimento exotérico fechado em um condomínio“, afirmou Lopes.
Além da diretora Adriana Rouanet, do professor Marcos Lopes e do reitor Antonio Meirelles, também participaram da mesa de abertura a diretora do Departamento de Teoria Literária do IEL, Orna Levin; o diretor do IEL, Petrilson Alan Pinheiro da Silva; e o pró-reitor de Pesquisa, João Marcos Travassos Romano. Para a professora Orna Levin, falar das heranças favoráveis e desfavoráveis do Iluminismo “é oportuno e urgente em nossa sociedade”. O professor Petrilson Silva lembrou que Rouanet foi tradutor de Walter Benjamin. “É importante falar de como a lei foi atacada durante o último governo, porque quando se ataca uma lei de incentivo à cultura, ataca-se os meios de manifestação cultural que são fundamentais para a existência de qualquer sociedade democrática”, afirmou Silva. O pró-reitor de Pesquisa, João Romano falou da importância do evento acontecer na Unicamp, “um locus de pensamento humanista”.
Também participaram da organização do Colóquio, junto ao professor Marcos Lopes, a professora Isabella Tardin Cardoso (IEL), os professores Luiz Paulo Rouanet (UFSJ) e Fernando de Sá Moreira (Universidade Federal Fluminense – UFF) e os diretores Adriana Rouanet e Flávio Garcia Rocha (Instituto Rouanet).
Instituto Rouanet
Segundo a produtora cultural Adriana Rouanet, o instituto que leva o nome dos seus pais, Barbara-Freitag e Sérgio Paulo Rouanet, foi criado durante a pandemia, com seu pai ainda em vida. “É uma oportunidade maravilhosa para o Instituto ter essa visibilidade com este evento. Agradeço enormemente o convite da Unicamp. Espero que possa se repetir e que este modelo de parceria possa seguir nos anos seguintes.”
Ela lembrou que seu pai acompanhou o declínio da democracia brasileira nos últimos anos “e lamentou muitíssimo um governo que desconstruiu internamente a nossa democracia”. Por outro lado, disse ela, “seu lado realista de diplomata e intelectual interpretava esse declínio democrático como uma fase que acontece em nosso ciclo histórico, que ele chamava de luzes e trevas”, afirmou.
Junto com seu pai e sua mãe, que ainda está em atividade intelectual, eles conversaram sobre a preocupação de resguardar um legado, não apenas físico — como a biblioteca do casal —, “mas de resguardar a preocupação pública e prática”. Segundo ela, o instituto entende que cultura tem um componente prático: “cultura em seu sentido mais amplo, de conhecimento e expressão artística, patrimônio de um povo e uma comunidade”. “A cultura tem um poder fenomenal de capacitar seres humanos”, acrescenta. “Algo que a própria Lei Rouanet resguarda. Ela é ao mesmo tempo um manifesto iluminista, um documento que protege e resguarda tanto o particular quanto o universal. Essa é a missão do Instituto, através de ações e parcerias como esse colóquio, repensar um pouco os contextos sociais, políticos e históricos em que vivemos. Devemos aproveitar aquilo que o iluminismo tem de positivo, defender causas democráticas como igualdade social. O legado iluminista não precisa ser o legado do século XVII enraizado no tempo e no espaço; existem ideais que nós podemos resguardar, repensar e recontextualizar.” Segundo Adriana, a igualdade de gênero e de raça são questões nas quais ela particularmente se empenha, por isso a parceria com o evento que está se dando ao mesmo tempo com o II Vozes Negras na Filosofia.
Psicanálise e Filosofia
A primeira mesa de debates após a abertura do evento foi sobre “Psicanálise, Recepção e Iluminismo”, com moderação da psicanalista e doutoranda Danielle Barbosa (IEL), composta pelos professores Marco Heleno Barreto da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje) e Richard Symanke da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Para Barreto, o debate sobre iluminismo é fundamental “dentro de uma época que é anti-iluminista”. Recuperar ideais “perdidos ou mal interpretados do Iluminismo” e celebrar um pensador brasileiro da estatura de Sérgio Rouanet são importantes iniciativas do colóquio, porque permitem que a reflexão chegue mais perto da sociedade. “Não podemos ter muita expectativa quanto ao impacto imediato, mas o importante é não deixar apagar uma chama valiosa de reflexão e de diagnóstico do nosso tempo”.
O professor Symanke destacou o perfil raro de Sérgio Paulo Rouanet dentro da intelectualidade brasileira, de um intelectual que participa ativamente da vida pública, “não só com cargos do governo, mas na disseminação do conhecimento, escrevendo na imprensa, participando de eventos em diversos setores, como psicanálise, literatura, filosofia, artes”. Segundo o professor, Rouanet primava pelo exemplo de como tornar um pensamento intelectual mais acessível a um público mais amplo, “de maneira que as ideias possam ter uma repercussão social”. Outra importante iniciativa do colóquio, disse Symanke, é discutir a produção filosófica nacional.
Assista ao Repórter Unicamp sobre o Legado Rouanet: